França se mantém dividida, apesar de manifestação pública de união

12 jan 2015 - 09h20

Hugh Schofield

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Foto: BBC Mundo / Copyright

Da BBC News em Paris

O ímpeto de se manifestar é o ímpeto de reafirmação mútua. Quando coisas terríveis acontecem, primeiro corremos para nos proteger. Depois, reaparecemos para mostrarmos, uns aos outros, que ainda estamos vivos. Provavelmente, era isso que os homens das cavernas faziam quando tigres passavam.

Na semana passada, em Paris, muitas pessoas sentiram o instinto de se refugiar em casa. A morte estava nas ruas.

Em algum momento na quinta-feira, ouvimos que os irmãos Kouachi estavam dirigindo de volta a Paris. Havia atiradores da polícia às portas da cidade. Algo instintivo, como um sentimento de preservação, disse: fique com seus entes queridos.

Mas, então, tudo acabou. E, agora, o ímpeto é de retornar às ruas e reocupar o espaço.

Foi esse o sentimento durante as cenas extraordinárias de domingo, comparadas às demonstrações da libertação em 1944.

A relação é adequada não apenas nos números, mas também em como, naquele momento, homens e mulheres franceses deixavam uma marca: a França é nossa.

Mas as pessoas se manifestam também porque estão com medo. Se manifestam por causas que elas sentem estar sob ameaça. Demonstrar revela nossa insegurança. Demonstramos por desejar a esperança que emerge ao saber que há outros que se sentem como nós.

Na França, a unidade nacional foi o tema da grande marcha de domingo. Mas, apesar disso, esta unidade nacional não é uma garantia, ao contrártio do que a grande comoção tende a sugerir.

'Je suis Kouachi'

Quer um contraponto sombrio ao sentimento vigente? Veja a página "Je ne suis pas Charlie" no Facebook - "Não somos Charlie", adaptação à frase que tornou-se a marca da reação ao ataque à Charlie Hebdo. Ela recebeu mais de 21 mil curtidas nos últimos dias.

Franceses muçulmanos são a maioria entre os que curtiram a página e não apóiam a violência. A grande maioria não tem nenhuma relação com os Kouachis e Coulibaly. Mas eles também deixam claro que não participarão de nenhum movimento nacional que apoie aqueles que insultaram o profeta Maomé.

Eles expressam revolta ao que veem como dois pesos e duas medidas. Por que tanto barulho sobre os 17 mortos, quando milhares de pessoas morreram em Gaza e na Síria?

Por que está tudo bem quando a Charlie Hebdo zomba o Islã e o polêmico comediante Dieudonne M'Bala M'Bala é processado por ridicularizar os judeus? Por que um é definido como "incitação ao ódio" e o outro não?

Nas escolas das periferias, bolsões de imigração, o minuto de silêncio na quinta-feira em memória às vítimas da Charlie Hebdo foi interrompido por alunos ou simplesmente não respeitado.

A France-Info - a estação de rádio de notícias que normalmente minimiza a dissidência nas periferias - divulgou uma extensa reportagem sobre o assunto, com falas de professores revoltados.

E se você realmente quiser se chocar, há a hashtag #Je suis Kouachi, que foi rapidamente um dos assuntos mais comentados no Twitter no sábado.

Tudo isso só prova que há muitos franceses que sentem que sua ligação principal é ao Islã e não aos valores do iluminismo da Europa após o século 18.

Apesar das manifestações de protesto aos ataques ter tido participação de mais de 3 milhões de pessoas, a França pode continuar desunida

Eles sentem uma sensação constante de humilhação e, onde eles podem, contra-atacam. Normalmente, em pequenos atos de insubordinação. Mas, às vezes, em terror.

Assim, a França não está unida, e o perigo é real.

Mas é por isso que as manifestações são importantes. As pessoas participam porque elas funcionam. Ver tanta gente - de todas as crenças e origens - unida em torno de uma única ideia foi de fato um movimento e experiência edificantes.

No final de uma semana horrível, a moral está de volta. Por um tempo, pelo menos, nos reafirmamos.

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