Julgamento de Boston abre debate ético e jurídico nos EUA

Quase 57% dos cidadãos de Boston são a favor de que Tsarnaev seja condenado à prisão sem direito a liberdade condicional, enquanto apenas 33% apoiam a pena de morte

5 jan 2015 - 09h56
(atualizado às 15h13)
<p>Tsarnaev é acusado de ser coautor, junto com o irmão  morto durante fuga , do atentado da Maratona de Boston no dia 15 de abril de 2013</p>
Tsarnaev é acusado de ser coautor, junto com o irmão morto durante fuga , do atentado da Maratona de Boston no dia 15 de abril de 2013
Foto: AP

Embora não haja dúvidas sobre a culpa do réu, juristas americanos questionam se há condições para um processo justo, que pode render pena capital ao jovem Dzhokhar Tsarnaev pelo ataque que matou três e feriu 260 em 2013.

Massachusetts é considerada um bastião liberal nos Estados Unidos. A última execução da pena de morte no estado foi em 1947, quando Phillip Bellino e Edward Gertson, condenados por assassinato, morreram na cadeira elétrica.

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Por diversas vezes, Massachusetts rejeitou tentativas dos defensores da pena capital de reintroduzirem a sentença no estado. Isso torna controversa a decisão do Departamento de Justiça dos EUA, em Washington, de processar por atentado terrorista Dzhokhar Tsarnaev em um processo federal, no qual ele pode ser condenado à pena de morte.

Tsarnaev é acusado de ser coautor, junto com o irmão – morto durante fuga –, do atentado da Maratona de Boston no dia 15 de abril de 2013. O ataque matou três pessoas e feriu 260.

Apenas alguns meses após o incidente, o principal jornal da região, o Boston Globe, se distanciou, em editorial, de uma possível execução do acusado. O periódico citou uma pesquisa, segundo a qual quase 57% dos cidadãos de Boston são a favor de que Tsarnaev seja condenado à prisão sem direito a liberdade condicional, enquanto apenas 33% apoiam a pena de morte.

Michael Avery, professor de direito da Universidade de Suffolk, em Boston, critica a decisão do governo em Washington de desafiar a opinião pública: "É desrespeitoso", afirma, em entrevista à DW.

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A ex-juíza Nancy Gertner, professora de direito na Universidade de Harvard, também considera que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos tem o dever, em tais decisões, de levar em consideração a opinião pública. Mas ela também ressalta as características específicas do caso.

"Esta é uma questão das autoridades nacionais de justiça. E os números em Boston não podem ser comparados com os valores em outras regiões. Nelas, as enquetes trariam resultados diferentes", opina.

O professor de direito Jeffrey Addicott não tem dúvida de que os promotores estejam considerando a pena de morte neste caso, e com razão, acredita. "Justiça significa dar aos infratores o que eles merecem", opina Addicott, diretor do Centro de Direito do Terrorismo na Universidade de St. Mary, em San Antonio, Texas. "Este réu merece a pena de morte. Foi um atentado terrível, um ataque contra civis. É um caso de grande repercussão, que requer uma resposta à altura."

Morte como recurso de dissuasão

Michael Avery também considera o ataque um crime revoltante. Mesmo assim, o jurista de Boston acredita que a ameaça da pena de morte está mais ligada a uma demonstração de dureza do que à realização de justiça.

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"O que se pretende é apresentar políticos e juízes como pessoas que nos protegem. Mas esta abordagem não oferece proteção alguma", ressalta o especialista. "Será que alguém realmente acredite que pode prevenir futuros ataques terroristas com a pena de morte? Claro que não!"

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O texano Jeffrey Addicott discorda: "O uso de violência amedronta radicais islâmicos. Por um lado, eles querem morrer pela jihad, por outro lado, entendem a linguagem da violência e a respeitam." Na avaliação de Addicott, os islamistas não respeitam quem é inconstante, apaziguador ou está disposto a negociar.

Especialistas acreditam que o julgamento de Dzhokhar Tsarnaev poderá ser demorado. Jeffrey Addicott vê algo de bom nisso. Ele acredita que, ao lidar detalhadamente com o tema islamismo, o processo também poderá ter um efeito positivo, especialmente porque o perigo do radicalismo vem sendo, segundo ele, subestimado pelo governo Obama. "O processo será uma boa lição, para que o povo veja quem são esses monstros e o que os motiva", diz.

A favor de um acordo

A professora de Harvard Nancy Gertner, no entanto, preferiria encurtar o processo. Para ela, acusação e defesa poderiam chegar a um acordo. Tsarnaev se declararia culpado e receberia uma sentença de prisão perpétua sem liberdade condicional. Tal acordo, segundo a ex-juíza não teria o mesmo resultado, mas também evitaria todo o processo.

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"Seria uma audiência na qual a promotoria poderia expor todas as evidências irrefutáveis. Então, haveria uma audiência criminal perante o juiz, na qual as testemunhas também deporiam. E quando ela terminasse, e a sentença de prisão perpétua sem liberdade condicional fosse anunciada, o processo terminaria."

O professor de direito Michael Avery também é a favor de um acordo. "Podemos ter certeza de que, caso a pena de morte seja desconsiderada, o acusado iria se declarar culpado", avalia. "As evidências são incontestáveis, e Tsarnaev não teria nada mais a ganhar no julgamento, caso a pena de morte não o ameaçasse mais. Caso o governo continue a pedir a morte do acusado, Tsarnaev terá que passar por todo o longo processo."

Caso acusação e defesa não cheguem a um acordo no último minuto, o processo começa nesta segunda-feira, com a escolha dos jurados. Mas esta etapa também levanta questões jurídicas difíceis. Como se seria mesmo possível se formar um júri realmente imparcial, depois da vasta cobertura da mídia sobre o atentado.

O especialista Jeffrey Addicott acredita que deve haver "um processo cuidadoso de seleção". Mas permanecem dúvidas sobre se isso é possível. Não é de se admirar, portanto, que a defesa deseje transferir o processo para outra região. Um exemplo pode ser o processo contra o autor do atentado de Oklahoma, que foi realizado em Denver.

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