PARIS - O governo da França afirmou que os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e dos Estados Unidos, Joe Biden, concordaram "em princípio" em participar de uma cúpula proposta pelo presidente francês, Emmanuel Macron, para discutir a crise na Ucrânia.
A cúpula será seguida de um encontro com "todas as partes envolvidas" na crise na fronteira, em que será abordada "a segurança e a estabilidade estratégica na Europa", acrescentou o governo francês, que esclareceu que o diálogo "não poderá acontecer se a Rússia invadir a Ucrânia".
Segundo o anúncio do Palácio do Eliseu, "a substância" da cúpula proposta terá que ser preparada pelo secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e pelo ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, quando se encontrarem na próxima quinta-feira.
Tanto a cúpula proposta, quanto a reunião de Blinken com Lavrov, estão condicionadas à Rússia não invadir a Ucrânia.
O acordo em princípio para a cúpula foi anunciado após o segundo telefonema de Macron com Putin, em meio a seu esforço para evitar que a Rússia invadisse a Ucrânia.
Os detalhes da segunda ligação foram anunciados bem depois das 2h da manhã em Moscou.
A secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, afirmou em um comunicado após o anúncio do encontro que os EUA "estão comprometidos em buscar a diplomacia até o momento em que uma invasão começar", mas observou que "atualmente, a Rússia parece estar continuando os preparativos para um ataque em grande escala à Ucrânia muito em breve".
"O secretário Blinken e o ministro das Relações Exteriores Lavrov devem se reunir no final desta semana na Europa, desde que a Rússia não prossiga com uma ação militar. O presidente Biden aceitou, em princípio, uma reunião com o presidente Putin após esse compromisso, novamente, se uma invasão não acontecer. Estamos sempre prontos para a diplomacia. Também estamos prontos para impor consequências rápidas e severas caso a Rússia opte pela guerra."
Nos últimos quatro meses, a Rússia vem mobilizando seu Exército em vários pontos da fronteira com a Ucrânia, que incluíram o posicionamento de soldados —estimados entre 150 mil e 190 mil — no Norte, Leste e Sul da Ucrânia.
A Rússia ordenou a concentração militar enquanto reivindica que a Otan se comprometa a nunca permitir a entrada da Ucrânia na aliança. Desde quarta-feira, Moscou vem anunciando o retorno às suas bases de tropas que já concluíram manobras militares na região, mas Washington e aliados afirmam que na verdade há um aumento no número de soldados russos na área
Manutenção das tropas na fronteira
Neste domingo, 20, no dia em que o exercício conjunto entre Rússia e Belarus nas fronteiras ao norte da Ucrânia deveria acabar, o governo de Minsk anunciou que os 30 mil soldados e equipamentos militares de Vladimir Putin ficarão no país em uma "extensão dos treinamentos militares", citando o aumento das tensões na vizinha Ucrânia.
A manutenção de tantos homens e armas em Belarus, que fica a menos de 200 km da capital ucraniana Kiev e cidades vizinhas, aumenta os temores do Ocidente de que uma invasão da Ucrânia possa acontecer nos próximos dias.
Iniciados em 10 de fevereiro, os exercícios, chamados de Resolução Aliada, inicialmente estavam previstos para durar dez dias.
"Tendo em vista o aumento da atividade militar perto das fronteiras (...) e o agravamento da situação em Donbass (Leste da Ucrânia), os presidentes de Belarus e da Rússia decidiram continuar a inspeção das forças", declarou o Ministério da Defesa belarusso em sua conta no Telegram neste domingo.
A região de Donbass, dominada desde 2014 por separatistas apoiados pelo Kremlin, registrou um domingo de explosões misteriosas e troca de tiros na linha de frente com as forças de Kiev.
O Kremlin não informou quantos soldados russos participam dos exercícios em Belarus, mas Washington estima o número em 30 mil, no que seria uma das maiores mobilizações desde o final da Guerra Fria, nos anos 90. As manobras são vistas com receio por sua localização: alguns dos exercícios ocorrem perto da fronteira com a Ucrânia, a cerca de 100 km de Kiev.
O anúncio foi feito no mesmo dia em que o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, advertiu que as repetidas previsões do Ocidente de uma invasão da Ucrânia pela Rússia são provocativas e podem ter consequências adversas.
"O fato é que isso diretamente leva a um aumento de tensão. E quando a tensão aumenta ao máximo, como agora, por exemplo, na linha de contato (no Leste da Ucrânia), então qualquer faísca, qualquer incidente não planejado ou qualquer minúscula provocação planejada podem levar a consequências irreparáveis", afirmou Peskov à TV estatal Rossiya 1, afirmando que o presidente Putin tem conhecimento de tais declarações.
"Então, tudo isso pode ter consequências prejudiciais. O exercício diário de anunciar datas para invadir a Ucrânia é uma prática muito danosa", advertiu, acrescentando que a Rússia pede que seus parceiros do Ocidente sejam razoáveis e que a Rússia é o último país a querer usar a palavra "guerra".
