Quando Barack Obama anunciou que discursará no dia 28 de Agosto nos degraus do Memorial de Lincoln, em Washington D.C., houve um alvoroço nas redes sociais. É que foi neste mesmo dia e local, há exatos 50 anos, que Martin Luther King fez o seu famoso discurso “I have a dream” (Eu tenho um sonho). A iniciativa, que fará parte das celebrações de aniversário da data, incitou comparações entre os dois líderes negros.
Obama tinha apenas 6 anos quando Martin Luther King foi assassinado, em Abril de 1968. Mas é fácil encontrar semelhanças entre as duas figuras públicas: ambos se distinguiram pelo dom da oratória, mobilizaram grandes massas por melhorias sociais, e mudaram, para sempre, a trajetória dos Estados Unidos - um ao pressionar por direitos civis e o outro ao ser eleito o primeiro presidente negro do país.
Além disso, suas histórias sempre acabam se entrelaçando, embora tenham vivido em épocas diferentes. Barack Obama aceitou a nominação do partido democrata no dia 28 de Agosto de 2008, exatamente 45 anos após o discurso “I have a dream”. E as duas cerimônias de inauguração do presidente, em 2009 e 2013, ocorreram na semana de aniversário do líder dos direitos civis.
Mas para Kevin Powell, militante da causa negra em Washington D.C., há mais diferenças do que semelhanças entre os dois homens. Powell, autor do livro “Barack Obama, Ronald Reagan e o fantasma de Dr. King” (2012), lembra que King nunca foi político. Ele começou sua trajetória como pastor da igreja cristã, e naturalmente se tornou um líder comunitário. “Ele era muito humilde e inclusive relutou em aceitar este título”, relata.
Martin Luther King também tinha opiniões bem distintas do presidente, principalmente com relação ao militarismo dos Estados Unidos. Ele se identificava com a não-violência, movimento pacífico fundado por Mahatma Gandhi, e frequentemente discursava contra a guerra do Vietnã. Este contraste motivou o recente trocadilho "MLK: Eu tenho um sonho. Obama: Eu tenho um drone", que ganhou popularidade nas redes sociais.
Mas a diferença que Powell considera fundamental é que os dois líderes atuaram em épocas completamente diferentes. King não testemunhou os ataques do 11 de Setembro ou as consequentes guerras no Afeganistão e Iraque. E Barack Obama não teve que viver sob o sistema de casta racial que ditou a legislação norte-americana até 1964.
Isso não significa que o presidente não tenha que lidar com problemas raciais em pleno ano de 2013. “O racismo ainda existe, só que ocorre de forma muito mais sutil e complexa”, afirma. Como prova, ele cita o assassinato “acidental” do jovem negro Trayvon Martin, o número desproporcional de negros nas prisões americanas, e a gentrificação das grandes cidades.
Discurso tem motivação política
A decisão de discursar nos moldes de Martin Luther King tem sido vista como uma tentativa do presidente se redimir com a comunidade negra. Durante o seu primeiro mandato, ele foi duramente criticado por não condenar publicamente alguns incidentes racistas. “Ele achava que não deveria ressaltar essas questões já que lidera um país multicultural”, explica Powell.
O problema de abordar assuntos que interessam especificamente os negros é que ele provavelmente sofreria ataques da oposição. “Existem grupos políticos nos Estados Unidos que têm uma mentalidade muito racista”, acredita. Mas agora que ele não vai mais concorrer à presidência, está livre para falar sobre qualquer assunto.
“Agora Obama pode opinar sobre o caso Trayvon Martin ou dar um discurso nos degraus do Memorial Lincoln. Ele pode expressar orgulho por ser quem ele é, como pessoa. E era isso que Martin Luther King falava. Que todos nós temos o mesmo valor e que a história de todos deve ser ouvida”.