Como uma reunião de líderes descoberta por acidente revelou a dimensão da máfia nos EUA

Até 1957, público desconhecia rede nacional de crime organizado, uma das organizações mais poderosas, ricas e perigosas do mundo, mas um golpe de sorte de um policial a expôs.

8 jan 2018 - 13h36
(atualizado às 14h22)
Vito Genovese, o mafioso 'Don Vitone', não imaginava que poderia ser surpreendido em uma pequena cidade americana | Foto: Domínio Público
Vito Genovese, o mafioso 'Don Vitone', não imaginava que poderia ser surpreendido em uma pequena cidade americana | Foto: Domínio Público
Foto: BBC News Brasil

A máfia operava na clandestinidade nos Estados Unidos até 1957. Mas naquele ano o sargento Edgar Croswell, da polícia de Apalachin, um pequeno vilarejo rural do Estado de Nova York, expôs essa organização criminosa e colocou sob os holofotes seus líderes, os capos.

"Ele sabia que (os criminosos) estavam se apoderando dos negócios, que a máfia estava colocando sua gente em estabelecimentos legítimos para usá-los de acordo com seus propósitos", disse à BBC Robert Croswell, filho do sargento - e que é policial, assim como seu pai.

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"Ninguém havia pedido ao meu pai que investigasse isso. Ele simplesmente sabia que se tratavam de pessoas não corretas, que não ganhavam dinheiro por meios legítimos. Foi uma iniciativa independente dele, para entender o que estava acontecendo."

Em 14 de novembro, ele e seu delegado toparam com uma reunião secreta da máfia em uma casa de Apalachin, que pertencia a uma das pessoas vigiadas por Croswell.

O que eles interromperam não era uma reunião comum, mas nada menos do que o encontro entre cem capos e seus subordinados para ungir o novo capo de tutti capi, o "chefe de todos os chefes".

Uma rede nacional de crime organizado

A máfia havia chegado ao país com os imigrantes italianos no século 19, mas foi a proibição de venda de bebidas alcoólicas nos anos 1920 que lhe deu poder. Foi montado um exército de contrabandistas e alambiques ilegais, o que fez surgir uma rede nacional de crime organizado. Gângsteres como Al Capone, que atuava em Chicago, chegaram às manchetes.

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Mas nos anos 1950, J. Edgar Hoover, diretor do FBI, a polícia federal americana, insistia que se tratava de um problema local e não nacional, e proibia seus agentes de usar a palavra "máfia".

"Como qualquer outro delito, isso pode ser controlado por autoridades locais de ordem pública", declarou Hoover na época. As autoridades locais sabiam, no entanto, que se tratava de algo mais sério.

Edgar Croswell (dir.) decidiu investigar a máfia por conta própria | Foto: Arquivo pessoal
Foto: BBC News Brasil

O mafioso Joseph Barbara era conhecido em Apalachin como Joe, o barbeiro. "Pessoas como ele diziam ser apenas homens de negócios e faziam todo o possível para não ter problemas com a lei. Dirigiam carros de luxo, doavam dinheiro para organizações de caridade. Pareciam ser cidadãos ilustres", disse Croswell.

Mas é claro que não eram. Barbara aparentava ser um respeitável proprietário de uma engarrafadora de refrigerantes. Mas na verdade era o matador de aluguel da família Bufalino, que controlava esquemas de extorsão, jogos de azar e tráfico de drogas no Estado da Pensilvânia, vizinho a Nova York.

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'Pura sorte'

O vínculo de Barbara com os Bufalino foi a razão de sua mansão ter sido escolhida como a sede da reunião de 1957. Todos os grandes capos estavam presentes, incluindo os chefes de cinco famílias da cidade de Nova York, além de outras de Nova Orleans, Los Angeles e até mesmo da região da Sicília, na Itália.

"Descobriram a reunião por pura sorte. Meu pai e seu colega estavam investigando um cheque fraudulento que não tinha nada a ver com os assuntos da máfia. Estavam em um motel local quando o filho de Barbara chegou para reservar uma grande quantidade de quartos, mas não queria preencher os formulários de registro", contou Robert Croswell.

Joseph Barbara acabou morrendo em 1959, vítima de um ataque cardíaco
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Ele disse que os hóspedes se registrariam ao chegar. Supostamente, era um grupo de homens que trabalhavam na empresa de bebidas que seu pai engarrafava e que vinham visitá-lo porque ele estaria doente."

Edgar Croswell achou isso suspeito e decidiu ir no dia seguinte até a casa de Barbara. Encontrou carros de luxo estacionados do lado de fora, enquanto seus donos comiam um assado lá dentro. Pediu reforços, que montaram uma blitz na estrada.

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"Quando viram a polícia checando os carros, saíram correndo. Não conheciam a área, então foi fácil pegá-los", conta Robert.

Golpe para a máfia

Dois dos mafiosos, vestidos com terno e chapéu de feltro, saíram dos bosques aos tropeços e entraram em uma granja, para o assombro do seu dono, e perguntaram qual era o caminho para a Pensilvânia.

Outro perguntou a um morador local se podia usar seu telefone. "Foi muito educado", disse essa pessoa a jornalistas. "Inclusive, pagou a chamada."

Carros luxuosos surpreenderam Croswell | Foto: Domínio Público
Foto: BBC News Brasil

No primeiro automóvel parado por Croswell, estava o capo di tutti capi, o líder da máfia de Nova York, Vito Genovese. O policial deixou que ele seguisse para ser detido mais adiante, na blitz, onde os colegas não podiam vê-lo de longe.

Cerca de 70 homens foram detidos. Foram encontrados maços de dinheiro, mas nenhuma arma. Como na época não havia normas federais que permitissem prendê-los, a maioria acabou sendo liberada.

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Mas, segundo Robert Croswell, foi um golpe para a máfia ter sido pega naquele dia.

"Aquela zona rural ficou repleta de jornalistas por semanas, e o noticiário nacional falou diariamente de Apalachin. Dali em diante, ninguém mais podia negar a existência da máfia. Expô-la foi mais poderoso que prendê-la."

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