"Essas fotos ainda me machucam", diz Letizia Battaglia, que durante sua carreira tirou algumas das mais conhecidas fotos da escalada da violência da Máfia na Sicília entre os anos 1970 e 1990.
Letizia foi uma das mais conhecidas fotojornalistas da Itália e tirou mais de 600 mil fotos nos tempos em que trabalhou em Palermo, Sicília, em grande parte para a revista L'Ora.
Hoje com 82 anos, ela acabou de publicar uma antologia do seu trabalho e o museu Maxxi em Roma inaugura neste mês uma grande exposição de suas fotos.
Ela ainda vive em Palermo e acompanha as notícias sobre o tema. "A guerra contra a Máfia continua. Às vezes eu digo 'jamais vamos conseguir'. E às vezes eu penso 'não, devemos continuar lutando até a vitória'. Eu mesma não presenciarei a vitória - mas espero que a luta continue com meus netos e bisnetos".
Em entrevista à BBC, ela comentou sobre seu trabalho:
AVISO: Algumas fotos contêm conteúdo gráfico
Esta é uma das fotos mais conhecidas de Battaglia: mostra o momento após o assassinato do então governador da Sicília Piersanti Mattarella, por parte da Máfia. Quem segura o corpo é o seu irmão, o atual presidente da Itália, Sergio Mattarella.
"É impressionante como uma foto pode mudar de sentido com o passar do tempo: essa foto não é mais só sobre o homem assassinado, mas sobre seu irmão", diz Battaglia.
"Para mim, virou um símbolo de esperança. Hoje, o presidente do nosso país tem o combate à Máfia dentro dele, para sempre".
"Eu sempre usei lentes grande angulares, o que significa que para tirar uma boa foto você precisa estar bem próximo", diz Battaglia.
Às vezes perto demais. O homem na foto acima é Leoluca Bagarella, condenado por crimes relacionados à Máfia e por dezenas de mortes. Battaglia estava lá quando a polícia o prendeu em 1980.
"Ele estava muito bravo e quando passou na minha frente me chutou com força. Na verdade eu caí para trás logo depois de tirar essa foto".
Battaglia também é conhecida por seu trabalho com a vida cotidiana em Palermo.
"É apenas uma criança que estava brincando com uma arma de plástico em um bairro pobre em Palermo, Santa Chiara. Ele estava brincando de assassino".
"Para o Dia dos Mortos, os meninos ganhavam armas de seus parentes - mas armas são terríveis. Quando eu trabalhei com política na Sicília, escrevi um manifesto pedindo às pessoas para não darem mais armas de brinquedos a meninos. É preciso dizer: basta".
A foto acima mostra o corpo de um homem assassinado pela Máfia.
"Eu tirei várias fotos nesse lugar, mas essa parecia a mais silenciosa, com o carro com a licença de Palermo, a típica calçada siciliana, a coberta... Você nunca se acostuma a ver crianças, homens e mulheres assassinados, todos os dias, em todos os lugares. Era assim em Palermo. Como uma guerra civil. Eu tenho meus arquivos cheios de pessoas assassinadas".
Battaglia também se concentrou nas cenas de assassinato - como as famílias que iam ver seus entes queridos ou as multidões que se concentravam em volta do cordão de isolamento da polícia.
Na foto acima, dois policiais italianos seguram o filho de uma vítima ao tentar se aproximar da cena.
Frequentemente, dezenas de pessoas cercavam os corpos, lembra Battaglia. Mas também havia uma certa sensação de "normalidade". "Algumas crianças assistiam a isso enquanto comiam sorvete".
Essa é uma foto tirada por Battaglia logo depois do assassinato do juiz Cesare Terranova em uma emboscada em 1979. Seu peito está coberto de sangue, que fica preto nas fotos de Battaglia.
"Eu sempre tirei fotos em preto e branco - eu jamais aceitaria o vermelho do sangue. Eu não queria fazer fotos sensacionalistas, eu queria honrar esse homem".
"Eu me comovo com a pequena mão no assento, próxima do vidro. Essas eram as pessoas que fizeram seu trabalho direito e é por isso que elas foram mortas".
Essa foto foi tirada durante o infame "julgamento de 114" em 1978, durante o qual 114 membros da Máfia foram julgados.
Enquanto os homens nas fileiras de trás cobriram o rosto ao perceber que Battaglia estava tirando fotos, o homem que está à frente, Gaetano Fidanzati, olha desafiadoramente para a fotógrafa."Talvez eles pensaram que poderiam voltar à sua vida criminosa. Ele era o capo (chefe) poderoso, ele não preciava encobrir seu rosto".
A foto mostra o juiz antimáfia Giovanni Falcone no funeral do chefe da polícia de Palermo, Carlo Alberto dalla Chiesa, assassinado em 1982.
Dez anos mais tarde, o próprio Falcone, sua mulher e três de seus seguranças foram mortos em um ataque com explosivos, um momento decisivo para o sentimento público contra a máfia.
"Eu amava Giovanni Falcone. Ele era alguém que queria nos salvar", diz Battaglia. Ao olhar as fotos, ela diz: "eu jamais imaginei que um dia ele mesmo seria morto. Ainda não sabemos quem o fez e ainda estamos pedindo justiça".
O aumento da violência relacionada à Máfia no começo dos anos 1990 fez crescer a oposição à base do crime organizado na Sicília. Vários protestos contra a Máfia aconteceram em Palermo, como o que a garotinha acima compareceu.
"Eu geralmente não sou muito boa em fotografar a dor e a raiva do movimento antimáfia", diz Battaglia. "Mas essa menina é o símbolo do futuro, do desejo de lutar contra a Máfia".
Todas as fotos são © Letizia Battaglia do livro Antologia, publicado pela editora Drago.