O governo americano está sob pressão política para rever suas posições em relação às drogas no momento em que o debate sobre a legalização decola no continente. Ao menos dois Estados americanos e países como o Uruguai estão testando o controle sobre a comercialização e uso de certos tipos de entorpecentes.
A secretária-assistente do Departamento de Estado para o hemisfério, Roberta Jacobson, disse nesta quarta-feira que ainda é "muito cedo" para avaliar se essas iniciativas estão logrando impactar a atividade dos cartéis de drogas sem "levantar preocupações significativas" em termos de saúde pública. Apesar disso, ela ressaltou que o governo americano considera "saudável" o debate sobre a legalização e disse que as críticas à posição do país são "frustrantes".
"Uma das coisas que precisamos reconhecer - seja no caso do Uruguai, do Colorado, de Washington, de Portugal ou da Holanda", disse Jacobson, referindo-se à geografia das experiências legislativas, "é que cada uma destas iniciativas é diferente". "Ainda é muito cedo para avaliar a implicação destas iniciativas, se elas funcionam, ou se precisam ser ajustadas ou encerradas", prosseguiu.
"Provavelmente ainda vamos precisar de algum tempo até os especialistas - da ONU ou de outras organizações - analisarem estes experimentos para se eles podem reduzir a receita do narcotráfico sem levantar preocupações significativas de saúde pública, que é a preocupação subjacente do governo americano", disse. "Esta é a razão por que o presidente (Barack Obama) tem dito claramente que não acredita que esta seja a melhor maneira de resolver este problema. Portanto, a legislação federal não vai mudar nos Estados Unidos."
'Guerra às drogas'
O governo americano está sob pressão política para rever suas posições no momento em que o debate sobre a legalização decola no continente. A iniciativa mais ousada é a liberalização da venda de maconha com fins recreativos no Uruguai.
Abraçando uma estratégia diferente, os EUA são criticados por apostar em uma "guerra contra as drogas" - termo criado ainda no governo Ronald Reagan - que consumiu bilhões de dólares e deixou dezenas de milhares de mortos em países como Colômbia e México.
Roberta Jacobson indicou que o governo Obama não está, entretanto, nem de um lado nem de outro.
O governo já afirmou que não vai fazer cumprir as proibições federais nem no Colorado (onde a venda de maconha recreativa é um sucesso desde o início do ano), nem em Washington (onde a venda começará em junho).
Mesmo tipo de entendimento seria esperado se a liberalização avançar onde se espera nos próximos meses: no Alasca, Arizona e Oregon, e talvez na Califórnia nos próximos anos.
Em termos de política antinarcóticos para o hemisfério, Jacobson disse que o governo Obama fez "mudanças em resposta direta às críticas anteriores". "Este governo, assim que tomou posse, direcionou fundos para a prevenção e o tratamento em algumas áreas de produção, o que se enquadra muito mais em uma abordagem de saúde pública que de repressão", argumentou.
"Ainda vamos atrás dos traficantes, mas como se diz no governo, não podemos resolver o problema simplesmente prendendo todo mundo." "Muita gente diz que existem grandes divergências dentro do hemisfério com os Estados Unidos em relação a este tema, mas este é um debate honesto que também está ocorrendo por aqui", afirmou.
Linha 'borrada'
O debate sobre a legalização diz respeito primordialmente ao consumo de maconha. Roberta Jacobson também se referiu à cooperação hemisférico no tocante ao tráfico de cocaína no continente.
A secretária-assistente indicou que o enriquecimento da população nos países da região levou a um aumento "dramático" no consumo de drogas, o que enfraqueceu a diferença entre países produtores e países consumidores. "Hoje em dia, é muito difícil falar em países fornecedores e países consumidores. Estas linhas foram borradas", afirmou Jacobson.
"O consumo e o trânsito são hoje um problema em quase todos os países do hemisfério. As drogas já não viajam somente para o norte, para os EUA,mas para o sul, através do Cone Sul, e para o leste, para a África e depois o sul da Europa", disse.
No mês passado, o Conselho da ONU para os narcóticos apontou para esse problema, destacando especialmente o papel do Brasil como mercado "fundamental" para a cocaína.
O consumo desta droga no país mais que dobrou em menos de 10 anos, chegando a 1,75% da população entre 12 e 65 anos em 2011, segundo a ONU. A média mundial era 0,4%. A média na América do Norte era de 1,5%.
Em 2005, a média brasileira era de 0,7%. "De certa forma, todos nos tornamos vítimas deste problema de uma maneira que não éramos há 25 anos", disse Jacobson. "Precisamos trabalhar juntos nessa questão."