Gigantes de tecnologia colocam UE na defensiva na nova era Trump

Big techs dos EUA estão se posicionando contra bloco

16 jan 2025 - 12h49
(atualizado às 12h53)

A Comissão Europeia reafirmou seu compromisso de aplicar as leis da União Europeia e obrigar as plataformas de mídia social a respeitar os direitos dos cidadãos depois que uma onda de críticas de chefes de tecnologia dos Estados Unidos colocou o bloco na defensiva.

    Não importa sua origem ou "onde estejam estabelecidas", as empresas que oferecem serviços na UE devem cumprir a legislação do bloco, declarou Thomas Regnier, porta-voz da comissão para soberania tecnológica, a repórteres em Bruxelas na última terça-feira (14).

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    A resposta do braço executivo da UE, responsável por aplicar as leis digitais do bloco, foi dada após o dono da Meta, Mark Zuckerberg, acusar a Europa de protecionismo e "censura" e aumentar a pressão sobre o bloco após intervenções do bilionário Elon Musk na Alemanha e no antigo Estado-membro da UE, o Reino Unido, na semana passada.

    Em uma entrevista com o popular podcaster dos EUA, Joe Rogan, na última sexta-feira (10), Zuckerberg pediu ao presidente eleito dos EUA, Donald Trump, que defendesse as principais empresas de tecnologia do país contra as sanções da UE.

    Na ocasião, Zuckerberg afirmou que a UE multou as empresas de tecnologia "em mais de US$ 30 bilhões nos últimos 10 ou 20 anos", argumentando que sua política em relação às companhias era "quase como uma tarifa alfandegária".

    Os reguladores europeus multaram a "empresa-mãe" do Facebook, Meta, em bilhões de euros por violar as regras de proteção de dados e concorrência nos últimos anos.

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    Por sua vez, Zuckerberg ecoou os comentários de Musk, o proprietário do X e um aliado próximo de Trump, que criticou a Lei dos Serviços Digitais (DAS), uma legislação histórica da UE que regulamenta o conteúdo digital e as plataformas de mídia social.

    Bruxelas rejeita as acusações de Zuckerberg, mas deixou seu arsenal legal para mirar nas maiores plataformas digitais do mundo guardado por enquanto, aparentemente por medo de irritar a nova liderança dos EUA, depois que Trump foi eleito pela segunda vez.

    "As plataformas de mídia social desempenham um papel importante na vida diária das pessoas, mas elas também têm enorme importância e influência social e econômica", escreveu Henna Virkkunen, comissária europeia para a Soberania Tecnológica, no X.

    "Na Europa, queremos criar um ambiente digital seguro e justo", acrescentou ela, destacando que a tarefa da UE é garantir que os direitos dos cidadãos sejam respeitados e que a legislação do bloco seja cumprida.

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    O comentário de Virkkunen foi a primeira resposta em defesa contra os ataques de Zuckerberg, mas a comissária se absteve de fazer qualquer referência direta ao proprietário da Meta e de criticar sua empresa diretamente.

    A entrevista de Zuckerberg com Rogan ocorreu alguns dias após o grupo Meta anunciar que estava abandonando a verificação de fatos de terceiros nos EUA e que recorreria a um modelo conhecido como "Community Note", popularizado pelo X, onde os próprios usuários moderam e desmascaram mentiras.

    A decisão da Meta de acabar com a verificação de fatos nos EUA - que especialistas em desinformação temem que possa abrir as comportas para narrativas falsas - também não provocou uma grande resposta do braço executivo da UE até agora.

    O silêncio da Comissão faz parte de um padrão: ela se manteve resolutamente fora da briga enquanto o aliado de Trump, Musk, incitava os líderes europeus com uma série de explosões incendiárias sobre migração, crime e liberdade de expressão.

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    No entanto, a autoridade de Bruxelas contradisse as declarações feitas por Alice Weidel, líder do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), em conversa com Musk no X, sobre a vigilância de sua interação na plataforma por mais de 100 funcionários da UE sob a DSA.

    Weidel destacou que 150 burocratas da UE ouviriam a conversa "para aplicar essa lei ridícula sobre serviços digitais". "Isso não é nada mais do que censura à liberdade de expressão", afirmou Musk.

    Para um porta-voz da Comissão, "isso é errado", principalmente porque não era uma questão de monitorar o conteúdo da transmissão ao vivo ou reagir a ele, em vez disso, dois ou três funcionários monitorariam os sistemas que transmitiam e publicavam a transmissão ao vivo.

