Em cada dez franceses, oito consideram François Hollande o homem errado para presidir a França e tirar a segunda maior economia da zona do euro da paralisia. Empossado em 15 de maio de 2012, há exatos dois anos, Hollande prometeu ser um “presidente normal”, mas até agora é o presidente mais impopular da história recente do país, com uma rejeição que chega a 82%, segundo pesquisas publicadas na última semana.
No plano econômico, o país está em ponto-morto. Em 2012, o PIB (Produto Interno Bruto) teve crescimento zero e no ano passado avançou apenas 0,3% - um desempenho frustrante para quem se elegeu prometendo a “retomada do crescimento” em uma Europa sob políticas de austeridade. O desemprego, cujo combate foi uma de suas principais promessas de campanha, alcançou 10,4% da força de trabalho – o nível mais alto em quinze anos.
Hollande ganhou a eleição com o slogan de “presidente normal”- uma alfinetada ao ex-presidente e principal oponente Nicolas Sarkozy, cuja vida pessoal era um prato cheio para tabloides e revistas de fofoca. Demorou pouco para que a vida pessoal do socialista virasse um folhetim.
Em janeiro deste ano, a fofoqueira “Closer” estampou oito páginas com as aventuras extraconjugais de Hollande, que deixava o Palácio do Eliseu, na garupa de uma scooter, para se encontrar com a suposta amante, a atriz Julie Gayet, 41, em um apartamento.
A oposição de centro-direita se deliciou com o episódio, afirmando que sair do palácio fantasiado de entregador de pizza não era exatamente condizente com a dignidade do cargo.
Valérie Trierweiler, companheira de Hollande, anunciou a separação.
Confira supostos casos extraconjugais de presidentes
Diferentemente dos Estados Unidos, onde a vida pessoal do governante tem bastante peso no humor do eleitorado, na França o combustível da impopularidade presidencial é o desemprego e a percepção geral de que ele não é capaz de vencê-lo, segundo especialistas,
“Ele não parou de cair nas pesquisas desde que assumiu. É uma impopularidade extraordinária. Os franceses acham que ele não é realmente o presidente, que ele não se dá conta de sua posição, que não leva [o cargo] a sério”, vaticina Jérôme Sainte-Marie, presidente do instituto de pesquisas Polling Vox.
Dilema econômico
No início do ano, Hollande anunciou um pacote de medidas que visa cortar 50 bilhões de euros (R$ 165 bi) de despesas do Estado e reduzir a carga tributária das empresas.
O objetivo do plano é melhorar a situação geral das contas públicas e fazer as empresas ganharem competitividade para voltar a contratar, mas responsabilidade fiscal não comove
uma sociedade como a francesa, bastante dependente do modelo de Estado de bem-estar social construído no Pós-Guerra.
Especialistas dizem que, para uma sociedade acostumada a benesses estatais e com certa ojeriza pelo empresariado, tamanho corte nas despesas públicas seria arriscado até para a popularidade de políticos de direita. O Estado francês gasta mais do que arrecada desde a década de 1970. Em 2013, o déficit foi de 4,3%, muito acima dos 3% exigidos pelo bloco europeu.
“Para um eleitorado de esquerda, esse tipo de medida é muito difícil de aceitar. E o recado enviado pelos eleitores de François Hollande nas últimas eleições municipais mostra esse descontentamento. Ele é, ao mesmo tempo, vítima e culpado”, diz o economista Philippe Crevel.
No pleito, o Partido Socialista foi o grande derrotado, ficando atrás da União para um Movimento Popular, a legenda de direita tradicional de Sarkozy, e da Frente Nacional, a extrema-direita populista que prega o fim de imigração e a redução do poder da União Europeia.
O desastre eleitoral fez o presidente demitir um dos seus homens de confiança, o discreto Jean-Marc Ayrault, do cargo de primeiro-ministro. Para o seu lugar, Hollande teve de nomear Manuel Valls, um de seus adversários internos no PS. O pragmático Valls, que prega linha-dura com imigração e já chegou a sugeriu mudar o nome do Partido Socialista no passado, é hoje campeão de popularidade entre os políticos franceses.
Hollande contabilizou uma vitória importante, mas amarga no plano doméstico: o presidente conseguiu a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, uma de suas promessas de campanha, sob uma onda de protestos que não se via na França desde 2006. Mobilizadas pela Igreja e por partidos de direita, milhares de pessoas desfilaram semanalmente em todo o país pedindo a retirada do projeto, mas o governo não recuou.
No plano internacional, Hollande envolveu a França numa intervenção militar no Mali para deter o avanço de radicais islâmicos na ex-colônia francesa na África ocidental. Tropas francesas tentam estabilizar outra antiga possessão africana, a República Centro-Africana, dilacerada por um conflito entre o governo local e facções armadas.
Relações com o Brasil
Em relação ao Brasil, a lua-de-mel vivida pelos ex-presidentes Lula e Sarkozy evoluiu para um insosso casamento sob Dilma Roussef e François Hollande. Lula e Sarkozy firmaram uma parceria estratégica em que a França, em troca de vultosos contratos de defesa, apoiou abertamente a antiga pretensão brasileira de ascender como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Os dois países têm parcerias na fabricação de submarinos e helicópteros franceses, mas Dilma optou pelos caças suecos Gripen, e não pelo francês Rafale, para reequipar a Aeronáutica.
“Um bom exemplo desse esfriamento é a reação diferente da França e do Brasil em relação às escutas da NSA. A Dilma pediu apoio e a França não apoiou. Antes, o clima era diferente”, afirma Stéphane Monclair, cientista político da Sorbonne e um dos maiores brasilianistas da França.