Após oito anos como presidente dos Estados Unidos, Barack Obama será substituído no dia 20 de janeiro de 2017 por Donald Trump, que durante a campanha eleitoral prometeu desmantelar todas as políticas emblemáticas que ficariam como legado do atual mandatário.
Os nomes anunciados para o futuro gabinete parecem confirmar a intenção de Trump de reverter o que muitos viram como avanços nas área de saúde - como o programa Obamacare -, combate à mudanças climáticas e política externa.
Do seu lado, Obama segue, mesmo que há poucas semanas de sua saída, levando adiante iniciativas que vão de encontro a planos de seu sucessor.
Esta semana, por exemplo, seu governo tentou tomar as rédeas das iniciativas internacionais para pressionar Israel a fechar um acordo com os palestinos.
O processo de paz na região praticamente empacou nesses oito anos, em parte pela relação pouco amistosa entre Obama e o primeiro-ministro de Israel, Benyamin Netanyahu.
Com abstenção dos EUA (que dessa vez não votou contra), o Conselho de Segurança da ONU aprovou na sexta-feira passada uma resolução exigindo que Israel imediatamente "cesse todas as atividades de assentamento no território palestino ocupado, incluindo na Jerusalém Oriental".
A resolução deixa claro que, na visão do órgão, os assentamentos de Israel em território palestino são ilegais de acordo com leis internacionais e inviabilizam uma solução pacífica para os dois povos.
Segundo informações da mídia, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, deve apresentar nesta quarta-feira as linhas gerais da proposta americana de um acordo de paz israelense-palestino, com a ideia de levá-lo para apreciação - e aprovação - de um encontro em Paris de ministros do exterior no dia 15 de janeiro - cinco dias antes da posse de Trump.
Essa reunião seria o passo derradeiro do governo Obama no sentido do que Julian Borger, editor de relações internacionais do jornal britânico The Guardian, chama de "reforçar a estratégia (internacional) de isolar Netanyahu para pressioná-lo a retomar negociações com os palestinos".
O governo Netanyahu reagiu dizendo que apresentará ao governo Trump "provas irrefutáveis" de que o governo Obama "conspirou" nos bastidores contra os interesses de Israel.
Meio ambiente e Guantánamo
Como inciativa de reta final de governo na área do meio ambiente, o presidente americano utilizou uma lei antiga, que existe há mais de 60 anos, para limitar indefinidamente a exploração de petróleo e gás em partes do Ártico e do Atlântico Norte.
Também informou ao Congresso que pretende transferir 18 dos 59 presos que ainda estão em Guantánamo para outros países, entre eles, Itália, Omã, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos.
As duas decisões são sobre assuntos em que Obama e Trump têm posições completamente opostas.
Se Obama aposta na luta contra a mudança climática e nas restrições à emissão de gases que causam o efeito estufa, Trump disse que derrubaria restrições à exploração de petróleo nos EUA.
Se Obama quis - sem conseguir - fechar a prisão de Guantánamo, Trump disse que vai lotar a mesma com "caras maus".
A insistência de Obama nessa reta final de mandato, no entanto, não é por acaso.
Segundo a rede de TV americana CNN, que citou fontes do governo, Obama instruiu sua equipe a fazer um levantamento das principais áreas do governo que podem ser protegidas da chegada de Trump à Casa Branca.
"É comum que um presidente faça coisas para impedir que o sucessor execute o contrário, embora ele saiba que qualquer medida aprovada com uma canetada pode ser desfeita da mesma forma por quem o sucede", disse Jeffrey Engel, diretor do Centro de História Presidencial da Southern Methodist University, que fica em Dallas, Texas.
"Os presidentes que são sucedidos por alguém que fez campanha prometendo desfazer o seu legado têm uma tendência maior a fazer mudanças mais dramáticas", acrescentou, em entrevista à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
O especialista destacou ser comum que os governantes na fase final na Casa Branca tentem corrigir situações antes que o novo governo comece.
Este seria o momento em que geralmente presidentes costumam rever assuntos que vão ficar como seu legado pessoal.
"Não creio que Obama esteja trabalhando mais intensamente nisso do que os governantes anteriores", disse Engel.
Responsável até o fim
Embora nos EUA os presidentes em fim de mandato sejam chamados de "patos mancos" - numa referência à queda da sua influência por estarem com os dias contados na Casa Branca - legalmente eles mantêm todos os poderes até entregarem o cargo ao sucessor.
A responsabilidade presidencial continua existindo até o último minuto, como pôde verificar o então presidente Ronald Reagan, que horas antes de entregar o cargo ao sucessor, George Bush, foi impedido de passar à equipe do novo governo as chaves e códigos que controlam o arsenal atômico americano.
"Colin Powell, que então era o assessor para Segurança Nacional, lembrou que Reagan continuava sendo presidente até a hora da cerimônia de posse", disse Engel.
Por isso, é normal que durante as últimas semanas no cargo os governantes sigam tomando decisões, algumas polêmicas.
O presidente George Bush, por exemplo, se preocupou em criar leis sobre temas ambientais, assim como acordos com a China que considerava importantes.
"É preciso lembrar que uma das decisões mais importantes que Bush pai tomou na política externa foi mandar tropas americanas para a Somália. E foi tomada depois que ele perdeu a eleição para Bill Clinton", continua Engel.
"Ou seja, é perfeitamente possível um governo nos seus últimos dias colocar o país em maus lençóis na política externa".
O que Obama pode fazer?
"Acho que o presidente Obama estará buscando formas de assegurar o progresso que fez nos assuntos ambientais e nas relações internacionais", disse o escritor Michael D'Antonio, autor de The Legacy of Barack Obama - A Consequential President (não lançado no Brasil).
"Isso pode incluir passos como a decisão de proteger o Atlântico Norte da exploração de petróleo, assim como inesperados avanços diplomáticos", acrescentou.
Engel, por sua vez, acredita que Obama deve manter um certo controle e evitar a tentação de ir longe demais.
"Tenho certeza que Obama está interessado - como todos os presidentes - em preservar o seu legado, mas como advogado constitucionalista, ele entende que tudo o que fizer também poderá ser desfeito pelo seu sucessor. Não tenho visto sinais de que ele esteja disposto a fazer mudaças dramáticas", destacou.
O especialista acha que a recente decisão de proibir a exploração de petróleo no Ártico é simbólica e pequena, quando se analisa o contexto, porque ainda há muitos locais onde a extração é permitida.
"No fim do seu mandato, o presidente George W. Bush aprovou uma lei similar para proteger novas áreas da pesca predatória", lembrou.
D'Antonio, por sua vez, acredita que Obama deve estar abrindo caminho para um papel fora da Casa Branca com uma agenda interna e global.
"Ambas (as agendas) devem estar voltadas para o tema da democracia. No momento, a vida cívica está sob pressão dentro e fora dos EUA e acho que ele está muito preocupado com isso".
O escritor também acredita que seja possível que o presidente americano tente chegar a algum entendimento com o seu sucessor "pelo bem do país".
"Desconfio que Obama acha que Trump está pouco preparado e que precisa de assessoria", disse.
Engel crê que, durante as semanas que ainda lhe restam, Obama trabalhará no seu discurso de despedida.
"Ele é um dos melhores escritores que já passaram pelo Salão Oval desde Theodore Roosevelt e, por isso, imagino que esteja trabalhando muito para que as últimas palavras sejam realmente suas", disse.
Mas, além, do discurso, é possível que Obama tenha preparado alguma decisão surpresa para ser anunciada antes de deixar a Casa Branca?
"O atual ambiente político nos ensina que devemos sempre estar esperando surpresas", concluiu Engel.