Longe das autoridades de diferentes correntes partidárias e de chefes de Estado do mundo todo, liberdade era a palavra mais ouvida entre a população francesa. Em um país que declarou a República há mais de 225 anos, o ataque ao semanário Charlie Hebdo - que deixou 12 mortos - motivou uma massa de cerca de 1,5 milhão de pessoas que se abarrotaram nas ruas de Paris neste domingo para defender um de seus principais valores, a liberdade de expressão. Em toda a França, foram cerca de 3,7 milhões que marcharam contra o terrorismo.
A movimentação na capital francesa começou na praça da República, onde jovens passaram a subir no monumento de Marianne, figura que representa a república francesa, onde estão grafadas as palavras Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Bandeiras da França foram levantadas no monumento e receberam a companhia de símbolos de outros países.
“Charlie, Charlie” era um dos gritos dos presentes, até que passaram a cantar "La Marseillaise", hino nacional francês. Numerosos, os cartazes 'Je Suis Charlie' (na tradução 'Eu Sou Charlie') se espalharam por toda a praça e arredores. Nas ruas mais próximas da République, era impossível se mover enquanto a caminhada não começava.
A caminhada, que foi iniciada pelo presidente da França, François Hollande, e outros líderes mundiais, como Angela Merkel (Alemanha), David Cameron (Reino Unido). Também estiveram presentes diferentes correntes políticas da França, da a direita, com Nicolas Sarkozy, até a extrema-exquerda, com Jean-Luc Mélanchon.
A imensa mobilização passou pela Bastilha e terminou na praça da Nação, onde familiares das vítimas foram recebidos com silêncio e aplauso. Depois, o hino francês foi novamente entoado pela multidão, uma marcha que antes pregava a guerra, agora prega a união e a paz entre os povos.
A presença massiva demonstrou também uma afirmação dos franceses em defesa da nação, em vez de expressar o medo ao terror. Nas ruas, a principal defesa da voz das ruas era pela livre expressão e pela liberdade de culto, como relatam os manifestantes.
“A liberdade de expressão deve continuar”
"Meu desenho é para mostrar que a liberdade de expressão deve continuar. É um lápis apontando para o céu. E a liberdade de expressão está apontando para baixo. Estou triste e espero que o mundo inteiro mostre os desenhos de Wolinski, Charb, Cabu e dos outros, porque é muito importante que o mundo veja como eles viam o mundo." (Fernando Diniz/Terra)
Grabielle Dizder, grafista
“A República está de pé”
"Penso que neste momento difícil que a gente vive, o valor principal da República é a liberdade de expressão. Ela foi atacada, mas prova nesta loucura é que a República está de pé. É importante que estejamos aqui, para nos sentirmos juntos. Esses brutamontes que fizeram isso, nós não vamos deixar eles com medos. É por nós isso! Quando você é artista e pintor, e quando seus colegas morrem porque desenharam, não podemos deixar de nos mobilizar. Até mesmo atuar em memória deles, para respeitar a memória deles e sua coragem de se expressar contra o obscurantismo."
Jean-Marc Paumier, ou Rue Muert d’Art (pseudônimo), pintor
“Não importa a religião”
"Seja qual for nossa religião, não importa. Somos todos franceses. Estamos todos juntos. Hoje estamos todos unidos por esse sentimento de liberdade. E a religião, claro que tem uma importância, mas frente a esse tipo de acontecimento, conta muito pouco. Os muçulmanos, os judeus, ateus, todos juntos. Não tenho religião, mas sei que hoje estão todos juntos. Todos pela liberdade, igualdade e fraternidade."
Nils, francês, estudante do Ensino Médio
“Eu resisto ao facismo”
"Não temos que sentir medo, devemos continuar a fazer tudo que fazemos, como enfrentar os islamistas. Não temos que sentir ódio, porque não é o ódio que me motiva. Mas a resistência, sim. Porque eu resisto ao facismo."
Nadia El Fani, cinesta tunisiana
“Viemos à marcha pela liberdade de expressão”
"Voltaire disse: não concordo com o que você pensa, mas vou até o fim pelo direito de você dizê-las. Na história francesa, há muitas pessoas que foram mortas pelo direito de expressão, e Voltaire é um dos mais conhecidos da literatura francesa. Viemos à marcha pela liberdade de expressão. Nem preciso estar sempre de acordo com o humor de Charlie Hebdo, aprecio seu humor irônico... mas não é porque não estamos totalmente de acordo com alguém que não devemos defendê-lo."
Domenique, aposentado
“Charlie é contrário aos facistas”
"O Charlie Hebdo é humanitário, é contrário aos facistas. É laico, democrata. Por isso que eles satirizavam o Estado Islâmico também. Eles não querem lá os curdos lá. Eles massacraram os curdos."
Gunel Mammet, militante curdo na marcha
"Esse tipo de coisa não tem relação com o Islã"
“A Turquia é um dos raros países muçulmanos laicos e lá nós condenamos esse tipo de coisa, que não tem nada a ver com o Islã. É muito importante separar o Islã do Islamismo. Eles cometem, em nome do Islã, crimes.
Demir Fitrat, presidente de um conselho de turcos em Paris