Ataque em Paris: "Não conseguiram calar a imprensa", diz FIJ

Para a secretária-geral da Federal Internacional dos Jornalistas, "todo fanatismo deve ser criticado"; em 2014, ao menos 135 profissionais foram mortos

9 jan 2015 - 12h25
(atualizado às 13h42)
<p>Beth revelou que os relatórios da FIJ tem registrado um aumento no número de jornalistas assassinados no mundo</p>
Beth revelou que os relatórios da FIJ tem registrado um aumento no número de jornalistas assassinados no mundo
Foto: Viviane Vaz / Especial para Terra

A Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) realizou em Bruxelas e em Paris uma homenagem às 12 pessoas assassinadas no ataque ao semanário francês Charlie Hebdo. A secretária-geral, a jornalista brasileira Beth Costa, representou a entidade no pronunciamento durante o evento realizado ontem em Bruxelas com a presença de 200 jornalistas.

Em entrevista ao Terra, Beth revelou que os relatórios da FIJ tem registrado um aumento no número de jornalistas assassinados no mundo e que o ataque em Paris "representa não só um ataque à liberdade de expressão, mas à democracia como um todo".

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A jornalista brasileira conheceu o editor-chefe Stéphane Charbonnier (Charb) do semanário em Paris e conta que já chorou muito sua morte. O consolo é saber que os terroristas não conseguiram calar a liberdade de expressão e de imprensa. "Quem não conhecia as charges da Charlie Hebdo, ficou conhecendo", declara Beth.

Terra: A FIJ tem observado aumento no número de casos de assassinatos de jornalistas?

Beth Costa: Em 2014 registramos 118 jornalistas mortos durante o exercício da profissão. Foram 13 mortos a mais do que em 2013. Tem gente que diz "mas só 13?". Eu digo sempre: "um já é muito!”. A maioria morreu nos conflitos na Síria e no Paquistão. São conflitos armados que acabam vitimando a população civil e os jornalistas estão entre eles. Em outros episódios, os jornalistas são mesmo o alvo e há um rito comum: a maioria deles recebem ameaças anteriores. São profissionais que estão fazendo denúncias ou investigações contra contrabandistas, governos e empresários. E 2015 começou mal para os jornalistas, com quase um jornalista morto por dia e agora este ataque em Paris, temos 10 colegas mortos.

Em 2014 registramos 118 jornalistas mortos durante o exercício da profissão. Foram 13 mortos a mais do que em 2013
Foto: FIJ / Divulgação
Terra: Como a FIJ atua nestes casos?

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Beth Costa: A proteção do jornalista que recebe ameaças é muito difícil e a impunidade é um combustível para que esta situação continue. 99,9% dos casos não são investigados e os criminosos ou mandantes não são punidos. Os crimes ficam sem investigação. Fazemos campanhas e cobramos diariamente dos governos e das Nações Unidas. Mas é uma campanha que nunca termina. Não que sejamos especiais, pois queremos que as investigações ocorram para qualquer pessoa assassinada. O componente a mais é que trabalhamos para a sociedade. Quando em vez de contestarem a mensagem, matam o mensageiro, estão matando uma fonte de informação importante para a sociedade. O acesso à informação, que é um direito humano, acaba tendo uma imbricação na nossa profissão.

Terra: Por que tantos jornalistas são ameaçados hoje?

Beth Costa: Sempre fomos, não só nós, mas também outros profissionais, como juízes… Toda profissão que entre no âmago da luta contra a corrupção, do tráfico, de crimes institucionalizados --por grupos econômicos ou governos, sempre foram alvo de violência. Enquanto a democracia não for exercida plenamente, este risco nós vamos correr.

Terra: Alguns jornais na Europa optaram por não divulgar certas imagens chocantes do ataque em Paris que circulam pela internet, avisando ao leitor que a intenção era não colaborar com os terroristas na difusão do medo. Como a FIJ avalia esta questão?

Beth Costa: É uma discussão diária. Para o nosso exercício profissional precisamos de tempo e calma para analisar todos os ângulos. A verdade é que os jornalistas hoje estão submetidos a condições de trabalho que não são apropriadas para manter o nível de qualidade que a sociedade merece. Isto inclui salário, pressão pelo sensacionalismo, pressão pela quantidade e não qualidade do que se produz… A questão é complexa. As redes sociais têm muita influência e mostram estas imagens, então fica difícil para um jornal não divulgar. Mesmo que um meio de comunicação editorialmente decida não fazê-lo, ainda se pode ter acesso pela internet.

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O secretário-adjunto da FIJ, Anthony Bellanger (com crachá vermelho), coordenou a manifestação de jornalistas em Bruxelas
Foto: FIJ / Divulgação
Terra: Por outro lado, jornais britânicos foram criticados por censurarem as charges da Charlie Hebdo nas partes referentes a Maomé e ao Islã, cedendo ao medo que os terroristas pretendem causar. Como fica a questão da autocensura nas empresas jornalísticas?

