Parentes do voo da Air France relembram drama e discriminação

Empresa prestará condolências distintas aos parentes de vítimas brasileiras em relação aos europeus, às vésperas do aniversário de cinco anos da queda do voo AF-447

25 mar 2014 - 07h54
(atualizado às 11h45)

Quase cinco anos depois da queda do avião que fazia a rota Rio de Janeiro-Paris, parentes das 59 vítimas com nacionalidade brasileira que estavam no Airbus A330 do já extinto voo AF447 reclamam de discriminação por parte da Air France. Às vésperas do fatídico 1o de junho de 2009, data de homenagem aos 216 passageiros e 12 tripulantes mortos no acidente, eles alegam tratamento diferenciado e suposto favorecimento da empresa aos familiares europeus.

O Terra obteve documentos em que a empresa de aviação dá tratamento distinto entre brasileiros e europesus, sobretudo franceses (61 passageiros e 10 tripulantes mortos), nas homenagens que marcarão os cinco anos do desaparecimento da aeronave no meio do oceano Atlântico.

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Foto: AirFrance

No convite enviado aos parentes de vítimas que residem no Brasil, assinado pelo diretor-geral da empresa no País, Hugues Heddebault, “a Air France disponibilizará flores no Memorial Parque Dois Irmãos para homenagear a memória das vítimas” ao mesmo tempo em que a empresa “reitera mais uma vez sua profunda solidariedade e pesar”.

Por outro lado, em Paris, em outro documento enviado em francês aos residentes europeus, haverá uma missa, um hall de hotel para encontro dos parentes e voos a disposição dos que não vivem na capital francesa, local onde ocorrerão as homenagens. No total, o voo AF447 carregava passageiros de 32 nacionalidades, mas essencialmente brasileiros e franceses, justamente por fazer a rota Rio de Janeiro-Paris.

“Aqui são flores e só. E em Paris é diferente”, reclama Carlos Braga, empresário de 35 anos, que perdeu na tragédia o companheiro Andree Valerius, alemão com quem viveu na Europa por três anos. “É uma forma de discriminação da Air France. Por que cortaram isso aqui, e por que está sendo feito dessa forma lá? Achei grosseiro”, completou ainda.

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Braga tomou conhecimento do caso ao conversar com uma colega na Alemanha que também perdeu um parente na tragédia. “Ela foi convidada a sair de Dusseldorf, onde mora, para ir até Paris receber as homenagens, tudo pago pela empresa. Aqui você tem gente de Minas Gerais, gente da Bahia, e eles dão flores? Reclamei e nem sequer o meu e-mail eles tiveram coragem de responder”, disse.

Foto: AirFrance

Assinado pelo diretor regional da Air France na região do Mediterrâneo, Phillippe Maudet, a carta-convite aos parentes europeus das vítimas presta as mesmas condolências, com mais conforto, no entanto. “A recepção está agendada para o cemitério (Pere Lachaise, onde estão enterradas algumas vítimas) a partir das 10h . Flores estarão à sua disposição. Você ainda terá a oportunidade de assistir a uma pequena cerimônia às 15hs na presença de representantes de diversas religiões . Os textos serão lidos por parentes (das vítimas)”, relata o convite.

Além de oferecer um espaço no hotel de um hotel para os parentes se reunirem e terem refeições entre a manhã e tarde do próximo dia 1o de junho, a empresa oferece passagens e estadia com uma agência organizadora para os não residentes em Paris. Uma música especial foi composta e será cantada para marcar os cinco anos do acidente.

“É a discriminação que eles sempre tiveram desde o início. Eles sempre discriminaram os brasileiros e sempre privilegiaram os europeus. Quando tive uma reunião com a Dilma, quando ainda ministra, anos atrás, eu já tinha falado isso”, reclamou Nelson Marinho, presidente da Associação de Familiares das Vítimas do Voo Af-447. “Vou reclamar para quê? Acho de uma grosseria enorme, mas não vai dar resultado algum. Deixa para lá”, completou.

