Crianças não entendem conceito de terrorismo

Contudo, adultos não devem evitar assuntos como os atentados em Paris e devem explicar sua relação com a violência

15 jan 2015 - 08h32
(atualizado às 08h40)
<p>Polícia francesa bloqueia avenida após alerta de segurança em Paris</p>
Polícia francesa bloqueia avenida após alerta de segurança em Paris
Foto: Philippe Wojazer / Reuters

Ao retornar à sala de aula depois dos atentados em Paris na semana passada, Antoine Thiboult não teve como fugir do assunto diante das perguntas dos alunos de sete e oito anos em uma escola na capital francesa.

“É um assunto difícil de ser tratado, porque não podemos entrar nos detalhes com as crianças. Nós fomos até o fato de que eles foram mortos”, disse ao Terra, por e-mail. Thiboult avalia que seus alunos são muito jovens para perceber a gravidade do ocorrido, mas que entenderam que "existiam bonzinhos e malvados" e fizeram um minuto de silêncio.

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Se adultos se assustam e, muitas vezes, não entendem atentados terroristas, falar com as crianças pode ser ainda mais difícil. Talvez alguns pais prefiram não comentar ou minimizar a situação. Decisão errada, segundo especialistas. Ítalo Francisco Curcio, professor de pedagogia da Faculdade Presbiteriana Mackenzie, explica que é importante dizer a verdade para os mais jovens. “Não se pode florear ou fantasiar a realidade. É preciso dizer o que aconteceu e em que contexto.”

Mas as crianças podem ter dificuldades para entender certos conceitos. Segundo Curcio, o conceito de terrorismo, por exemplo, só é compreendido a partir da pré-adolescência. Então, a explicação para os pequenos pode ser um pouco mais superficial. “Quando a criança perguntar o que é terrorismo, é importante dizer que vem do terror, que está relacionado à violência, que é errado. Mas não se pode dar uma aula muito complexa.”

A ideia de questões absolutas, como a morte, também não é completamente entendida por crianças pequenas. Contudo, de acordo com o terapeuta familiar Moises Groisman, mesmo assuntos que não são totalmente compreendidos precisam ser trabalhados. “Mesmo que não entendam a morte, eles percebem que alguma coisa estranha aconteceu. As crianças notam a máscara de terror no rosto dos adultos.” O terapeuta ressalta ainda que, além de questões de terrorismo, os adultos também precisam explicar situações de violência urbana, assaltos e orientar como as crianças devem agir em cada situação.

Aqui no Brasil, a distância dos acontecimentos pode dar aos pais a impressão de que os filhos não percebem o ocorrido. Groisman alerta que as tragédias não marcam apenas as crianças mais próximas aos eventos, mas também aquelas que acompanham de longe. Elas percebem os comentários dos adultos, escutam o que é dito nos noticiários, por isso é importante que possam conversar com os mais velhos sobre o assunto.

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No entanto, a explicação e a linguagem precisam estar de acordo com o entendimento e a realidade da criança, é o que diz a coordenadora do Núcleo de Família e Comunidade da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Rosa Maria Stefanini de Macedo. Ela explica que, com uma criança pequena, vale usar analogias com a escola, como a relação com os colegas, por exemplo. “Você pode comentar que, às vezes, um amigo da escola pode se ofender com algum comentário e reagir com violência. É preciso dizer que a reação está errada, que se alguém se sente ofendido precisa procurar a professora, ou entre adultos, a Justiça.”

Além de mostrar como as reações violentas são erradas, Cursio diz que é interessante explicar que todos têm o direito de se expressar, mas é importante cuidar para não ferir os valores de outros e que algumas pessoas podem não ter equilíbrio para lidar com ofensas. “O pai pode dizer: olha meu filho, precisamos medir nossas palavras.” Ele acrescenta que é importante ensinar a tolerância e o convívio com as diferenças.

Terrorismo e religião

Na mesma linha, Rosa Maria lembra que é importante explicar que a violência não é fruto de uma determinada religião, mas de pessoas que não sabem respeitar as diferenças ou como reagir de forma correta quando se sentem ofendidas. Principalmente quando os atentados envolvem questões religiosas, é preciso entender que nem todos os seguidores de uma religião são terroristas e nem todos os terroristas seguem alguma religião.

Em Paris, o professor Thiboult aproveitou para contextualizar a questão religiosa. “Eu tentei explicar que existem três grandes religiões presentes no planeta, seus pontos comuns e, acima de tudo, as suas diferenças. E também o fato de que os muçulmanos recusam representações do profeta”.

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Além de esclarecer os fatos, os pais e professores também precisam acalmar as crianças. Muitas vezes os pequenos se assustam com a repercussão. Quando a notícia é sobre algo mais distante, como em outro país, é possível explicar que o crime aconteceu em outro lugar, com uma realidade diferente. Quando a situação é mais próxima, Rosa Maria orienta que se mostre as ações que estão sendo tomadas pelas autoridades para evitar um novo caso.

O tamanho do susto que as crianças levam nem sempre pode ser medido, segundo explica Curcio. Ele aponta que o educador, seja pai ou professor, precisa ter cuidado para explicar as causas e evitar confusões. “É preciso tentar explicar as motivações de um atentado. Se a criança não entender o que aconteceu, pode ver coisas diferentes, como uma manifestação de rua, e se assustar, achar que é a mesma coisa.”

O terapeuta Groismam entende que tentar proteger os filhos da realidade pode ter um impacto mais perigoso depois. “Se a criança não foi orientada sobre os fatos e acontece algo semelhante no futuro, o choque pode ser muito maior. Ela não foi preparada, mas faz associação com o acontecimento anterior.” Para o psicólogo, os pais devem aproveitar o ocorrido para alertar os filhos sobre as questões de segurança.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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