Em 30 de janeiro de 1972, soldados do Regimento de Paraquedistas do Exército Britânico abriram fogo contra cidadãos desarmados, que protestavam pelos direitos civis na Irlanda do Norte, matando 13 e ferindo 15.
Ninguém foi punido pelo massacre conhecido como Domingo Sangrento (Bloody Sunday), para indignação das famílias das vítimas. Neste domingo (30/01), celebrando a data, elas refizeram o trajeto da passeata original pela cidade de Londonderry, também conhecida como Derry.
Em demonstração de solidariedade, multidões se reuniram ao longo das ruas que levam até o Monumento do Domingo Sangrento, onde ocorreu a matança. Crianças, portando rosas brancas e os retratos das vítimas, acompanharam a tocante procissão.
O 50º jubileu chega num momento em que a frágil paz na Irlanda do Norte foi desestabilizada pelo Brexit. Como um lembrete das tensões que permanecem na província, alguns dias antes unionistas linhas-duras ergueram bandeiras do Regimento de Paraquedistas numa área de Londonderry.
O que foi o Domingo Sangrento?
O "Bloody Sunday" foi um dos episódios mais sombrios do conflito entre os nacionalistas católicos norte-irlandeses, que queriam uma Irlanda unida, e os unionistas protestantes, leais ao Reino Unido.
A detenção de nacionalistas católicos sem julgamento - no contexto dos conflitos apelidados The Troubles (Os Problemas), iniciados quatro anos antes - foi o estopim para a passeata de 30 de janeiro de 1972.
Apesar da proibição de protestos, mais de 15 mil cidadãos partiram de um conjunto habitacional em direção centro de Derry. Quando jovens começaram a atirar pedras contra uma barricada do Exército britânico, os soldados receberam ordens de avançar. Mais tarde, alegariam ter sido atacados com bombas de pregos e armas de fogo, e que não teriam mirado nos manifestantes.
Embora suas declarações tenham sido aceitas no relatório oficial, elas não foram sustentadas por depoimentos independentes. As famílias das vítimas ridicularizaram o documento como "lavagem de culpa".
O massacre impulsionou o recrutamento para o Exército Republicano Irlandês (IRA), que combatia pela reunificação das duas Irlandas. O grupo paramilitar intensificou sua campanha terrorista na Irlanda do Norte, no continente britânico e no exterior, só encerrando-a em 1998, quando o Acordo da Sexta-Feira Santa selou a paz.
Paz instável e influência negativa do Brexit
O governo do Reino Unido se desculpou em 2010, depois de ficar constatado, num segundo inquérito oficial, que os soldados dispararam sem justificativa em civis desarmados e em fuga, e depois mentira a respeito, durante décadas. O relatório de 5 mil páginas concluiu que os manifestantes não representavam perigo, e que o comandante no local violara as ordens superiores.
Apesar disso, cinco décadas depois, os familiares ainda buscam a justiça que, segundo creem, é necessária para que uma sociedade ferida sare. Em 2019, um soldado britânico foi indiciado da morte de dois manifestantes e ferimentos em quatro outros.
Em 2021, contudo, o governo britânico sob Boris Johnson anunciou planos de suspender todos os processos contra soldados e militantes, sob o pretexto de dar fim ao conflito. A decisão enfureceu as famílias das vítimas e foi rejeitada por todos os principais partidos norte-irlandeses.
O desligamento do Reino Unido da União Europeia, com o Brexit, desestabilizou o frágil consenso pós 1998. Os unionistas protestantes exigem que Londres anule um protocolo relativo ao comércio com a Irlanda do Norte, em que a província é tratada diferentemente do Reino Unido continental.
O governo de Johnson é favorável a essas reivindicações e trava negociações prolongadas com a UE. Antecipando as eleições regionais em maio, parte dos nacionalistas torce para que o Brexit ajude a alcançar o que o IRA nunca conseguiu: uma Irlanda unida, um século depois de o Reino Unido abocanhar um microestado no norte da ilha irlandesa.