Guerra na Ucrânia: a situação na linha de frente dos ataques às trincheiras russas

A BBC acompanhou uma brigada ucraniana que está combatendo os russos na linha de frente da guerra.

19 jun 2023 - 07h48
Os combates nas áreas recentemente retomadas foram brutais
Os combates nas áreas recentemente retomadas foram brutais
Foto: BBC News Brasil

Duas semanas desde o início da contra-ofensiva, a Ucrânia vem obtendo vitórias modestas, mas constantes, em três áreas de ataque na linha de frente de mil km.

As tropas no front estão realizando ataques de sondagem, enquanto a maioria das forças da Ucrânia está sendo mantida na reserva, esperando por uma abertura grande o suficiente nas defesas russas para lançar um ataque maior e tentar recapturar terras tomadas pelos russos no sul do país.

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A luta tem sido dura, com grandes baixas de ambos os lados — que estão reivindicando vitórias. O avanço da Ucrânia no sul de Donetsk está oscilando.

A BBC juntou-se à 68ª Brigada Jaeger enquanto suas forças de combate buscavam expandir seu controle ao leste da vila de Blahodatne, que foi recentemente recuperada.

A brigada está de olho em uma série de trincheiras que protege as forças russas nos topos das colinas próximas.

Sob fogo pesado

Os homens de uma unidade especializada em drones pegam câmeras, enrolam cabos e carregam uma caminhonete com latas de munição, caixas de granadas de fumaça e cartuchos de balas capazes de perfurar a blindagem de veículos.

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Além deles, há poucos sinais de vida em Blahodatne. Em uma estrada, os destroços de dois veículos blindados de fabricação americana estão encalhados, um deles com o chassis queimado. Nos campos adiante, há mais desses veículos abandonados.

Veículos destruídos são parte da paisagem ao redor de Blahodatne
Foto: BBC News Brasil

"Afaste-se deles, os russos continuam disparando contra eles", somos avisados.

A Rússia deu grande destaque à destruição de tanques e veículos doados pelo Ocidente à Ucrânia — mesmo que Vladimir Putin tenha admitido que os russos perderam dezenas de tanques desde o início da contra-ofensiva em 5 de junho.

As tropas estão atacando em três pontos: Bakhmut, onde avançam para o norte e para o sul da cidade, que permanece firmemente sob controle russo; sul de Zaporizhzhia; e no sul de Donetsk, onde várias aldeias foram retomadas.

Blahodatne é um desses pontos. Outra rajada de tiros chega e os soldados se abrigam no porão de uma casa em ruínas.

Uma passagem de chão de terra é iluminada com lamparinas a óleo, lançando uma luz amarela suave até um fogão de pedra e ferro com três panelas. Toalhas estão penduradas em um varal. Uma porta rústica de madeira se abre e, com um lenço na cabeça, Nina Fedorivna aparece.

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Ela está morando aqui há um ano. Soldados russos vieram apenas uma vez, diz ela.

Ela nunca, por um segundo, pensou em abandonar o vilarejo.

Nina Fedorivna se recusa a abandonar Blahodatne
Foto: BBC News Brasil

Com o fim dos disparos, saímos por uma viela nos fundos da casa dela. Três cadáveres russos jazem em uma vala pouco além da horta de Nina Fedorivna. Próximo a eles, um caminhão com o símbolo Z, que foi usado pelas forças russas, está abandonado, crivado de balas e estilhaços. A luta aqui foi intensa.

Por toda a aldeia, as rosas estão florescendo — mas o cheiro de cadáveres fica preso no fundo da garganta.

Não há tempo a se perder — os soldados têm um ar de concentração e propósito. Eles estão claramente se preparando para algo.

Eles seguem para o leste, deixando Blahodatne para trás. O comboio de dois carros está bem espaçado em caso de ataque russo. Os campos ao redor estão fortemente minados. Postes com marcas de fita vermelha e branca sinalizam o caminho limpo.

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Quando nos aproximamos de outro veículo blindado americano abandonado, há uma explosão. É provável que seja de um drone russo.

Eu estive nesta área em março. Naquela época, as linhas de frente mal haviam se movido por alguns metros em meses. A Rússia estava usando muito mais artilharia do que as forças ucranianas, que se protegiam em trincheiras esperando o fim dos ataques. Na época, um comandante me disse que eles estavam guardando suas munições para a contra-ofensiva. Mas agora, durante a visita este mês, as armas ucranianas não pararam nos dois dias em que estive na brigada.

Os carros aceleram para uma rede de trincheiras escondidas em uma fileira de árvores. Lá, o comandante da companhia, sargento sênior Andrii Onistrat, de 49 anos, comanda seus homens em sua próxima missão — um ataque ucraniano está planejado para o dia seguinte nas trincheiras russas, a 3 km de distância, no sopé das colinas ao sul.

