Perante a expectativa de que o líder separatista Carles Puigdemont faça um discurso nesta terça-feira declarando a independência da região da Catalunha, e apesar de o governo espanhol afirmar que esta declaração não terá efeito, essa possível nova realidade traz à tona algumas perguntas importantes.
Como seria o futuro da Catalunha sozinha? A região estaria pronta para ser um país?
O anúncio de Puigdemont vem após o controverso referendo de 1º de outubro, no qual 2 milhões de pessoas (43% do eleitorado) votaram a favor da mudança, de acordo com cálculo do próprio movimento - 90% dos votantes. A região tem 7,3 milhões de habitantes.
O referendo, que questionava a população catalã quanto a se separar ou não do restante da Espanha, foi duramente criticado pelo governo central espanhol e reprimido pela polícia do país. Episódios de violência policial deixaram quase 900 feridos e despertaram mais protestos nessa região do nordeste espanhol. Durante a votação, também 33 policiais ficaram feridos, segundo a imprensa local.
Para um observador casual na Catalunha, a área já pode parecer um país: tem um Parlamento, uma bandeira e um líder, Carles Puigdemont, e sua própria polícia, a Mossos d'Esquadra. Também oferece serviços públicos, como saúde e escolas, além de ter "missões" no estrangeiro - pequenas representações diplomáticas para promover seus produtos e buscar investimentos ao redor do mundo.
Para se tornar um país, porém, a área precisa de mais: controle de fronteiras, alfândega, impostos, relações internacionais, Exército, um banco central, receita federal, controle de tráfego aéreo. Hoje, tudo isso é administrado pelo governo da Espanha.
É possível bancar toda essa estrutura se a Catalunha se tornar independente de fato?
Razões para ficar otimista
"Madrid está no roubando" é uma um slogan popular na Catalunha. A região é rica comparada com o resto da Espanha. Ela tem 16% da população do país, mas representa 19% do Produto Interno Bruto (PIB) espanhol e mais de um quarto das exportações.
Essa importância econômica também se reverte no turismo. No ano passado, 18 dos 75 milhões de pessoas que visitam a Espanha anualmente escolheram a Catalunha como principal destino - a região é a principal ponto turístico da Espanha.
A cidade de Terragona é um dos maiores polos de tecnologia química da Europa. Barcelona tem um dos maiores portos da União Europeia. Cerca de um terço dos trabalhadores catalães têm formação superior.
Também é verdade que os catalães pagam mais impostos do que recebem em troca, por meio de gastos públicos do Estado. Em 2014, últimos dados disponíveis, os moradores pagaram cerca de € 10 bilhões (R$ 37 bilhões) a mais de impostos do que os gastos estatais na região naquele ano.
Como a independência pode reverter essa situação?
Há quem argumente que, mesmo que a Catalunha obtenha ganhos fiscais com a independência, estes seriam engolidos pelos custos da criação de novas instituições públicas.
Acesso a crédito
Talvez a principal preocupação seja a dívida pública, estimada em € 77 bilhões (R$ 284 bilhões) - ou 35% do PIB local. A maior parte da dívida é com o próprio governo espanhol.
Em 2012, o governo central criou um fundo especial para emprestar dinheiro para as regiões do país que não conseguiam empréstimos no exterior depois da crise financeira. A Catalunha foi a maior beneficiária, pegando € 67 bilhões (R$ 195 bilhões) desde o início do programa.
A Catalunha não só perderia o acesso a esse crédito, como teria de negociar o pagamento - ou não - da dívida com a Espanha. Outra pergunta é se Madri espera que Barcelona também arque com parte da dívida espanhola.
Dúvidas na economia
A incerteza econômica com a perspectiva da mudança já levou dois bancos a decidir transferir suas sedes para outras regiões.
Também há dúvidas sobre a futura relação entre a Catalunha e a Europa. Dois terços das exportações da região vão para a União Europeia. Para entrar no bloco, a Catalunha teria de passar por um novo processo de candidatura à entrada no bloco, pois isso não aconteceria automaticamente. A maioria dos países do bloco, inclusive a Espanha, teria de aceitar o novo membro.
Líderes do movimento pró-independência argumentaram que a Catalunha poderia participar do mercado único sem se tornar membro efetivo da União Europeia. Os catalães poderiam aceitar pagar por esse acesso - como faz a Noruega, por exemplo - e continuar a aceitar a livre circulação de cidadãos europeus por seu território.
E se a Espanha quiser, pode dificultar bastante a vida de uma Catalunha independente.
Há também a questão da moeda. Em 2015, o Banco da Espanha afirmou que a independência poderia causar um desligamento automático da região da zona do euro, perdendo acesso ao Banco Central Europeu.
Normalmente, para usar o euro como moeda, o país precisa ser aceito na União Europeia. Para que isso ocorra, porém, o país precisa cumprir com uma série de critérios, como não ter um porcentual alto do PIB comprometido com dívidas.
E ainda assim, a maioria dos países do bloco teria de aceitar o seu ingresso.
Até hoje, ninguém da zona do euro pediu independência e tentou entrar novamente no bloco como um país.
A Catalunha poderia usar o euro sem entrar na União Europeia? Isso já aconteceu. Países como San Marino e o Vaticano conseguiram fazer isso, uma vez que são pequenos demais para se tornar um membro do bloco.
Kosovo e Montenegro também usam o euro dessa forma - mas eles não têm acesso ao Banco Central Europeu.