Entenda o movimento que pode ressuscitar intolerância alemã

Islamofóbico, xenófofo, eurocêntrico... em meio a discussões de identidade e ao agravamento da crise econômica, o grupo Pegida ganha voz na Alemanha e põe em evidência a ascensão do nacionalismo europeu

9 fev 2015 - 06h58
(atualizado às 06h59)
<p>Milhares de pessoas participam de uma manifestação organizada pelo movimento "Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente" (Pegida) em Dresden, em 5 de janeiro</p>
Milhares de pessoas participam de uma manifestação organizada pelo movimento "Patriotas Europeus contra a Islamização do Ocidente" (Pegida) em Dresden, em 5 de janeiro
Foto: Fabrizio Bensch / Reuters

Europeus patriotas contra a islamização do Ocidente. Esse é o significado de Pegida, movimento, que, desde outubro de 2014, tem sacudido a Alemanha com seu discurso nacionalista e eurocêntrico. Como o próprio nome sugere, o Pegida se opõe ao abuso das leis de asilo e à ameaça à cultura alemã e condena, em suas marchas, realizadas regulamente às segundas-feiras, tudo o que considera como islamização.

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Segundo a associação que monitora o neonazismo no estado da Saxônia Kulturbüro Sachsen consultada pela agência de notícias Deutsche Welle, não há neonazistas entre os organizadores das manifestações, embora muitos deles participem e apoiem os atos.

Lutz Bachmann, que aparece nesta foto imitando Hitler, tem várias passagens pela polícia
Foto: Facebook

Lutz Bachmann, dono de uma agência de fotografia e relações públicas, é o homem por trás da Pegida e é conhecido por defender uma "política de tolerância zero contra imigrantes delinquentes". Em seu passado, constam infrações penais, como roubo, furto, falso testemunho, e lesão corporal.

Embora Lutz tenha renunciado à liderança do grupo após postar em sua página no Facebook uma foto imitando Hitler, ele e outros organizadores do Pegida têm conseguido mobilizar cada vez mais pessoas, não apenas neonazistas, gangues de motoqueiros e hooligans, mas também estrangeiros e alemães de classe média baixa. Uma multidão que tornou possíveis manifestações realizadas em Dusseldorf, Kassel, Wurzburg e Dresden, esta última berço do Pegida.

A décima quinta manifestação do movimento, em 12 de janeiro, reuniu mais de 25 mil pessoas em Dresden. No primeiro ato, no entanto, o grupo não havia conseguido mobilizar mais de 500 manifestantes, o que talvez corrobore a posição de alguns cientistas políticos que se reuniram em Dresden em 5 de janeiro e cravaram: o Pegida é um fenômeno "que deve ser levado a sério".

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O professor de Relações Internacionais da FAAP Jorge Mortean acredita que o crescimento de um grupo como esse não apenas fomenta a xenofobia, mas também coloca em risco tudo o que a Alemanha conquistou democraticamente.

“Isso pode intensificar questões étnicas que os alemães lutaram por décadas para amenizar. É como se a Alemanha retrocedesse algumas décadas e voltasse a perseguir certa minoria étnica e religiosa, e nós sabemos o quão desastrosa foi toda essa política”.

“Em nenhum momento, dá para tratar o Pegida como algo que não vai crescer. Só o fato de ele existir em uma sociedade que fez o que fez [perseguição dos judeus] já é muito grave. Isso sinaliza uma quebra, uma falha na teia social alemã”, acrescenta o cientista político e professor de Relações Internacionais da ESPM Heni Ozi Cukier.

De acordo com pesquisa publicada em janeiro, 57% dos alemães veem o Islã como uma ameaça, e 61% acreditam que a religião não é compatível com o Ocidente.

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Outra consulta promovida pelo instituto de pesquisa Forsa e publicada pela revista Stern em 1º de janeiro mostrou que um em cada oito alemães participaria de uma marcha anti-Islã se ela fosse organizada em sua cidade. Ainda de acordo com a sondagem, 29% dos entrevistados creem que a influência do islamismo sobre a vida alemã é tão forte que justifica as marchas do Pegida - que conta com o apoio de quase um terço da população.

Um movimento "amistoso e pacífico"

Questões econômicas e de identidade causadas pela União Europeia, problemas dos refugiados, aumento da imigração ilegal, o choque de culturas, e as tensões multiculturais são fatores que trouxeram à tona o problema da xenofobia na Alemanha
Foto: Fabrizio Bensch / Reuters

O fato é que o Pegida nega o rótulo de radical que lhe é atribuído e se autodenomina como um movimento de ação amistosa e pacífica que preza a organização de referendos de iniciativa popular, o reforço da segurança interna e a imigração qualitativa. Em manifesto divulgado em dezembro de 2014, o Pegida declarou ser a favor da "resistência a uma ideologia política violenta" e do "direito de asilo para refugiados de guerra e os que enfrentam perseguição política".

É fato, também, que a religião não é o grande mote do movimento.

