Em meio à grande incerteza política trazida por mais uma denúncia de suposto envolvimento em atos de corrupção, o presidente Michel Temer tentará vender uma agenda positiva durante seu discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.
Segundo interlocutores ouvidos pela BBC Brasil, a fala de Temer, prevista para às 10h00 desta terça-feira (11h00 em Brasília), deve destacar a "estabilidade" do Brasil e a importância da "democracia e dos direitos humanos" para o governo.
Mas são outros trechos do discurso que prometem atrair olhos atentos em todo o planeta.
Poucas semanas depois de enfrentar uma enxurrada de críticas pelo controverso decreto que extinguiu uma reserva nacional do tamanho da Dinamarca, entre o Pará e o Amapá, Temer deve ressaltar esforços do governo federal pela proteção da Amazônia.
O principal argumento do presidente brasileiro deve ser uma queda de 21% registrada nas taxas de desmatamento da Amazônia Legal, entre agosto de 2016 e julho deste ano.
A inclusão destes pontos no discurso, segundo fontes próximas ao presidente, seria uma estratégia para reverter a má impressão causada pela extinção da Reserva Nacional do Cobre e Derivados (Renca) e pelos cortes no financiamento de países como Dinamarca e Alemanha ao Fundo Amazônia, dedicado a financiar a preservação da floresta.
Em 2016, o desmatamento na região teve um aumento de 58%, o que levou países, personalidades e entidades internacionais a repreenderem publicamente o governo brasileiro.
Durante o pronunciamento a líderes de quase 200 países, Temer também deve reiterar o apoio brasileiro ao acordo de Paris, que visa reduzir as mudanças climáticas, e defender o "desenvolvimento sustentável" do Brasil.
Escanteio?
Além da pauta ambiental, Michel Temer, que se encontrou com Donald Trump em um jantar na noite de segunda-feira, também deve discutir acordos comerciais com as principais autoridades de quatro importantes nações do Oriente Médio: Israel, Autoridade Palestina, Irã e Egito.
A agenda oficial também inclui reuniões bilaterais com líderes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa(CPLP), incluindo o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, e com o presidente da Guiana, David Granger.
Os encontros podem romper uma sequência de revezes diplomáticos para o Brasil nos últimos meses.
No início de setembro, o primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu deixou o Brasil de fora em uma visita à América Latina que incluiu Argentina, Colômbia e México. Em agosto, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, também "pulou" o Brasil quando visitou Colômbia, Argentina, Chile e Panamá.
Em julho, durante a reunião da cúpula do G20 (grupo das 20 principais economias do mundo), Temer não teve encontros fechados com líderes de nenhum país - as reuniões entre mandatários são uma prática bastante comum (e incentivada) neste tipo de evento.
O distanciamento é interpretado por alguns como fruto de uma incerteza internacional sobre o futuro de Temer, que em 26 de junho se tornou o primeiro presidente brasileiro a ser denunciado por um crime comum (corrupção passiva) durante o exercício do mandato.
Na semana passada, Temer foi denunciado pela segunda vez pela Procuradoria-Geral da República, desta vez sob acusações de obstrução de Justiça e de integrar organização criminosa.
Bastidores
Figuras próximas à comitiva presidencial divergem sobre o impacto da presença brasileira nesta Assembleia Geral da ONU.
De um lado, há quem destaque a agenda de Temer em Nova York como o fim de um jejum de encontros com líderes estrangeiros.
"A comunidade internacional valoriza a retomada do crescimento da economia, a queda da inflação e as reformas conduzidas pelo presidente Temer. O G20 foi uma viagem conturbada, muito breve, não havia tempo hábil. Os encontros em Nova York mostram que a tese de isolamento é mito", diz um interlocutor à BBC Brasil.
De outro lado, testemunhas das preparações dos compromissos com líderes estrangeiros afirmam que os encontros bilaterais são resultado de um esforço incomum do governo brasileiro em conseguir reuniões com outros presidentes.
"O Brasil tradicionalmente é procurado por autoridades nesse tipo de evento. Vinha sendo assim em todas as assembleias. Dessa vez, nós tivemos que bater na porta de muita gente. Isso mostra um encolhimento da nossa diplomacia."
O primeiro teste de Temer foi o jantar da última segunda-feira, a convite da Casa Branca, em um hotel de Nova York.
Ao lado de Donald Trump, do presidente colombiano, Juan Manuel Santos, do líder panamenho, Juan Carlos Varela, e da vice-presidente argentina, Gabriela Michetti, Temer endossou a postura norte-americana de oposição ao regime de Nicolás Maduro, na Venezuela.
Em sua fala de abertura do jantar, antes do início das conversas, Trump agradeceu o empenho dos convidados em "condenar o regime" venezuelano, que classificou como "terrível ditadura".
Uma hora depois, em fala breve a jornalistas, Temer afirmou que "houve coincidência absoluta nas posições de todos os participantes" do jantar - e reiterou o discurso do colega americano, dizendo que os líderes presentes no encontro "querem que se estabeleça a democracia" na Venezuela.
Agenda
A abertura da Assembleia Geral da ONU pelo presidente brasileiro mantém uma tradição iniciada em 1947, durante a primeira sessão especial da Assembleia, então presidida por Oswaldo Aranha - que foi ministro de Relações Exteriores durante o primeiro governo de Getúlio Vargas.
Além da fala inaugural e dos encontros com Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, Abdel Fattah al-Sisi, presidente do Egito, Binyamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, e Hasan Rowhani, presidente do Irã, Temer assinará um tratado sobre proibição de armas nucleares, resultado de um acordo de 122 países, com forte atuação da diplomacia brasileira.
A agenda do presidente Temer inclui também um encontro com Klaus Schwab, presidente do Fórum Econômico Mundial.
Na quarta-feira, Temer fará um pronunciamento durante seminário sobre negócios no Brasil organizado pelo jornal Financial Times, encerrando a viagem oficial.