O movimento separatista da cidade de Donetsk, na Ucrânia oriental, parece muito similar ao que ocorreu entre fevereiro e março na península da Crimeia, que também fica na parte oeste do país.
No último domingo, um grupo de manifestantes pró-Rússia ocupou edifícios do governo e declarou o município uma "república popular independente".
Agora, eles exigem que um referendo seja realizado em maio, assim como foi feito na Crimeia, para que a população local vote a favor ou contra sua anexação pela Federação Russa.
"Mas Donetsk não é a Crimeia", explica o jornalista Daniel Sandford, da BBC News, em Moscou.
República autônoma
Em primeiro lugar, a Crimeia já era uma república autônoma antes mesmo da crise ucraniana - que começou em novembro, quando o então presidente Viktor Yanukovytch decidiu recuar num acordo comercial com a União Europeia para se aproximar da Rússia.
Isso desagradou a oposição no país, que foi às ruas em protesto. As manifestações foram reprimidas violentamente e culminaram na deposição de Yanukovycth pelo Parlamento nacional e na instauração de um governo provisório.
Esse novo governo encontrou resistência na Crimeia, onde a maioria da população é de origem russa.
Por ser uma república autônoma dentro da Ucrânia, a Crimeia tem um Parlamento próprio, que votou pela sua independência.
Já em Donetsk, os manifestantes que "aprovaram" sua independência nunca foram eleitos para nenhum cargo público. Ou seja, para muitos ucranianos, lhes falta legitimidade popular para tomar esse tipo de decisão em nome do povo da cidade.
Opinião pública
A Crimeia ainda tem um governo local, que podia organizar um referendo. Essa consulta popular ratificou a decisão do Parlamento da península.
A absoluta maioria dos 1,5 milhão de eleitores optou pela anexação, uma decisão que, apesar de não ter o reconhecimento do Ocidente, foi aprovada também pela Rússia em um tratado assinado por seu presidente, Vladimir Putin.
Em Donetsk, mesmo que haja um referendo, o resultado pode ser bem diferente do que na Crimeia por causa da opinião pública.
Apesar de a maior parte dos habitantes também ser de origem russa, pesquisas de opinião feitas até agora indicam que a maioria da população quer ver uma Ucrânia unida.
Minoria
Em entrevista ao jornal ucraniano Segodnya, o analista político Oleksandr Paliy diz que os manifestantes pró-Rússia são minoria em Donetsk.
"Não é toda a cidade que pede a anexação, mas apenas 800 pessoas que tentam falar em nome dos 4 milhões de habitantes, dos quais, segundo pesquisas, 75% apoiam a integridade territorial do país."
Mas, segundo Sandford, da BBC News, isso não torna a situação menos perigosa.
"Os manifestantes já disseram que, se o governo da Ucrânia não ceder às suas demandas, eles pedirão à Rússia para enviar 'forças de paz'."
'Segunda onda'
Tudo indica que a situação não se resolverá facilmente.
Autoridades de segurança nacional da Ucrânia foram enviadas a Donetsk, além de Luhansk e Kharkiv, onde prédios do governo também foram ocupados.
O presidente interino do país, Oleksandr Turchynov, cancelou uma viagem à Lituânia para lidar com os protestos.
Ele disse que se trata de uma "segunda onda da operação russa", numa tentativa de "desmembrar e desestabilizar a Ucrânia para derrubar o governo e impedir as eleições presidenciais" marcadas para 25 de maio.
Nesta segunda-feira, o ministro de Relações Exteriores da Ucrânia, Andriy Deshchytsya, foi ainda mais longe e disse à agência de notícias russa Ekho Moskvy que Kiev "irá à guerra se a Rússia enviar tropas à Ucrânia oriental".
'Reação em cadeia'
Em artigo para o diário Segodnya, o comentarista Volodymir Fesenko alerta que a realização de um referendo local em Donetsk vai contra a lei ucraniana.
"Se o governo ceder aos manifestantes, pode gerar uma reação em cadeia em toda a região", escreveu Fesenko.
Até mesmo por isso, a crise gerou ainda uma escalada de tensão em outros países do leste europeu. O presidente da República Tcheca, Milos Zeman, defendeu que a Otan (aliança militar ocidental) envie tropas à Ucrânia se houver uma invasão russa.
"Se a Rússia estender sua expansão territorial para o leste ucraniano, a festa acabará", disse Zeman em pronunciamento em uma rádio pública no último domingo.