“Na Alemanha existe uma questão econômica, social, cultural e de identidade. Em momentos de crise econômica, o argumento político de achar um bode expiatório é muito fácil. Eles não estão pregando contra o Islã, eles estão pregando contra imigrações em geral. Talvez a crítica mais correta é dizer que eles são eurocêntricos, etnocêntricos, e, dependendo do nível de agressão, eles podem ser chamados até de xenófobos”, esclarece Cukier.

Ou seja, os muçulmanos teriam personificado as discussões de identidade porque são o maior grupo. 

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Questões econômicas também estão diretamente ligadas à ascensão desse sentimento de intolerância. “Quando o grupo é muito fechado e homogêneo e você tem um problema econômico, é muito simples e artificial você achar um culpado para ele. Sempre tem alguém que explora isso politicamente, e o estranho é mais fácil de ser culpado. A crise europeia só exacerba tensões que nunca foram apagadas”, completa o professor da ESPM.

Um homem se manifesta em Berlim contra a "islamização do Ocidente" em um ato do movimento xenófobo Pegida e da sua versão berlinense, Bregida, em 19 de janeiro
Foto: AFP

A religião tanto não é a maior questão envolvendo o Pegida que os problemas desse gênero existentes em outros países da Europa envolvem indivívuos de outras nacionalidades e religiões. Na Itália, eles se concentram nos romenos (que são cristãos), na Espanha, nos marroquinos, na Inglaterra, nos paquistaneses, e na França, nos argelinos. Assim como os turcos na Alemanha, indivíduos de todas essas nacionalidades são vítimas da xenofobia na Europa, em maior ou menor grau - o que não deixa de ser uma grande ironia, como relata Mortean.

“De certa forma, a Europa entra em um paradoxo que ela mesma criou, porque se em um dado momento era interessante ter essas pessoas dentro do seu território, para fazer os serviços que os europeus já não queriam mais exercer (seja como padeiros, serventes de pedreiro, domésticas ou garis), se eles sumissem hoje, o continente entraria em uma crise gigantesca. Eles são vitais na Europa, e, ao mesmo tempo, os cidadãos europeus querem tratá-los como cidadãos de segunda classe”.

Ou, como bem resume Cukier: “A sociedade tem mostrado que os imigrantes são um mal necessário, mas ainda são um mal”.

Mais asilados e mais intolerância

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De acordo com o Ministério do Interior, a Alemanha recebeu 202.834 pedidos de asilo em 2014, 59,7% a mais do que em 2013. Fugidos da guerra civil, os sírios foram os que mais solicitaram asilo no país europeu (41.100), seguidos pelos eritreus e pelos afegãos. No total, 128.911 casos foram analisados em 2014 pelas autoridades, dos quais 31,5% receberam proteção como asilados ou refugiados. Em 2013, foram acatados apenas 24,9% dos pedidos.

O problema é que junto do crescimento da população asilada se testemunhou o crescimento das manifestações de intolerância.

Manifestantes do Legida, o braço do Pegida em Leipzig, participam de ato em 21 de janeiro
Foto: Reuters

O dono de um hotel retirou a proposta de alugar seu imóvel para a prefeitura de Dresden, que o habilitaria para o abrigo de 94 dos 2.093 refugiados que vivem na cidade, depois de ameaças de extremistas de direita, pressão da população vizinha - uma petição para impedir a hospedagem dos refugiados reuniu 5.700 assinaturas, segundo a revista alemã Der Spiegel - e ataques sofridos pela propriedade. As paredes do edifício Prinz Eugen foram pintadas com mensagens de ódio contra os refugiados.

Como algumas cidades não têm recursos, nem instalações suficientes para abrigar todos os asilados e refugiados, algumas autoridades apontaram soluções no mínimo discutíveis.

Em 13 de janeiro, autoridades da cidade de Schwerte, no oeste do país, propuseram a reativação de um antigo anexo do campo de concentração Buchenwald - que serviu de alojamento dos guardas - para alojar até 21 refugiados. Os líderes locais foram criticados e a proposta considerada insensível. As autoridades, por outro lado, alegaram que o espaço já havia sido usado como armazém, oficina de arte e até jardim de infância, e que, no fim das contas, não havia outra opção.

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De acordo com o sociólogo Andreas Zick, da Universidade de Bielefeld, em entrevista a Deutsche Welle, cerca de 40% dos alemães acreditam que os imigrantes que pedem asilo mentem ao dizer que sofrem perseguição em seus países. Em outra sondagem, 40% dos consultados disseram que somente aqueles que têm pais alemães podem ser considerados alemães de verdade.

Foto de 13 de janeiro mostra o antigo anexo do campo de concentração Buchenwald, que seria usado para abrigar 21 refugiados na cidade de Schwerte
Foto: Ina Fassbender / Reuters

Talvez esse pensamento não seja justificável, mas pode, até certo ponto, ser compreensível, no ponto de vista de Cukier.

