Caso cumpra as promessas feitas durante a campanha, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, deve dedicar seus primeiros dias no Salão Oval da Casa Branca à avaliação sobre o rompimento e renegociação de acordos e compromissos internacionais, bem como a reverter decretos presidenciais de Barack Obama.
"No primeiro dia, irei (…) cancelar todas as ações executivas inconstitucionais, memorandos e ordens emitidas pelo presidente Obama", prometeu o então candidato em seu plano para os primeiros 100 dias de governo, divulgado no fim de outubro - menos de um mês antes do pleito de terça-feira, em que derrotou a candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton.
Durante seus oito anos na Casa Branca, Obama assinou 235 decretos presidenciais que permitiram implementar medidas sem aprovação do Congresso, já que seu partido, o Democrata, não tinha maioria no Senado ou na Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados brasileira) nos anos finais do segundo mandato, iniciado em 2012.
Entre as medidas estão iniciativas para endurecer o controle sobre a venda de armas, proteger de deportação imigrantes que chegaram aos EUA quando crianças ou reduzir emissões de usinas de energia.
Porém, a partir de 20 de janeiro, quando tomará posse em Washington, Trump poderá cancelar muitos desses decretos. O novo presidente também pode romper ou renegociar compromissos internacionais - como o acordo nuclear firmado com o Irã em julho do ano passado, em conjunto com Alemanha, Reino Unido, União Europeia, França, Rússia e China.
Também deverá buscar reverter algumas leis, neste caso com a aprovação do Congresso. Entre elas, a reforma da saúde, conhecida como Obamacare, alvo de críticas de seu partido, o Republicano.
Na quinta-feira, Trump e sua mulher, Melania, foram recebidos na Casa Branca por Obama e pela primeira-dama, Michelle, para discutir detalhes da transição.
"Minha prioridade número um nos próximos dois meses é tentar facilitar uma transição que assegure que nosso presidente eleito seja bem-sucedido", disse Obama ao fim da reunião, que durou cerca de uma hora e meia.
Trump disse que o encontro foi "uma grande honra" e observou que o presidente "explicou algumas das dificuldades" e "algumas das grandes conquistas". O republicano também se reuniu com líderes do Congresso.
Congresso favorável
Trump não deverá ter muitos problemas no Legislativo, já que a eleição de terça-feira manteve sob controle dos republicanos tanto a Câmara dos Representantes qundo o Senado.
"(A reforma da saúde) Está no topo da nossa agenda", disse na quarta-feira, em entrevista coletiva, o presidente do Senado, Mitch McConnell.
Trump não forneceu detalhes específicos sobre como subsituiria o Obamacare, que ampliou o acesso universal à saúde, mas também aumentou os preços de planos para quem não recebe assistência do governo. Quando candidato, Trump anunciou que pretendia trazer um sistema baseado no livre mercado, mas não explicou como isso seria implementado.
No entanto, o Wall Street Journal publicou na sexta-feira uma entrevista com oempresário em que ele se disse aberto a manter o que chamou de "pontos-chave" do pacote de Obama: a proibição de que planos de saúde neguem cobertura para condições médicas pré-existentes em novos segurados e a permissão a jovens adultos sejam cobertos pelas apólices dos pais.
Como os republicanos continuam com o controle das duas casas, será fácil reverter alguns aspectos da lei, como os subsídios que ajudam milhões a pagar planos de saúde. A substituição completa é mais difícil, já que os republicanos não chegam a 60 das 100 cadeiras no Senado, maioria necessária para impedir que os democratas tentem obstruir algumas votações.
Formação de gabinete
Outra das primeiras medidas que podem ser tomadas por Trump é a definição de um nome para a Suprema Corte, a mais alta instância da Justiça americana e responsável por decisões sobre grandes temas, como aborto, liberdade de imprensa, pena de morte ou porte de armas.
A vaga aberta com a morte do juiz Antonin Scalia, em fevereiro, ainda não foi preenchida porque congressistas republicanos se recusaram a avaliar o candidato apontado por Obama.
