Quando perguntada sobre o que pensa dos democratas, a republicana Gail Stroud foi enfática: “Eu não falo com eles, não quero saber o que eles têm a dizer”. A resposta revela a densidade da polarização nos Estados Unidos na reta final de uma das eleições mais acirradas da história do país. O republicano Donald Trump e a democrata Kamala Harris disputam voto a voto, Estado por Estado, para conseguir alguma vantagem na corrida eleitoral, já que o cenário é preocupante para os dois lados: a pesquisa Reuters/Ipsos divulgada na terça-feira, 29, mostra Kamala com 44% e Trump com 43% --uma diferença de apenas um ponto percentual.
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No dia em que o levantamento foi divulgado, a reportagem do Terra desembarcou no Estado da Carolina do Norte, que é um dos Estados-pêndulos que os candidatos tanto almejam. Como ora votam democrata e ora votam republicano, o voto por lá é incerto, ou seja, quem se der melhor nesses lugares, tem uma excelente vantagem na corrida. Outra pesquisa eleitoral, da Exame/Ideia, mostra Trump e Kamala empatados, com 47% da intenção de voto dos americanos.
Essa bola dividida pode ser sentida pelo clima das ruas de cidades da Carolina do Norte. Em Rocky Mount, que recebeu um comício de Donald Trump na quarta-feira, 30, o Terra conversou com eleitores que se mostraram bem fechados sobre a ideia de tentar conversar ou entender um conterrâneo que tem um pensamento político diferente.
“Quando eu vejo democratas na televisão, ou alguma propaganda política, eu desligo o volume do meu aparelho. Não quero ouvir, eles só mentem, tudo o que dizem que vão fazer, não fazem (...) Eu sou muito certa do meu posicionamento, eles [democratas] nem tentam me convencer do contrário”, completa Gail Stroud, natural de Rocky Mount, que usou até botas com as cores da bandeira norte-americana para marcar presença no comício republicano.
“Trump precisa vencer porque não podemos aguentar mais quatro anos do que nós temos hoje”, acrescenta. Atualmente, os Estados Unidos tem como presidente um democrata, Joe Biden, que desistiu de concorrer às eleições contra Trump após ser pressionado, até internamente, por causa de sua idade avançada e habilidade para permanecer no cargo. A vice-presidente do país, Kamala Harris, assumiu então o seu lugar no pleito.
‘O bom versus o mal’
Ed Willie, um simpático ex-jornalista que hoje vende doces em uma cafeteria, observava uma fila de republicanos aguardando para entrar no local do comício de Trump, organizado em sua cidade Rocky Mount. Ele parecia estar preocupado e conversava em um tom de voz baixo com a reportagem. “Me parece uma batalha do bom versus o mal”, definiu ao ser questionado sobre as eleições em seu país. Rocky Mount é muito vermelho, sabe?”, seguiu, referindo-se à cor que simboliza o Partido Republicano. “Eu tenho receio [que Trump vença] não só por mim, mas pelo país, pelo nosso futuro”.
Willie é um homem alto e negro, e pareceu receoso ao comentar alguns discursos de Trump. “É um candidato que fala que as coisas precisam voltar como eram antes, e se você tem boa orelha, isso quer dizer voltar a um tempo no qual negros tinham menos direitos, latinos tinham menos direitos, pessoas LGBT+ tinha menos direitos”, diz. “Então, eu prefiro votar na pessoa que é mais inclusiva, filantrópica, patriótica, não-racista, e não-homofóbica”, completa, ao justificar o seu voto para Kamala.
Ao seguir falando sobre Trump, Ed Willie ainda fez uma provocação a respeito do candidato democrata: “Não tem uma pessoa, não importa o quanto republicana ela é, não tem uma pessoa que não entende quem Trump é de verdade e que fale assim: ‘Eu quero que meu filho cresça como ele, ou, eu quero que minha filha case com um cara assim’. [Republicanos] dizem que Trump vai ser ótimo para a economia, todas essas coisas, mas eles não querem jamais um filho se tornando um Trump ou uma filha se casando com um Trump. E isso diz muito sobre esse candidato, certo?”
‘Quero o que é melhor para o meu país’
A questão racial também foi um ponto muito abordado por uma moradora de Raleigh, capital da Carolina do Norte, que se identificou para a reportagem do Terra como AJ. A cidade recebeu, também na quarta-feira, 30, um comício de Kamala Harris, em uma prova do quanto o Estado é importante para as duas campanhas. AJ é republicana, mas diz que é mais apoiadora de Trump do que do partido. “Não sou idiota e não sou uma pessoa emocional, sabe? Muitas pessoas do outro lado são mais emocionais, ficam reclamando que Trump é racista e coisas assim. Caso você não tenha notado, eu sou negra, e a pior coisa que eu ouvi [dos democratas] foi em 2020, na campanha de Joe Biden. Disseram: ‘Se você não sabe em quem, votar, então você não é negro, porque sendo negro, a sua única opção é votar no [partido] Democrata. Oi? Então não importa se a política deles é boa para mim como um ser humano ou uma cidadã americana, como sou negra eu tenho que ser democrata? Sério mesmo? Bom, então não sou negra, porque eu não votei no Joe Biden”, ri.
AJ, que serviu a Marinha americana por 20 anos, elenca três preocupações que a fazem votar por Trump: segurança nacional, fronteiras reforçadas (“um país sem fronteiras não é um país”, explica) e combate à inflação. “Eu voto nele porque ele personifica as políticas que eu acredito, e eu não to nem aí se a Kamala é negra, é branca, é indiana, ou seja lá o que ela diz ser, eu quero o que é melhor para o meu país”, pontua.
Mesmo estando em lados opostos, a democrata Julie Nye tem esse mesmo desejo: um país melhor para ela, sua comunidade, para sua filha de três anos e para o bebê que está crescendo em sua barriga há quatro meses. “Por muitas razões estou aqui para torcer pela vitória da Kamala”, diz Julie ao Terra, enquanto aguardava o discurso da candidata democrata no comício em Raleigh.
Ao ser questionada sobre a rivalidade com os republicanos, Julie Nye respondeu rapidamente: “Eles são assustadores”. A americana, que trabalha como terapeuta, nem quer pensar em uma vitória de Trump no dia das eleições, que serão realizadas em 5 de novembro. “Também é algo assustador de se pensar. Teremos um futuro em que o direito da maioria das pessoas que vivem nesse país será significativamente reduzido ou até mesmo retirado completamente.”
Apesar do medo, ela se mostra esperançosa com a campanha democrata após Joe Biden ter desistido de concorrer e ter aberto o caminho para Kamala. “É uma coisa realmente assustadora, apenas os direitos da maioria das pessoas seriam significativamente reduzidos ou tirados completamente. “Eu sinto que as pessoas estão mais animadas com essa troca. Kamala é mais nova, tem mais energia e tem mais chances também de ganhar. Mas eu fico bem surpresa o quanto essa eleição está acirrada. Como terapeuta, até entendo por que as pessoas pensam da forma que pensam com base nas informações que elas têm acesso ou então com base na experiência que elas vivem, mas é difícil, tem muita ansiedade no ar”.