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A assessoria de imprensa da Air France enviou uma nota ao Terra, informando que a empresa “manterá a cerimônia realizada no Rio de Janeiro nos últimos anos, com entrega de flores no Memorial do Dois Irmãos, no Leblon" e acrescenta que "a Air France respeita o momento das famílias e convida todos a visitarem o Memorial em 1º de junho de 2014”.

Lembranças e sofrimento

Foto tirada em 8 de junho de 2009 mostra membros da Marinha do Brasil trabalhando na recuperação de restos do avião da Air France que realizou o voo 447 e caiu no Oceano Atlântico
Foto: AP

Um dia após o governo malaio confirmar que o Boeing 777-200 da Malasya Airlines caiu no oceano Índico sem deixar nenhum sobrevivente (eram 239 pessoas a bordo), é praticamente impossível para os parentes das vítimas do voo da Air France não reviverem, mesmo que escala menor, o mesmo drama.

“É claro que eu acompanhei o caso. Você automaticamente volta cinco anos atrás, vivemos uma situação muito parecida”, relembrou Nelson Marinho, que perdeu o filho, Nelson Marinho Júnior no acidente.

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Em 2009, foram cinco dias para que os primeiros destroços da aeronave fossem encontrados. No caso do voo que partiu de Kuala Lumpur, capital malaia, em direção a Pequim, capital chinesa, a espera foi ainda mais angustiante: 16 dias. Sem que nenhum pedaço do avião fosse sequer retirado ainda do mar.

“Várias pessoas me mandaram e-mail falando a mesma coisa. Volta a novela toda na cabeça. São apenas cinco anos”, afirmou Carlos Braga, que assim como Nelson Marinho, fechou um acordo individual com a Air France junto à Justiça brasileira para receber indenização.

O voo AF 447 da Air France saiu do Rio de Janeiro com 228 pessoas a bordo no dia 31 de maio de 2009, às 19h (horário de Brasília), e deveria chegar ao aeroporto Roissy - Charles de Gaulle de Paris no dia 1º às 11h10 locais (6h10 de Brasília). Às 22h33 (horário de Brasília) o voo fez o último contato via rádio.

A Air France informou que o Airbus entrou em uma zona de tempestade às 2h GMT (23h de Brasília) e enviou uma mensagem automática de falha no circuito elétrico às 2h14 GMT (23h14 de Brasília). Depois disso, não houve mais qualquer tipo de contato e o avião desapareceu em meio ao oceano.

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Os primeiros fragmentos dos destroços foram encontrados cerca de uma semana depois pelas equipes de busca do País. Naquela ocasião, foram resgatados apenas 50 corpos, sendo 20 deles de brasileiros. As caixas-pretas da aeronave só foram achadas em maio de 2011, em uma nova fase de buscas coordenada pelo Escritório de Investigações e Análises (BEA) da França, que localizou a 3,9 mil m no fundo do mar a maior parte da fuselagem do Airbus e corpos de passageiros em quantidade não informada.

Após o acidente, dados preliminares das investigações indicaram um congelamento das sondas Pitot, responsáveis pela medição da velocidade da aeronave, como principal hipótese para a causa do acidente. No final de maio de 2011, um relatório do BEA confirmou que os pilotos tiveram de lidar com indicações de velocidades incoerentes no painel da aeronave.

Especialistas acreditam que a pane pode ter sido mal interpretada pelo sistema do Airbus e pela tripulação. O avião despencou a uma velocidade de 200 km/h, em uma queda que durou três minutos e meio. Em julho de 2009, a fabricante anunciou que recomendou às companhias aéreas que trocassem pelo menos dois dos três sensores - até então feitos pela francesa Thales - por equipamentos fabricados pela americana Goodrich. Na época da troca, a Thales não quis se manifestar.

Fonte: Terra
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