“Ser multicultural não é necessariamente uma coisa nobre; existe legitimidade em você querer preservar a sua identidade e isso por si só não é um problema. Cada um cria as suas regras, e cada um decide se quer viver com o outro ou não, e isso parte do direito de liberdade, não é ser antidemocrático. Só existe democracia para uma convivência coletiva como um sistema politico, mas isso não implica em você, por exemplo, abdicar da sua identidade, dos seus valores, da sua cultura, em prol daquele sistema. O ponto é que, tendo a Alemanha o histórico que teve, tudo isso pode tomar um caráter violento”.

Alusão à violência tem de sobra nas mensagens postadas nas redes sociais do Pegida. "O Islã não tem lugar em sociedades livres e democráticas como as europeias", "Se os moderados fossem a maioria, como dizem, nos países de maioria muçulmana reinaria a paz, a liberdade e a democracia", e "O Islã é uma doutrina que se impõe pela força e instaura o terror; Europa é seu próximo objetivo" são apenas exemplos de alguns dos discursos difundidos no Twitter do movimento na Espanha, Holanda, França, Reino Unido e França.

É pela internet que o Pegida faz sua propaganda e recruta novos membros. A seção espanhola do grupo tem mais de mil seguidores no Twitter e 2.700 curtidas no Facebook.

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Oposição

"O Islã faz parte da Alemanha". Foi o que a chanceler Angela Merkel disse em um discurso realizado no parlamento em 15 de janeiro como forma de manifestar seu repúdio ao Pegida.

De acordo com a chanceler alemã Angela Merkel, os membros do Pegida são "racistas cheios de ódio que querem excluir pessoas a partir da cor da pele ou de religião diferentes
Foto: Kai Pfaffenbach / Reuters

A chefe do governo alemão já havia pedido, em sua mensagem de Ano-novo, que os alemães rejeitassem o Pegida, rotulando seus membros de "racistas cheios de ódio que querem excluir pessoas a partir da cor da pele ou de religião diferentes”.

 "A Alemanha deve acolher as pessoas que fogem de conflitos e de guerras. Por isso, digo a todos que participam desses protestos: 'Não sigam aqueles que os convocam! Pois frequentemente eles têm preconceito, frieza e até mesmo ódio em seus corações" declarou, na ocasião.

Críticas também partiram de outras autoridades policiais alemãs, como o ex-chanceler Helmut Schmidt e o atual ministro das Finanças, Wolfgang Schable. "Os protestos do Pegida apelam para preconceitos reprimidos, ódio aos estrangeiros e intolerância", disse o social-democrata Schmidt, que governou a Alemanha de 1947 a 1982.

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"Slogans não podem mudar fatos: a Alemanha precisa de imigrantes, e nós precisamos ter o coração aberto para refugiados que necessitam", argumentou Schable.

Manifestações de repúdio ao grupo têm reunido milhares de pessoas em toda a Alemanha. Em 10 de janeiro, um protesto contra o movimento chegou a reunir 35 mil pessoas em Dresden, onde nasceu o Pegida.  

Mas a pergunta que não pode deixar de ser feita é: além de manifestações e discursos condenatórios, o que pode ser feito, para, efetivamente, deter o Pegida? Cabe ao governo, instituição que faz parte de um Estado democrático, censurar os xenófobos e intolerantes?

“O Estado deve implementar leis que tornem o convívio pacifico. Se liberdade de expressão significa que cada um pode dizer o que quiser, doa a quem doer, custe o que custar, a gente vai acabar se matando, como já vem ocorrendo, e esse não é o propósito, nem da liberdade de expressão, nem da democracia”, avalia Mortean, defensor de programas de integração cultural como solução para o problema.

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“A Europa gasta quase nada em políticas contra xenofobia dentro de seus domínios, mas gasta milhões em combate ao terrorismo fora do continente. Parece que, para a Europa, dando direitos e deveres iguais e acesso ao mesmo sistema de serviços públicos pra essas pessoas, elas vão encontrar os seus caminhos. E isso não basta, eles ainda sofrem preconceito socialmente, são discriminados pela maioria”, acrescenta.

Cukier vê pouca eficiência nas medidas de longo prazo, como educação, inserção e assimilação. Ele acredita que apenas uma medida enérgica pode resolver a questão. “Acho difícil a gente falar de qualquer coisa do ponto de vista progressivo. Esses grupos pregam coisas extremas em um ponto que destruiriam a democracia, então é totalmente plausível você contê-los, censurá-los e limitá-los sem estar infringindo as regras básicas democráticas. Vai ter que ser nas limitações e nas restrições mesmo”.

Em um continente ainda aturdido pelo radicalismo e em um país ainda assombrado pelas lembranças do holocausto, toda cautela se faz necessária. Existe a preocupação de que um agravamento das questões de identidade na Alemanha promova uma séria crise na Europa. A Alemanha é hoje a nação com mais dinheiro, poder e influência dentro do bloco europeu, o que só potencializa os riscos de uma reação em cadeia.

“A situação política e econômica tende a piorar e o nacionalismo está ganhando força, e dentro da Europa e desse contexto, a gente sabe o que significa”, conclui Cukier.

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Fonte: Terra
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