O que os brasileiros acham sobre a independência da Escócia?

Cidadãos do Brasil que vivem no país divergem sobre a histórica votação que acontece nesta quinta-feira

17 set 2014 - 20h57
(atualizado às 20h59)

Diferente de outras diásporas, os brasileiros na Escócia não são homogêneos, nem vêm de um mesmo grupo social.

Estudantes de pós-graduação, de línguas, profissionais do ramo do petróleo ou simplesmente cônjuges de escoceses, eles se misturam à população local e defendem o sim ou o não à independência escocesa do Reino Unido de acordo com as circunstâncias pessoais - o referendo da Escócia será votado nesta quinta-feira.

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A BBC Brasil conversou com dois deles para ouvir duas visões opostas sobre os temas que preocupam os compatriotas na votação histórica desta quinta-feira.

Túlio Filogonio, mineiro que vive na Escócia desde 2000 graças à cidadania italiana, diz que opta pelo não porque considera a Escócia uma sociedade "onde as coisas funcionam". O educador não está convencido das razões da mudança e não quer que seus filhos gêmeos vivam "uma geração de negociação".

Já a microempresária Goretti Correa, casada com um escocês, abraça o nacionalismo por considerar que uma Escócia totalmente autônoma poderia direcionar melhor seus recursos para solucionar seus próprios problemas. "Depois de passar muito tempo aqui você consegue ter a percepção de que as coisas não funcionam tão bem quanto a gente pensa", diz a brasileira, moradora de Edimburgo há 20 anos. Leia a seguir os depoimentos.

Foto: Reuters

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Túlio Filogonio

Túlio Filogonio, que vive na Escócia desde o ano 2000, é uma espécie de liderança informal da comunidade brasileira na Escócia. O mineiro de Belo Horizonte fundou associações de brasileiros como a Brasil-Caledônia e descreve a história de brasileiros que vivem no país enquanto caminha junto com a reportagem da BBC Brasil pelas ruas do centro de Edimburgo.

Formado em administração de empresas no Brasil, Túlio trabalhou de carteiro e garçom quando chegou na Escócia. Certa vez, durante um evento, teve a surpresa de servir ninguém menos que o primeiro-ministro Tony Blair, que falava para um grupo de empresários.

Depois de fazer um curso de dois anos e se formar como educador, Túlio trabalha hoje em escolas do ensino fundamental. Ele é partidário do não e já enviou o seu voto antecipadamente pelo correio."Quando olho para a Escócia, eu vejo uma sociedade onde existe o respeito, a oportunidade, a ausência do preconceito", diz.

"O sistema funciona, existem ajudas do governo, a saúde é boa, a educação é pública e gratuita", lista. "Você tem todo o básico. Eu vou mexer nisso por quê?" "Se o sim ganhar, a geração dos meus filhos vai ser uma geração de negociação (com o resto do Reino Unido sobre os termos da separação). Eu não quero isso para eles."

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Dupla cidadania

Túlio diz que pessoalmente se preocupa em uma eventual separação da Escócia. Casado com uma brasileira e com um casal de gêmeos, ele tem status de cidadão italiano e tem dúvidas sobre o que poderia acontecer na relação da nova nação com a União Europeia. Teme especialmente que países como a Espanha dificultem a entrada da Escócia no bloco, colocando a situação dele e de outros brasileiros na mesma situação, em um limbo.

O brasileiro acredita que a campanha do sim até agora não foi capaz de mostrar como poderia fazer jus às suas próprias promessas e elevar a sociedade escocesa a um padrão de vida mais alto. "Alex Salmond (líder do governo escocês e do movimento separatista) repete que uma Escócia independente seria melhor, mas como?", questiona. "É muita incerteza."

Goretti Correa

A microempresária Goretti Correa mora em Edimburgo há 20 anos. Originária de Manaus, ela veio para a Escócia para estudar – aqui ela concluiu o doutorado em Políticas Públicas, conheceu o marido e ficou no país. Após uma mudança de carreira que a transformou em proprietária de uma loja online, continua vivendo na capital escocesa com a família, que agora inclui o filho de seis anos de idade.

Apesar do tempo de residência, Goretti diz que nunca se interessou em tirar o passaporte britânico – por nacionalismo. Ela não vota nas eleições, mas, se votasse, optaria pela independência, assim como o marido.

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Ambos acreditam que a autonomia permitiria à Escócia investir melhor os seus recursos para resolver os seus problemas. "Muita gente (que chega do Brasil) não consegue ter senso crítico em relação à realidade da Escócia", diz ela à BBC Brasil. "Muita gente ainda tem essa ilusão de que na Europa não tem problemas. Mas depois de passar muito tempo aqui você consegue ter a percepção de que as coisas não funcionam tão bem quanto a gente pensa."

Goretti diz que a Escócia "tem problemas sociais parecidos com os do Brasil, só não é escancarado" - ela se refere à pobreza, desigualdade e corrupção.

Distante

Para a brasileira, no atual desenho institucional, a Escócia está "muito distante" do centro do poder, em Londres, e não se beneficia inteiramente dos recursos com que contribui para o reino.

"A Escócia tem muita riqueza, muito petróleo, mas nem tudo fica aqui. Tudo entra num orçamento geral e só depois é redistribuído." "Trazendo o poder para cá o país vai poder tomar as decisões e formular as políticas que podem favorecer mais o país."

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Apesar das convicções, Goretti acredita que muitos brasileiros, por conservadorismo ou por circunstâncias pessoais, preferem se manter avessos à mudanças. Um fator seriam as preocupações com uma possível mudança de política migratória.

Por outro lado, a empresária minimiza as análises segundo as quais a Escócia sem o Reino Unido seria prejudicada por uma excessiva incerteza econômica. "Será que as pessoas não estão falando isso só para assustar e daí convencer os eleitores a votar não?", questiona.

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