    Esses sistemas incluiriam o algoritmo de uma plataforma ou sistemas de recomendação, por exemplo. No total, de acordo com a Comissão, há cerca de 150 funcionários trabalhando em todos os aspectos da aplicação da DSA, não apenas nesta transmissão ao vivo.

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    Já o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, alertou sobre a ascensão da "extrema direita internacional" liderada "pelo homem mais rico do planeta", em referência a Musk, no 50º aniversário da morte de Francisco Franco, o antigo ditador autocrático do país.

    Sánchez foi altamente crítico do bilionário americano e lamentou seus ataques às instituições democráticas, sua incitação ao ódio e pedidos de apoio na Alemanha para o AfD.

    Em contraste com o braço executivo da UE, os legisladores europeus, receosos de que a vitória de Trump pudesse fazer com que Bruxelas hesitasse em aplicar novas leis de tecnologia, aumentaram a pressão sobre a Comissão.

    Na última medida, a eurodeputada francesa Stéphanie Yon-Courtin escreveu à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pedindo a Bruxelas que "não tremesse" sob pressão americana.

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    O ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Noel Barrot, pediu à Comissão que aplicasse, "com a maior firmeza, as leis que nós demos para proteger nosso espaço público" ou então revertesse os poderes de volta aos estados-membros da UE para fazê-lo.

    Por sua vez, o ministro espanhol de Assuntos Digitais, Óscar López, alertou em uma entrevista que o X "é muito mais poderoso" do que outros meios de comunicação e que Musk usa sua rede social "como bem entender". "Onde estão os limites, quem regula, como você regula?", questionou.

    A "reticência" recém-descoberta não se limita a Meta ou ao X. No dia da eleição dos EUA no ano passado, surgiram notícias de que a Apple enfrentaria uma multa sob a nova legislação de concorrência de tecnologia do bloco, a Lei de Mercados Digital (DMA, na sigla em inglês), mas dois meses depois, a penalidade ainda não chegou.

    Fontes próximas ao assunto disseram que o gabinete de von der Leyen congelou os planos de multar a Apple, temendo que qualquer sanção pudesse prejudicar os frágeis laços transatlânticos sob Trump.

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    O contraste é marcante com empresas de fora dos Estados Unidos. Em dezembro, a Comissão abriu uma investigação sobre o TikTok, de propriedade da gigante chinesa do entretenimento ByteDance, após alegações de que a plataforma foi usada pela Rússia para influenciar o resultado da eleição presidencial posteriormente anulada da Romênia.

    As preocupações sobre o TikTok se estendem para fora da UE.

    Na Albânia, o governo proibiu a plataforma de vídeos por um ano em dezembro. O primeiro-ministro albanês, Edi Rama, declarou, inclusive, que essa rede social incitou a violência e o bullying entre adolescentes do país.

    Os reguladores europeus também estão investigando o X desde dezembro de 2023, mas os laços estreitos de Musk com Trump levantaram questões sobre como a UE lidará com sua plataforma e suas suspeitas de violações da DSA, o que pode levar a multas.

    No entanto, Musk tem apoio de outros estados-membros da UE e a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, rejeitou as críticas de que ele seria uma ameaça à democracia.

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    "O problema [com Musk] é que ele é rico e influente ou que ele não é de esquerda?", declarou Meloni durante entrevista coletiva em Roma. "Vi vários casos, muitas vezes contra mim, e ninguém ficou escandalizado", acrescentou.

    Com a briga UE-EUA na nova era Trump, os reguladores da UE terão que entrar no ringue rapidamente. De acordo com a Bloomberg, as autoridades chinesas estão avaliando a possibilidade de Musk adquirir as operações do TikTok nos EUA, caso a popular plataforma seja banida no território norte-americano até o final da semana.

    Os Estados Unidos aprovaram uma lei no ano passado que exige que a ByteDance venda o TikTok até 19 de janeiro de 2025, ou enfrentará uma proibição no país onde o aplicativo tem 170 milhões de usuários.

    O caso foi até a Suprema Corte dos EUA, que ouviu argumentos de ambos os lados na sexta-feira passada: Washington diz que quer evitar os riscos de espionagem e manipulação por Pequim, enquanto a rede social e suas associações acusam a lei de sufocar a liberdade de expressão. Uma clara maioria de juízes estava disposta a autorizar a proibição.

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    O governo chinês e a ByteDance sempre se opuseram abertamente à venda da parte americana do TikTok. Mas "altos funcionários chineses já começaram a discutir planos de contingência para a plataforma, como parte de uma ampla discussão sobre como trabalhar com a administração de Trump, uma das quais envolve Musk", afirmaram fontes confidenciais à Bloomberg. .

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