Cidade aparenta ter voltado à normalidade. Mas, um mês após atentado ao "Charlie Hebdo", soldados armados e discurso de receio nas ruas da capital francesa lembram que o país está em guerra contra o terrorismo.
As flores murcharam e pichações de grafite já encobrem muitos slogans "Je suis Charlie" que se espalharam pela capital francesa. Turistas contemplam a Catedral de Notre Dame e crianças gritam ao contornar a pista de patinação em frente à prefeitura da cidade. Um mês após a série de ataques em Paris, um senso de normalidade voltou à capital francesa.
No entanto, soldados com rifles de assalto patrulhando as ruas são um lembrete chocante de que a França está em guerra contra os extremistas, assim como relatos periódicos de novas prisões de suspeitos, cujos perfis não são muito diferentes dos agressores que mataram 17 pessoas durante uma série de atentados que teve início no dia 7 de janeiro, na redação da revista satírica Charlie Hebdo, e terminou dois dias depois num supermercado kosher. E, de acordo com último o relato, três soldados foram atacados esta semana enquanto patrulhavam, do lado de fora, um centro judaico da cidade de Nice, no sul do país.
"Para nós, foi uma grande surpresa o fato de termos sido atacados. Ao menos para mim isso foi uma grande surpresa, embora eu soubesse que estávamos sob ameaça", disse uma estudante universitária que preferiu ficar no anonimato. "Sinto-me tranquila vendo os militares. Mas acho que isso não é suficiente."
"Um pouco assustado"
Em torno da Catedral de Notre Dame, turistas enfrentam um frio cortante enquanto esperam na fila para entrar na igreja. Apesar dos ataques, muitos dos operadores turísticos dizem não ter percebido nenhuma queda na demanda. Perguntadas se a segurança reforçada as faz sentir mais protegidas, no entanto, Janna e Alicia Casale, mãe e filha provenientes da Itália, balançaram positivamente a cabeça. "Estamos um pouco assustadas", afirmou Alicia. "Mas Paris é linda demais para ficar longe."
Na Praça da República, no centro da capital francesa, onde milhares de pessoas se reuniram em manifestações pacíficas após os ataques, Madeleine Favre juntou-se a um punhado de transeuntes curiosos que olhavam as flores, murchas em sua maioria, e as mensagens de apoio às vítimas.
"É claro que isso pode acontecer em qualquer lugar", disse Favre, parisiense nativa que veio de visita do Canadá, onde mora. Aludindo aos ataques de outubro em Ottawa, ela acrescentou: "Trata-se somente de terrorismo, não tem nada a ver com o Islã. Mas é como vivemos agora."
Mas Josefa Suarez, que chegou com uma rosa na mão, discorda. "Estamos sendo roubados, estamos sendo atacados. Essas pessoas não têm educação, elas deixam as crianças soltas por aí", alegou Suarez, uma espanhola que vive há 50 anos para Paris, referindo-se aos imigrantes muçulmanos da França. "O governo precisa reduzir a taxa de natalidade, dar-lhes alguma educação."
Anos de violência
Esta não é a primeira vez que os franceses se sentem ameaçados. Durante a guerra civil na Argélia, na década de 1990, os rebeldes do Grupo Islâmico Armado praticaram uma série de atentados na França, incluindo a explosão de uma bomba num metrô de Paris, antiga sede do governo colonial, matando oito pessoas e ferindo 100.
Dez anos mais tarde, em 2005, a França era mais uma vez abalada por motins que se espalharam por subúrbios desfavorecidos – áreas pobres, hostis e cheias de imigrantes, combinação que as autoridades acreditam ser um terreno fértil para o extremismo.
Assim como fez em 2005, o governo anunciou agora uma série de medidas para combater a insegurança – do envio de mais de 10 mil soldados para patrulhar locais sensíveis a novas iniciativas com vista ao ensino do laicismo e dos valores republicanos nas escolas.
"Concordo que precisamos enfatizar a educação e a escola, transmitir valores de tolerância e respeito pelos outros", afirmou Sylvie, professora de uma escola secundária num subúrbio de Paris. "Mas", acrescentou a educadora, em alusão ao material extremista circulando na internet, "também precisamos ter cuidado em ensinar as crianças a lidar de forma mais crítica com toda a informação que estão recebendo."
"França sem judeus não é a França"
Apesar das declarações governamentais, para pessoas de origem judaica, como Hervé Atlan, os tiroteios do mês passado apenas confirmam o sentimento de que a França não é mais um lugar seguro para viver. No ano passado, um número recorde de 7 mil judeus franceses emigraram para Israel por diferentes razões, embora alguns tenham mencionado o antissemitismo.
"O governo faz grandes declarações – que a França sem judeus não é a França – mas não se vê nenhuma ação", reclamou Atlan, que reside próximo ao supermercado onde Amedy Coulibaly matou quatro pessoas no mês passado. "Todos falam em ir embora, mas estamos ligados a este país."
No entanto, para o anestesista Alain Soucot, que olhava as vitrines esta semana ao longo das ruas estreitas do bairro histórico judeu, os tiroteios do mês passado marcaram um ponto de inflexão. "Honestamente, estou pensando em fazer o meu Aliyah", afirmou Soucot, usando uma palavra hebraica que alude à migração de judeus da diáspora para Israel. "Por diferentes motivos. Meu filho se mudou para Israel em setembro. Mas os recentes acontecimentos são um aviso de que precisamos estar preparados para ir."
Os judeus, no entanto, não são os únicos preocupados. O motorista de caminhão Abdel Fatah, que ostenta uma barba de muçulmano devoto, disse também se sentir ameaçado. "A islamofobia é um problema", afirmou. "Basta ver a forma como eles olham para nós."
"Paris é Charlie"
Próximo ao rio Sena, faixas enormes proclamando "Paris é Charlie" e "Charlie Hebdo, cidadão honorário de Paris" ainda flanqueiam o prédio da prefeitura numa declaração ao semanário irreverente e, por vezes, cruel, cujos nove funcionários foram mortos a tiros no dia 7 de janeiro pelos irmãos Cherif e Said Kouachi.
Uma semana depois, a revista foi publicada com uma desafiadora "edição dos sobreviventes", estampando uma caricatura do profeta Maomé na capa. O semanário vendeu milhões de cópias. A base de assinantes de Charlie Hebdo também saltou para 200 mil. Antes dos ataques, essa cifra pouco passava dos 10 mil.
De acordo com a administração da revista, a próxima edição, que deverá ser lançada em 25 de fevereiro, "provavelmente não deverá" conter mais caricaturas do profeta muçulmano.
"É importante que Charlie Hebdo saiba que precisa continuar com sua missão: transmitir informações, fazer rir, dessacralizar e desmitificar", afirmou Alain Veaux, que comprou um exemplar "dos sobreviventes". "Eu nem sempre concordei com o jornal, mas acho que hoje ele precisa do apoio de todos nós."