Húngaros relembram medo durante invasão nazista há 70 anos

Refugiados que vieram para o Brasil relembram anos em que viveram "com medo e sem perspectivas"; por duas gerações, famílias silenciaram acontecimentos em campos de concentração

19 mar 2014 - 14h12
(atualizado às 14h45)
A invasão nazista na Hungria aconteceu em 1944, quando mais de 400 mil judeus foram enviados a campos de concentração
A invasão nazista na Hungria aconteceu em 1944, quando mais de 400 mil judeus foram enviados a campos de concentração
Foto: Wikipédia

A menos de dois meses das eleições parlamentares, a Hungria lança seus olhos em uma imagem: o anjo Gabriel sendo atacado por uma águia. Este seria o retrato proposto, pelo atual governo populista de direita, para um monumento em Budapeste em homenagem aos mortos pelo ataque nazista ao país, que iniciou em 19 de março de 1944, e que completa 70 anos nesta quarta-feira.  

Porém, o “projeto de estátua” gerou uma discussão política e a revolta dos judeus que não aceitam a ideia de que a Hungria - supostamente representada pelo anjo atacado - tenha sido passiva em relação às mortes ocorridas no país nos anos finais da Segunda Guerra Mundial. Historiadores e representantes da comunidade judaica húngara esperavam ver no monumento uma maneira de reescrever a história, desmentindo a “lenda” de que o governo húngaro não teve participação e responsabilidade pelo envio de meio milhão de judeus a Auschwitz, em 1944, por exemplo. Mas, esta não parece ser a intenção do projeto.

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Em meio à polêmica em torno da estátua - que deverá ter a inauguração atrasada -, o governo de Viktor Orbán preparou uma programação com outras homenagens durante toda a semana, a partir desta quarta-feira, para relembrar a invasão alemã, que foi tardia, mas deixou rastros terríveis entre as famílias húngaras.

“Vivíamos sempre com medo e sem perspectivas”, lembra húngara

Apesar de tardia, já no final da Segunda Guerra Mundial, a invasão da Hungria aconteceu num período crítico, quando os nazistas já executavam a “Solução Final para a Questão Judaica” (planejada na Conferência de Wannsee, em 20 de janeiro de 1942), em outras palavras, planejavam exterminar todos os judeus da Europa.

Eva Matravolgyi veio ao Brasil com 22 anos: "nós vivíamos com medo e sem perspectivas"
Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação

Após a invasão nazista em Budapeste, as autoridades húngaras determinaram que os judeus passassem a viver confinados em casas demarcadas, conhecidas como "Casas da Estrela de David".

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“Não é fácil responder sobre esta questão em poucas palavras. Vivíamos em uma ditadura, sempre com medo e sem perspectivas. As minhas lembranças bonitas são de antes da Segunda Guerra Mundial”, desabafa a húngara Eva Matravolgyi, que se mudou para o Brasil em 1957, aos 23 anos, acompanhada da mãe, do marido e de sua filha mais velha, na época com 2 anos.

Eva se recorda de poucos detalhes dos anos em que os nazistas dominaram seu país, já que era criança, mas a tristeza ainda está presente nas poucas lembranças. “Durante o nazismo, soubemos de algumas atrocidades e isso foi horrível e triste”, diz. A família de Eva tinha origens ligadas ao judaísmo. Por causa da ameaça nazistas, todos se converteram ao catolicismo antes de ela nascer.

Ao chegar ao Brasil, somente com a roupa do corpo, fugindo da Revolução Húngara - iniciada mais de 10 anos depois do final da guerra-, a família Matravolgyi teve de se adaptar à nova cultura e língua, recomeçando a vida na cidade de São Paulo. “Saímos da Hungria em novembro de 1956, na ocasião da revolução, de forma ilegal. Minha família e eu, e outros milhares de húngaros procurando uma vida livre”, conta.

“Procuramos a Embaixada do Brasil em Viena, pois a minha irmã já morava aqui. Com ajuda internacional, conseguimos chegar ao país de navio no dia 7 de fevereiro de 1957, apenas com a roupa do corpo. Era um mundo novo, mas tínhamos muita força de vontade para trabalhar e construir um futuro para nossa família”, diz Eva.

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Como não sabiam português, Eva e o marido puderam aprender melhor a língua junto dos filhos, que estudavam em escolas brasileiras. Para conseguir ter uma padrão de vida decente, o casal trabalhou 14 anos seguidos, sem férias.

A filha de Eva, Sílvia Matravolgyi, que nasceu no Brasil, diz que os pais vieram “muito abertos à nova cultura, mas não se fechando à comunidade húngura”. Apesar disso, mantiveram algumas tradições na família, como receitas culinárias e canções húngaras de Natal. “Aprendi a fazer alguns pratos húngaros, como por exemplo, uma sopa chamada “gulas” e um frango ensopado (paprikas csirke)”, lembra Sílvia.

Hoje, com a família formada e a vida refeita, a descendente de família judia no país europeu considera o Brasil como sua nação “adotada”. “Sabemos que o nazismo trouxe horrores, mortes, sofrimentos... Então a vida de minha família teve uma chance de mudar completamente. Aqui nasceram outros dois filhos e este é o lugar onde nasceram meus seis netos – brasileiros”, diz Eva Matravolgyi, que ainda tem família na Hungria e “várias amigas da juventude”.

“O século 20 foi uma sequência de tragédias”

Na Hungria, o Holocausto começou anos antes da ocupação alemã, com pogroms anti-semitas (pogrom - do russo погром - é um ataque violento maciço a pessoas, com a destruição simultânea de suas casas, negócios e centros religiosos). Há vários casos relatados de assassinatos em massa e deportação de milhares de judeus para campos de trabalho, o que fez milhares de húngaros fugirem para outros países, tais como Estados Unidos, Canadá, Argentina e Brasil. 

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“O século 20 foi para a Hungria uma sequência de tragédias. A invasão nazista de 1944 foi apenas mais um episódio fatídico”. A afirmação é do húngaro Szabolcs B. Fejer, de 75 anos, que veio ao Brasil com os pais em 1947. Para ele, a Hungria só recuperou sua independência em 1991, quando o último soldado russo deixou o país. “Após mais de quatro décadas de nazismo, comunismo, repressão, ruína econômica, o país procura se reerguer. Mas a ‘herança maldita’ é pesada”.

Fejer se recorda que havia notícias de que Hitler e o partido nazista “eram inimigos ferrenho dos judeus. (...) bastava ver o que se passava na Alemanha muito antes do início da guerra”. Porém, o húngaro conta que não se falava sobre os campos de concentração – assunto que, até hoje, ainda é tabu entre as famílias, que silenciaram por duas gerações o que aconteciam nestes locais. “Sobre campos de concentração, não havia informações. Os meus pais souberam dos campos de concentração e das deportações de judeus da Hungria quando já estavam na Alemanha”, diz Fejer.

Fejer mantém a cultura de seu país aqui no Brasil, mesmo após sete décadas vivendo fora. No aniversário da invasão nazista em seu país, ele acredita que a Hungria busca construir um caminho cristalizado, mas que conseguirá apenas daqui alguns anos. “Na minha visão, após um século trágico, a sociedade húngara, mesmo caminhando em zigue-zague, procura cristalizar um caminho. E isto, certamente, ainda levará algumas décadas”, finaliza. 

Invasão nazista na Hungria completa 70 anos; veja fotos:

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Fonte: Terra
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