Além de escolher o substituto de Scalia, Trump poderá fazer novas indicações futuras, já que três juízes estão perto dos 80 anos de idade e da aposentadoria compulsória. Isso consolidaria uma maioria conservadora entre os nove integrantes do tribunal.
A equipe de transição de Trump, liderada pelo governador de Nova Jersey, Chris Christie, está trabalhando desde 1º de agosto.
Christie, um dos primeiros ex-adversários nas primárias a aderir à campanha de Trump, poderá integrar o novo gabinete.
Outros aliados que se mantiveram fiéis enquanto parte do Partido Republicano rejeitava Trump ou evitava manifestar apoio expressivo também devem ser recompensados com cargos no alto escalão.
Há rumores de que o ex-prefeito de Nova York Rudolph Giuliani seria o novo procurador-geral (o equivalente a ministro da Justiça). Newt Gingrich, que foi presidente da Câmara nos anos 1990, é mencionado como possível secretário de Estado.
Imigração
Ainda não está claro quantas das promessas Trump realmente levará adiante, uma incerteza agravada pelo fato de que, em muitos casos, ele mudou de ideia várias vezes durante a campanha e não detalhou como pretende implementar as mudanças.
Um dos principais temas da campanha foi imigração. Trump disse que, no primeiro dia de governo, começará a deportar "mais de 2 milhões de imigrantes ilegais criminosos" e cancelar vistos de países que se recusem a recebê-los de volta.
O então candidato chegou a prometer proibir a entrada de muçulmanos no país e deportar todos os 11 milhões de imigrantes atualmente sem documentos, mas depois afirmou que se concentraria apenas naqueles com condenação criminal.
Ele afirmou ainda que iria construir um muro na fronteira com o México (onde já existe uma barreira cobrindo cerca de um terço da extensão) e obrigar o governo mexicano a pagar pela obra. Mas muitos analistas - e mesmo eleitores - não acreditam que Trump cumprirá essas promessas.
O México já avisou que não vai pagar pelo muro, cuja construção, dizem críticos, seria mais simbólica do que eficaz para deter a imigração ilegal. Deportações em massa exigiriam altos gastos e desafios logísticos, além de ter impacto negativo sobre a economia, especialmente em setores como a agricultura, altamente dependente da mão de obra migratória.
Mas, mesmo que não leve adiante medidas mais drásticas, Trump deverá reverter muitas das iniciativas de Obama para proteger imigrantes.
"Trump poderia simplesmente cancelar programas lançados por Obama, como o Daca (que beneficia imigrantes que chegaram ao país ainda crianças) e o Dapa (para imigrantes cujos filhos são cidadãos americanos), porque eles não foram aprovados pelo Congresso", disse à BBC Brasil a especialista em imigração Silvia Pedraza, professora de sociologia e cultura americana da Universidade de Michigan.
"Ele também pode assinar uma ordem executiva dizendo que o país não vai mais receber refugiados do Oriente Médio", observa.
Clima e comércio
Outras promessas de Trump para seu primeiro dia como presidente são anunciar a retirada dos Estados Unidos da Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês), acordo comercial assinado em 2015 com outros 11 países e ainda não ratificado pelo Congresso, e renegociar o Nafta (acordo de live comérico entre EUA, México e Canadá).
Disse também que, em sua estreia, irá propor uma emenda constitucional para impor limites a mandatos de congressistas e congelar contratações de funcionários públicos federais.
Outras medidas iniciais serão levantar restrições à produção e exploração de petróleo e gás, além de "cancelar bilhões em pagamentos a programas da ONU sobre mudanças climáticas e usar o dinheiro para consertar a infraestrutura ambiental e de água dos EUA".
Mas o especialista Nathan Hultman, do centro de pesquisas Brookings Institution, lembrou, em artigo publicado na quarta-feira, que muitas das políticas climáticas adotadas por Obama foram medidas regulatórias, e não apenas decretos, o que torna mais difícil revertê-las.
Mesmo assim, a posição do republicano, que chegou a dizer que rejeitaria o Acordo de Paris sobre o clima, preocupa especialistas.
"A eleição de Donald Trump levanta questões sobre os EUA continuarem a serem líderes em mudanças climáticas e energia limpa", diz Hultman.