Beth Costa:

É uma questão controvertida. Não vamos tirar a liberdade de um meio de comunicação decidir o que quer fazer. O que podemos fazer é não cooperar com o obscurantismo, com a autocensura ou com a falta da liberdade de expressão. O lema da FIJ é que “não pode haver liberdade de imprensa onde há corrupção, pobreza e medo”. Nós temos que lutar para que estes três componentes --de corrupção; pobreza, que trata de justiça social; e de medo, que trata da autocensura; não existam, para que os jornalistas possam fazer seu trabalho. Difícil? Quase que impossível. Mas estamos aqui para reafirmar os princípios éticos e do exercício do dia-a-dia, entendendo que há muitas divergências.

Terra: Quais divergências?

Beth Costa: Muitas diferenças que são inclusive culturais e temos que respeitar. Por exemplo, o comportamento de um jornalista na África diante de certa questão pode parecer inconcebível para nós no Brasil ou na Europa. Mas temos que analisar o componente político, social e cultural e como garantir a qualidade no jornalismo respeitando todas essas diferenças em um exercício diário de diálogo. No México, por exemplo, muitos jornalistas estão sendo mortos não pelo que publicam, mas pelo que se recusam a publicar.

Terra: Você considera que os terroristas conseguiram o objetivo de calar a imprensa livre?

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Beth Costa:

A verdade é: se as pessoas não conheciam a Charlie Hebdo e as charges, agora quantos bilhões agora tiveram acesso a elas? Será que hoje, nesta nova era da informação, teve realmente o impacto esperado? Falando do ponto de vista de quem os atacou, se era para impedir a divulgação da crítica e da sátira, o efeito foi o contrário. A tragédia é que perdemos 12 pessoas, cartunistas geniais que não vão existir mais. Eu conheci o Charb numa palestra e ele era uma pessoa fascinante. Inteligente, brilhante… Já chorei tanto assistindo ao noticiário… Mas do ponto de vista do que (os terroristas) queriam conseguir, acho que aconteceu exatamente o contrário.

Homenagens aos mortos em atentado nesta quarta-feira
Foto: FIJ / Divulgação
Terra: Houve quem considerasse as charges da revista francesa ofensivas a um culto religioso. Existe limites para a liberdade de expressão?

Beth Costa: Lembra quando o pastor de uma Igreja Protestante quebrou a imagem da Nossa Senhora de Aparecida, padroeira do Brasil? Vai se fazer o quê? Matar o cara por isso? Não, mas podemos criticá-lo. O respeito e a tolerância à diversidade têm que existir. Qualquer fundamentalismo e fanatismo deve ser criticado.

Terra: O que representa o ataque em Paris à Charlie Hebdo ?

Beth Costa:

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É um demarcador de águas, como foi o 11 de setembro nos EUA, numa outra proporção. O ataque em Paris não foi só um ataque à liberdade de expressão, mas ao conceito de democracia como um todo. Em um tipo de violência como esta, no centro de Paris --a cidade-luz, inspiradora dos princípios humanistas, que teve como alvo jornalistas que lidavam com a questão da intolerância religiosa, tem que haver uma reação da sociedade civil e também da França, como exemplo de Estado que representa estes valores de liberdade. Este ataque foi no âmago dos direitos de ser livre com responsabilidade --porque como o Chab falou em certa ocasião, eles eram sujeitos às leis do Estado francês.

Terra: Você teme que os Estados democráticos se tornem repressores?

Beth Costa: Tenho medo que venha uma onda de intolerância contra uma comunidade inteira que estes terroristas não representam. A maioria dos muçulmanos não está de acordo com este tipo de ação… Mas eles também têm que vir a público para reforçar a posição deles. E as instituições devem tentar utilizar todos os poderes de uma sociedade democrática, a inteligência, o diálogo, para atuar de maneira coletiva contra este tipo de cerceamento da liberdade. O perigo é você envolver pessoas de bem no mesmo saco, no mesmo balaio de gato.

Jornalistas e profissionais de mídia mortos em 2014:

Alvejados, ataques com bombas e fogo cruzado: 118

Mortes por acidentes e por catástrofes naturais: 17

Número total de mortes: 135

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Países que lideram a lista com os maiores números de assassinatos de mídia: 

Paquistão: 14

Síria: 12

Afeganistão: 9

Palestina: 9

Iraque: 8

Ucrânia: 8

Honduras: 6

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México: 5

Jornalistas mortos em exercício da função no Brasil em 2014 (todos em fevereiro):

Santiago Ilídio Andrade

Pedro Palma

Geolino Lopes Xavier

Jornalistas reagem a ataque à revista
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Fonte: Especial para Terra
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