Com a derrota do "sim" no referendo constitucional desse domingo (4), o primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi anunciou, em um pronunciamento do Palácio Chigi, sede do governo, que renunciará ao cargo.
Segundo o premier, ele irá já nesta segunda-feira (5) ao presidente da República, Sergio Mattarella, para entregar sua carta de demissão. Com isso, caberá ao chefe de Estado definir se convoca ou não novas eleições. Com a apuração se encaminhando para o fim, o placar aponta o "não" com cerca de 60% dos votos, contra 40% do "sim".
"Essa experiência de governo acaba aqui. Amanhã [5] reunirei o Conselho dos Ministros e irei ao Quirinale para entregar ao presidente da República minha renúncia. Não fomos convincentes, me desculpem, mas vamos embora sem remorso", disse. Do lado de fora do Palácio Chigi, eleitores do "não" aplaudiram o pronunciamento.
Comovido, o premier ainda agradeceu à esposa e aos filhos e prometeu acolher bem seu sucessor, "quem quer que seja". "Eu queria cortar as poltronas da política, e no fim a que foi derrubada é a minha", acrescentou.
No poder há pouco mais de dois anos e nove meses, Renzi sofreu neste domingo a maior derrota de sua meteórica trajetória política. Em uma campanha eleitoral marcada pelo tom agressivo, ele não conseguiu evitar que o referendo se transformasse em uma consulta popular sobre seu governo.
Até o último momento, o primeiro-ministro tentou convencer os cidadãos a "votarem pensando na reforma", que reduzia o tamanho e os poderes do Senado e modificava a relação entre Estado e regiões. No entanto, não foi suficiente para apagar as promessas de que deixaria a política em caso de vitória do "não".
Mais recentemente, Renzi chegou a dizer que o futuro do governo não estava ligado ao resultado do referendo, porém a pressão por sua renúncia seria muito grande. A consulta também foi marcada pela grande participação popular. Segundo dados do Ministério do Interior, a afluência às urnas foi de 68% dos eleitores, o que aumentou o impacto do resultado sobre o premier.
O referendo havia sido convocado pelo próprio governo, após a aprovação da reforma constitucional pelo Parlamento. Além da redução do número de senadores de 315 para 100, da extinção de seus salários e da diminuição de seus poderes - o que, na prática, enterrava o bicameralismo paritário na Itália -, o projeto de lei eliminava a figura das províncias da Constituição, acabava com o Conselho Nacional de Economia e Trabalho (Cnel) e definia com mais clareza as competências do Estado e das Regiões, transferindo algumas delas para Roma, como a política energética.
Submeter a reforma ao voto popular era uma forma de aumentar a legitimidade de Renzi, um premier que não passou pelo crivo das urnas, e garantir-lhe a tranquilidade necessária para governar até o fim da atual legislatura, em 2018. Durante toda a campanha, os partidários do "não" defenderam que o referendo era uma oportunidade de mandar o primeiro-ministro para "casa", principalmente o Movimento 5 Estrelas (M5S).
Incerteza
Fundado pelo humorista Beppe Grillo, o M5S tornou-se o segundo maior partido do país baseado em uma plataforma populista e antissistema, mas até pouco tempo atrás seu sucesso se restringia a uma significativa representação no Parlamento e ao comando de cidades pequenas e médias.
Em junho de 2015, o movimento deu um salto ao conquistar duas das maiores metrópoles do país, a capital Roma e Turim. Com isso, cresceram na Europa os temores de que uma vitória do "não" no referendo pudesse levar o partido de Grillo ao Palácio Chigi. Nas semanas anteriores ao referendo, líderes europeus vieram a público para defender a reforma constitucional, a começar pela chanceler da Alemanha, Angela Merkel.
A preocupação cruzou o Atlântico e chegou aos Estados Unidos, onde o presidente Barack Obama dedicou o último jantar de gala na Casa Branca a exaltar Renzi. Porém de nada adiantou todo esse apoio angariado no exterior. Assim como Donald Trump superou o establishment político representado por Hillary Clinton, prevaleceu na Itália o desejo de despachar um premier que iniciou a carreira como "reciclador", mas que acabou derrotado pelo desencanto e desejo de mudança que permeia países do mundo todo.
O M5S não é propriamente contrário à presença do país na União Europeia, mas defende sua saída da zona do euro, o que pode representar mais um golpe na estabilidade do bloco e da moeda comum, que já vivem rodeados de incertezas por conta da "Brexit", do avanço da extrema-direita e até da vitória de Trump.
A maioria das pesquisas eleitorais feitas no país mostra que o movimento de Beppe Grillo é o preferido de cerca de um terço do eleitorado, em situação de empate técnico com o centro-esquerdista Partido Democrático (PD), liderado pelo primeiro-ministro. Com isso, suas chances de vencer eventuais eleições são concretas.
O que acontece agora?
Com a renúncia de Renzi, todos os olhos estarão voltados ao presidente da República, Sergio Mattarella, que está a menos de dois anos no cargo e tem pela frente seu maior desafio na vida pública. É sua prerrogativa dissolver o Parlamento e convocar novas eleições, como cobra a oposição.
No entanto, a Itália vive atualmente em um limbo que dificulta a possibilidade de ir às urnas antecipadamente. A atual lei eleitoral do país foi declarada inconstitucional pela Justiça, e aquela aprovada pelo governo Renzi está diretamente ligada à reforma rejeitada neste domingo, já que vale apenas para a Câmara dos Deputados.
Outra opção de Mattarella seria designar alguém para formar um novo governo. Cada vez mais desidratado politicamente, Silvio Berlusconi se disse disposto a patrocinar um gabinete de união nacional. Por outro lado, o M5S, que detém um terço dos assentos do Parlamento, garante que só aceitaria guiar um governo após novas eleições. Além disso, se isso acontecer, a Itália terá seu quarto premier seguido sem passar pelo crivo das urnas, após Mario Monti, Enrico Letta e o próprio Renzi.
O primeiro-ministro também poderia ser encarregado pelo presidente de chefiar um gabinete "técnico" até a realização de um pleito antecipado, provavelmente na primavera europeia de 2017, mas permaneceria o desafio de encontrar uma maioria em um Parlamento dividido em três para aprovar uma nova lei eleitoral antes de ir às urnas. Nesse cenário, Berlusconi poderia ser o fiel da balança.
Também existe o temor de que o resultado do referendo espante investidores e agrave as dificuldades enfrentadas por diversos bancos do país, prejudicando a retomada da economia e do emprego.