A extensão das manobras com Belarus ocorre um dia depois de Putin ter supervisionado exercícios militares de mísseis estratégicos com capacidade nuclear ao lado do presidente belarusso, Alexander Lukashenko, e de líderes separatistas pró-Moscou no Leste da Ucrânia terem convocado uma mobilização militar total em meio à retirada de civis para a Rússia, citando a suposta ameaça de um ataque de forças ucranianas — acusação que Kiev nega.
Na semana passada, o presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou que a inteligência americana tinha informações de que Putin tomara a decisão de invadir a Ucrânia, e que os russos usariam operações de sabotagem para ter uma falsa justificativa para a invasão. Seria a operação clássica de "bandeira falsa", em que o autor de uma agressão se disfarça como seu inimigo para criar a impressão de que ele cometeu o ato, e assim justificar o revide.
Para o Ocidente, a escalada militar no Donbass não passa de uma farsa mal elaborada a fim de arrumar um pretexto para a Rússia agir —dos quase 4 milhões de habitantes da região, a maioria de russos étnicos, cerca de 700 mil têm passaporte dado ao longo dos anos por Moscou.
Nas TVs russas, as chamadas falam que "o Kremlin nega invasão, mas vai proteger cidadãos". Dominadas pelo Kremlin, as emissoras russas também afirmam que o governo de Kiev é quem começou as agrassões, e planeja um ataque em massa para retomar as regiões separatistas de Donetsk e Luhansk. Segundo os EUA e a Otan, os russos começaram a troca de fogo na linha de contato de 430 km entre separatistas e ucranianos.
Segundo Kiev, foram mais de cem violações de cessar-fogo no domingo. Além disso, o exame de metadados de vídeos gravados pela liderança separatista em Donetsk e Lugansk mostra que eles foram feitos antes de sua divulgação, inclusive uma suposta ação contra "sabotadores poloneses" num gasoduto.
No sábado, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), cujos membros incluem a Rússia e os EUA e que monitora o conflito no Leste da Ucrânia, denunciou quase 2.000 violações de cessar-fogo no leste separatista. A OSCE umplementou sua missão na Ucrânia em 2014, após a anexação da Crimeia pela Rússia e a eclosão do conflito entre Kiev e os separatistas, que deixou mais de 14 mil mortos desde então.
O conflito começou quando os separatistas pró-Moscou tomaram controle de parte do território na região em 2014, mesmo ano em Moscou anexou a Península da Crimeia depois que protestos causaram a queda de um presidente pró-Rússia. Os Acordos de Minsk, alcançados em 2014 para tentar reduzir o conflito no Leste da Ucrânia, não são cumpridos nem por Kiev nem Moscou.
Por causa dessas trocas de provocações, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, disse no sábado que este é o maior risco de guerra na Europa desde 1945, quando o segundo conflito mundial acabou. "Estamos falando de guerra onde não há guerra há 70 anos", afirmou a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, que estava na anual Conferência de Segurança de Munique.
Risco de conflito
Para analistas próximos do Kremlin, não há risco de guerra, e toda a mobilização de tropas não tem a função de se preparar para uma guerra, mas forçar uma saída diplomática que agrade a Putin. Eles dizem que as manobras tem o objetivo de enviar a mensagem de que as demandas feitas pela Rússia à Otan por garantias de segurança têm de ser levadas a sério, depois da expansão da aliança em direção às fronteiras russas desde o colapso da União Soviética, em1991.
Desde o fim da Guerra Fria, Moscou perdeu áreas que separavam a Rússia de forças ocidentais, um problema histórico para Moscou. De 1999 para a frente, a aliança absorveu 14 países que foram comunistas, 3 deles ex-integrantes da União Soviética.
"No contexto da situação atual em nossas fronteiras ocidentais, isso certamente será percebido como um sinal de guerra", disse à agência Reuters Dmitri Stefanovich, pesquisador do IMEMO RAS, um centro de estudos russo. "Mas o sinal para o Ocidente não é tanto 'não interfira', mas sim indicar que o problema é muito maior do que a Ucrânia", disse
Putin falou nesta tarde (manhã no Brasil) por 1h45min com o presidente Emmanuel Macron, naquilo que o governo francês chamou de "a última tentativa possível" de resolver a crise sem tiros. Foi a quinta interação entre eles na crise este ano.
Na conversa, Putin disse que as "provocações" das forças de segurança ucrâniana foram a causa da escalada em Donbass. Mas, a presidência francesa destacou que Macron e Putin se comprometeram a realizar "todas as ações" que sejam úteis para "evitar a escalada (de tensão), reduzir riscos e preservar a paz".
Os dois líderes, segundo o Eliseu, concordam em fazer com que o Grupo de Contato Trilateral se reúna nas próximas horas "com o objetivo de obter um compromisso de cessar-fogo de todas as partes envolvidas" na região.
O ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, se reunirá nos próximos dias com o colega russo, Serguei Lavrov, "e haverá várias consultas em Paris" sobre o assunto.
Em seguida, Macron telefonou para o presidernte da Ucrânia, Volodmir Zelenski, algo que não estava planejado inicialmente. Na ligação, o presidente ucraniano garantiu que "não responderia a provocações" da Rússia na linha de frente com os separatistas de Donbass, segundo a presidência francesa. E também pediu a Macron para expressar à Putin "a disponibilidade da Ucrânia para o diálogo."
*Com agências internacionais