À medida que a invasão russa da Ucrânia avança, o governo do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky corre contra o tempo para encontrar uma maneira de financiar a defesa do país.
O cenário é complexo: os ucranianos têm menos soldados e arsenal menor, com uma capacidade aérea muito inferior. Além disso, os russos recentemente fizeram um investimento significativo de modernização do seu poder militar.
Soma-se ao problema o fato de que a economia da Ucrânia está paralisada pela guerra, com o governo tendo pouca receita e com preços subindo vertiginosamente.
Neste contexto, o Ministério das Finanças ucraniano anunciou nesta semana que vai recorrer a um antigo instrumento financeiro para apoiar as suas tropas: o chamado "título de guerra", um tipo de título do governo emitido em tempos de conflito.
"Em um momento de agressão militar da Federação Russa, o Ministério das Finanças oferece a cidadãos, empresas e investidores estrangeiros o investimento em títulos militares do governo", disse o ministério por meio de sua conta no Twitter.
In the time of military aggression of the Russian Federation, the Ministry of Finance offers citizens, businesses and foreign investors to support the budget of Ukraine by investing in military government bonds. pic.twitter.com/7P7AkxmTaD
— MinFin UA (@ua_minfin) February 28, 2022
Conforme especificado pelo governo Zelensky, cada título terá um valor nominal de 1.000 grívnias ucranianas (R$ 170,50) e a taxa de juros "será determinada em leilão".
"Os rendimentos dos títulos serão usados para atender às necessidades das Forças Armadas ucranianas", acrescentou a pasta.
Em reunião com investidores estrangeiros, a pasta também tentou acalmar o mercado, dizendo que o país não deixará de pagar suas dívidas existentes, já que após a invasão, investidores ficaram preocupados que o conflito leve Kiev a dar calote em sua dívida. Pela mesma razão, nos últimos dias, houve uma queda acentuada nos preços dos títulos do tesouro ucraniano em circulação.
A arrecadação com os títulos de guerra — que começou no primeiro dia de março — conseguiu arrecadar cerca de US$ 270 milhões (RS$ 1,3 bilhão) em um dia.
Mas o que são esses títulos e como eles foram usados historicamente?
O que são?
Os títulos de guerra — semelhantes a outros títulos de dívida pública — são dívidas que um determinado Estado adquire com investidores (pessoas físicas ou jurídicas) e que o país se compromete a reembolsar dentro de um determinado prazo — com os juros correspondentes.
No caso dos títulos de guerra, o dinheiro é usado especificamente para financiar operações militares durante um período de conflito.
Normalmente, esse tipo de investimento oferece um retorno financeiro abaixo da média e com alto percentual de risco porque, se a guerra for perdida, o dinheiro investido também poderá ser perdido.
Assim, os investidores costumam ser atraídos apelando ao patriotismo e às emoções dos cidadãos que querem ajudar a defender seu país.
A Ucrânia, por exemplo, pediu apoio à sua nação "em tempos difíceis".
Os títulos de guerra também são um meio de controlar a inflação, tirando o dinheiro de circulação.
Em que outros momentos da história eles foram usados?
Não é a primeira vez na história que este instrumento financeiro é utilizado para apoiar as Forças Armadas de um determinado país em tempos de guerra.
Os Estados Unidos também emitiram esses tipos de títulos para financiar parte de seus gastos com defesa durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.
Entre 1917 e 1918, o governo dos EUA emitiu os chamados "Liberty Bonds" (títulos da liberdade, em inglês), criando uma campanha massiva para popularizar os títulos por meio de apelos patrióticos. Até artistas famosos participaram da campanha, incluindo Charles Chaplin e a atriz Ethel Barrymore. Hoje, acredita-se que essa ferramenta de financiamento foi vital para a captação de recursos para a defesa do país.
Então, em 1940, a história se repetiu. Embora tenha sido avaliada a possibilidade de cobrança de impostos para o financiamento das Forças Armadas, finalmente os títulos voltaram a ser utilizados — desta vez foram chamados de "War Bonds" (títulos de guerra) ou "Victory Bonds" (títulos de vitória) — após o ataque japonês a Pearl Harbor em 1941.
O Reino Unido também emitiu títulos de guerra em 1917. A propaganda para atrair esse tipo de investimento dizia: "Se você não pode lutar, pode ajudar seu país investindo tudo o que puder em Títulos do Tesouro Público... Ao contrário do soldado, o investidor não corre nenhum risco"
A mídia britânica também aderiu à campanha. Na época, a revista política britânica The Spectator escreveu: "É o povo da Grã-Bretanha que deve fornecer o dinheiro para financiar a guerra".
O Canadá também adotou títulos de guerra como forma de injetar recursos em sua defesa durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.
O país conseguiu engajar milhões de canadenses por meio de campanhas agressivas com voluntários oferecendo os chamados "títulos da vitória" de porta em porta e para empresas privadas.
"Traga o soldado para casa com o título da vitória", dizia uma propaganda.
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