A Rússia poderia intervir militarmente na região da Crimeia para garantir seus interesses estratégicos na região? Ou, colocando a pergunta de outra forma, as atitudes da Rússia até agora já são uma forma de intervenção?
Há temores de que a Ucrânia e a Rússia possam entrar em conflito pelo controle da Crimeia. A região de 2,3 milhões de habitantes é parte da Ucrânia, no litoral do Mar Negro, mas muitos lá se consideram russos étnicos e falam o idioma russo.
Na última eleição presidencial ucraniana, a população da Crimeia votou em peso em Viktor Yanukovych, político visto como pró-Rússia e que foi afastado no mês passado após semanas de protestos em Kiev.
Desde então, supostas milícias pró-Rússia invadiram o Parlamento regional da Crimeia, prédios públicos e o aeroporto de Simferopol, a capital da região.
Ninguém sabe ao certo a identidade destes homens armados, mas seus equipamentos, veículos e comportamento dão sinais de que se trata de uma unidade militar treinada, e não apenas um grupo qualquer de ativistas pró-Rússia.
"Estes homens parecem um grupo organizado de tropas. Eles parecem ser disciplinados, confiantes, vestidos em uniformes e equipados", diz Ben Barry, militar especialista em combate terrestre do International Institute for Strategic Studies, entidade de pesquisa baseada em Londres.
A ocupação do aeroporto de Simferopol deu início a uma rotina previsível de ameaças da Rússia às autoridades interinas da Ucrânia. Unidades de combate aéreo foram colocadas na fronteira da Ucrânia e estão em estado de alerta. Exercícios militares foram imediatamente iniciados, demonstrando o preparo das forças russas.
Também houve ameaças econômicas, com o possível aumento de tarifas na fronteira dos dois países, e com retórica elevada de ameaças às minorias étnicas russas na Crimeia.
Até agora, o cenário é parecido com a véspera da invasão russa à Geórgia, em 2008. Naquela ocasião, o Exército da Geórgia "fez um favor" aos russos, ao invadirem eles próprios o enclave da Ossétia do Sul, dando margem à resposta da Rússia.
Mas as comparações se encerram aqui.
A Geórgia era um país pequeno que havia irritado profundamente o regime de Moscou, e nunca teria condições de responder a qualquer tipo de ação militar russa.
Muitos especialistas acreditam que uma invasão de grande escala de tropas russas, como aquela de 2008 na Geórgia, seria impraticável na Ucrânia agora.
Dado o tamanho da Ucrânia e as divisões internas da população, esse tipo de ação só poderia ter um desfecho: uma grave guerra civil.
A pressão russa neste momento tem um objetivo diferente.
O Estado da Ucrânia está perto da bancarrota. O país precisa de financiamento externo. O governo de Moscou sabe que as instituições financeiras do Ocidente precisarão assumir algum tipo de papel no país.
A Rússia quer deixar claro que o governo ucraniano depende tando de Moscou quanto da União Europeia, e que a Ucrânia precisa se equilibrar entre estas duas forças.
A conclusão russa é de que a Ucrânia precisa resistir à tentação de se aproximar da aliança militar ocidental Otan.
A Crimeia é outro assunto. A Rússia sequer precisa invadir o local, pois já possui grande presença lá, alugando instalações junto ao governo ucraniano.
A maior parte da frota russa no Mar Negro está na Crimeia, com um quartel-general na cidade ucraniana de Sevastopol. Militares da Marinha da Rússia já entram e saem da cidade como se fosse um território russo.
Grande parte da população da Crimeia – talvez até mesmo a maioria – é de apoiadores da Rússia. A região abriga muitos militares russos aposentados, e fica geograficamente distante da capital Kiev.
A pressão russa é para que a Ucrânia tenha consciência de que os interesses de Moscou precisam sempre ser preservados em qualquer decisão tomada pelos ucranianos sobre seu futuro econômico e diplomático.