Os viciados em política americana, que não se cansam das reviravoltas da campanha de 2024, terão outra oportunidade de assistir a um evento imperdível com a Convenção Nacional Democrata, que será realizada de 19 a 22 de agosto em Chicago.
Na convenção republicana em Milwaukee no mês passado, o ex-presidente Donald Trump foi recebido como uma figura divina por seus eleitores após sobreviver por pouco a uma tentativa de assassinato dias antes.
Agora é a vez dos democratas aplaudirem sua indicada presidencial Kamala Harris e seu novo companheiro de chapa, o governador de Minnesota, Tim Walz.
O elenco mudou. Harris, e não mais o presidente Joe Biden, desempenhará o papel principal, apesar de a indicada nunca ter conquistado uma eleição primária.
No entanto, o roteiro do show permanece o mesmo: um infomercial de quatro dias repleto de fervor ideológico superproduzido.
Quando Biden se retirou da disputa, os delegados que ele havia acumulado durante as primárias ficaram "descomprometidos".
Embora esses delegados estivessem livres para apoiar qualquer candidato que desejassem, Harris rapidamente consolidou apoios — incluindo dos Clinton, dos Obama e do próprio Biden — e se tornou oficialmente a indicada democrata no início deste mês por meio de uma votação virtual de aproximadamente 4 mil delegados.
Com esse drama encerrado, aqui estão cinco principais pontos para ficar de olho na Convenção Democrata.
1. Políticas de identidade
A identidade de Harris será um dos principais pontos de discussão entre os democratas.
Já a mulher de mais alto escalão a servir no governo federal, Harris pode se tornar a primeira mulher presidente na história dos Estados Unidos.
Como uma mulher negra (ela é filha de imigrantes jamaicanos e indianos), Harris se tornaria apenas a segunda presidente não branca, após a eleição histórica de Barack Obama em 2008.
Alguns republicanos desqualificaram Harris como uma "contratação DEI" (sigla para Diversidade, Equidade e Inclusão), citando a promessa de Biden em 2020 de escolher uma mulher para a chapa e as pressões para selecionar uma mulher negra após os protestos pela morte de George Floyd.
No entanto, os democratas rotularam essa crítica como "apito de cachorro" (expressão da política americana para uma mensagem cifrada que reforça ideias racistas, preconceituosas e xenófobas) e veem uma chance na convenção de destacar a raça e o gênero de Harris.
Um mês atrás, Trump estava caminhando para obter mais votos negros do que qualquer candidato presidencial republicano na história.
No entanto, pesquisas sugerem um entusiasmo crescente por Harris entre esse grupo demográfico, o que levou Trump a alegar falsamente que Harris começou a se identificar como negra recentemente.
Enfatizar a origem racial de Harris pode reforçar o apoio entre a comunidade negra.
2. Foco no aborto
Da mesma forma, quando se trata de eleitoras, os direitos reprodutivos são uma prioridade para os democratas, e eles serão um ponto focal na Convenção Nacional Democrata.
Depois que a Suprema Corte dos EUA anulou a decisão Roe versus Wade em 2022, derrubando quase meio século de precedentes que garantiam o direito ao aborto, os democratas perceberam que tinham um problema de ressonância.
Na convenção, os democratas vão focar nas três nomeações de Trump para o tribunal que solidificaram a supermaioria de direita que permitiu a anulação de Roe versus Wade.
Embora Trump tenha endossado deixar a questão do aborto para os Estados, alguns democratas o rotularam falsamente como apoiador de uma proibição nacional.
Muitos especialistas atribuem o desempenho muito positivo dos democratas nas eleições legislativas de 2022 ao descontentamento popular quanto à questão do aborto.
Uma série de referendos estaduais também indica que os democratas têm uma posição política privilegiada no tema dos direitos reprodutivos.
Lembrar às mulheres que o aborto está em jogo pode ajudar a replicar esses sucessos em novembro.
3. Democracia em jogo
Como presidente, uma das mensagens enfáticas de Biden aos eleitores foi que os desafios à democracia no exterior, incluindo a guerra da Rússia contra a Ucrânia, estão intimamente ligados aos desafios de Trump à democracia em casa.
Na convenção, Harris e os democratas provavelmente continuarão com esse refrão, mas expressarão sua linguagem em termos mais moderados.
Após a tentativa de assassinato de Trump, muitos republicanos acusaram os democratas de incitar a violência ao atacar Trump como uma ameaça ao país.
Ao mesmo tempo, alguns relatórios sugerem que muitos democratas importantes admitiram em particular que uma vitória de Trump em novembro não significaria o fim da "República".
Embora a linguagem possa ser moderada, Harris não cederá todo o terreno no ponto da democracia.
As ameaças de Trump de fazer uma "turnê de retribuição" e erradicar o "Estado profundo" se alinham com um primeiro mandato em que os adversários insistem que ele atacou as normas executivas a marretadas.
4. Saudação a Biden
Um mês atrás, Joe Biden era o inconveniente político de 81 anos, cheio de enfermidades, a quem líderes democratas como o presidente da Câmara, Hakeem Jeffries, e o líder da minoria no Senado, Chuck Schumer, não conseguiam dispensar rápido o suficiente.
Agora, ele é o distinto estadista mais velho que os democratas não param de elogiar como um dos presidentes mais talentosos de todos os tempos.
Biden está programado para fazer um discurso de alto nível durante a primeira noite da Convenção Nacional Democrata, onde ele sem dúvida irá apregoar seu histórico que alguns chamaram de o mais progressista desde Franklin Delano Roosevelt (ou mesmo na história dos EUA).
Espere muitos elogios à abnegação e sabedoria de Biden em "passar a tocha" para a próxima geração.
A decisão de Biden de renunciar foi tão voluntária quanto uma carta de renúncia escrita sob a mira de uma arma. No entanto, as elites do Partido Democrata estão comprometidas em pedir aos eleitores que esqueçam que sua rainha recém-coroada foi selecionada, e não eleita.
5. Protestos sobre Gaza
Talvez tão importante quanto o que acontece dentro do salão de convenções seja o que acontece do lado de fora.
Na esteira dos protestos universitários sobre o apoio dos EUA à guerra em Gaza que abalaram os campi dos EUA na primavera, os manifestantes já estão planejando fazer suas vozes serem ouvidas em Chicago.
As manifestações podem ser uma desvantagem para os democratas.
Alguns especialistas acreditam que os paralelos com a Convenção Nacional Democrata em Chicago em 1968, quando a polícia entrou em confronto com manifestantes contrários à guerra do Vietnã, são exagerados. Mas outros dizem que os protestos planejados podem mudar o jogo.
O famoso investidor e empresário Steve Eisman, por exemplo, previu que os manifestantes "não conseguirão se controlar" em Chicago e que "eles queimarão bandeiras israelenses, queimarão bandeiras americanas e gritarão coisas como 'morte a Israel' e 'morte à América'", e o país inteiro vai assistir e o país inteiro ficará horrorizado e "a eleição acabará".
Se isso se provar correto, a próxima convenção realmente será imperdível.
* Thomas Gift é professor associado e diretor do Centro de Política dos EUA, do University College London (UCL)
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).