Em sua tentativa de ampliar a frente, seções da 68ª Brigada atacarão do leste de Blahodatne e Makarivka, através de campos minados e diretamente na linha de fogo russa.

O sargento Onistrat revisa os protocolos de comunicação e alvos da equipe de drones. A seção perde até cinco drones por dia. Bronzeado e com um sorriso branco brilhante, ele olha para seus homens e dá uma ordem final: "Sorria! Por que vocês estão tão sérios? Estamos vencendo a guerra."

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Nas trincheiras

Vinte e quatro horas depois, a maioria dos mesmos homens está em um abrigo abafado. O ataque está em andamento.

Pelas câmeras de vigilância, vejo dois veículos blindados avançando lentamente pelo campo minado. Drone após drone é enviado para cima das posições russas lançando granadas de fumaça, criando uma cortina de fumaça ao longo das trincheiras ocupadas pelos russos para permitir que os veículos avancem e confundam as armas antitanque inimigas. Enquanto observo, projéteis ucranianos atingem repetidamente a linha das árvores.

Yuri, um jovem soldado apelidado de "Frisbee", corre para dentro e para fora do abrigo, trocando as baterias dos drones, enquanto vozes berram ordens. Mosquitos estão devorando os homens, mas ainda assim "Frisbee" tira a camisa por causa do calor.

O inimigo não está dando trégua. Quando estou do lado de fora, um ataque russo cai perto o suficiente para jogar terra na trincheira. Outro soldado, Zheka, assiste a tudo, de óculos escuros e sem armadura corporal.

Outro projétil russo cai perto e me joga no chão. Eu olho para cima e Zheka sequer se encolheu. Ele grita em inglês — palavrões dirigidos aos russos — e aponta dois dedos do meio para o ar. Rajadas de foguetes Grad chovem sobre as posições ucranianas.

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Forças ucranianas usam drones para lançar granadas de fumaça perto das posições russas
Foto: BBC News Brasil

Mais amplamente, a contra-ofensiva é dificultada pela falta de poderio aéreo ucraniano. O Ocidente prometeu caças F-16, mas eles só chegarão no final do ano.

Nas trincheiras, outro soldado, Yaroslav, explica: "Helicópteros russos, jatos russos disparam em todas as áreas, todos os dias". Ele é interrompido por novos ataques russos. "Vá para o abrigo, boa sorte", diz ele.

Quando, em 3 de junho, o presidente Volodymyr Zelensky anunciou que a Ucrânia estava pronta para a contra-ofensiva, ele mencionou a superioridade aérea russa e alertou que muitas vidas ucranianas seriam perdidas. E assim tem sido para a 68ª Brigada.

O sargento Onistrat diz que isso pesa muito sobre ele. "A gravidade do dia depende apenas de uma coisa — o número de pessoas que perdemos. A última semana foi extremamente difícil. Perdemos um grande número de pessoas."

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Na cabeça ele usa um capacete balístico pequeno. Eu menciono isso e ele começa a chorar. "Era do meu filho", diz ele.

Ostap Onistrat, de 20 anos, foi morto em um ataque de drone não muito longe de onde falamos, alguns dias antes do início da contra-ofensiva. Ele estava no exército há um ano.

Seu pai ainda está no auge da dor. "Um drone kamikaze o atingiu diretamente. Era impossível reconhecê-lo. Ele foi enterrado em um caixão fechado", conta o sargento Onistrat.

Onistrat perdeu seu filho Ostap (à direita) poucos dias antes do início da contra-ofensiva
Foto: BBC News Brasil

Como ele consegue seguir lutando, eu pergunto. "Eu assumi um compromisso. Estamos aqui para vencer. Não para sentar, não para fugir. Eu acho que cada pessoa aqui deve fazer seu trabalho profissionalmente. Não há nada de heróico nisso. Só tenho que terminar este trabalho."

Quando pergunto se ele busca vingança, ele responde com firmeza: "A vingança é um pecado".

"Minha tarefa é encerrar esta história. Quero participar do desfile da vitória. Quero que vençamos e quero perder menos pessoas."

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Quando nos despedimos da frente de guerra, a ofensiva ainda em curso. Mais tarde, recebi uma mensagem dizendo que eles haviam tomado as posições russas.

Voltando ao posto de comando, o carro do sargento Onistrat que nos escolta desvia e para repentinamente. Ele, junto com outros, sai rapidamente do veículo. Eu me pergunto se nós também precisamos nos proteger.

Então vejo o que chamou a atenção deles: cerejeiras.

Como crianças, eles riem despreocupados por um momento enquanto pegam punhados da fruta vermelha escura dos galhos sombreados. O fogo de artilharia e morteiros continua a martelar as posições russas na encosta.

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