O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que o propósito da ofensiva de Israel em Gaza é "destruir as capacidades governamentais e militares do Hamas" — e falou repetidas vezes do seu objetivo de eliminar o grupo islâmico que controla o território.
Depois de quase cinco meses de combates, e com quase 30 mil palestinos mortos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, Israel afirma que fez avanços significativos — e vai continuar até a "vitória absoluta".
Mas o Hamas é uma organização que vai além de suas capacidades militares - é também um movimento político, ideológico e social. Então, será que o objetivo de Israel de eliminá-lo totalmente é realista ou sequer possível?
O que está acontecendo no campo de batalha?
Israel alega ter destruído 18 dos 24 batalhões do Hamas em Gaza — e "concluído o desmantelamento da estrutura militar do Hamas no norte da Faixa de Gaza".
As Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) afirmam que o Hamas tinha cerca de 30 mil combatentes quando o grupo lançou seu ataque a Israel em 7 de outubro, matando cerca de 1,2 mil pessoas e fazendo cerca de 250 reféns, segundo as autoridades israelenses.
As IDF alegam ter matado 13 mil combatentes, e Netanyahu disse no início de fevereiro que as forças israelenses "mataram, feriram ou capturaram mais de 20 mil terroristas — mais da metade da força de combate do Hamas".
A BBC não conseguiu confirmar estes números, e as IDF não responderam aos pedidos da reportagem para detalhar sua metodologia.
Os números de Israel estão em aparente contradição com os divulgados por Gaza, já que os dados do Ministério da Saúde indicam que apenas cerca de 9 mil dos mortos em Gaza são homens adultos, incluindo civis.
O gabinete político do Hamas disse à BBC que nega as afirmações de Israel — e que seu braço militar continua a operar "com força" em "todas as áreas" de Gaza.
Mas uma reportagem do jornal israelense Haaretz indica que o Hamas começou a recompor alguns batalhões.
O Hamas poderia "recrutar facilmente novos combatentes, então essa provavelmente não é a métrica mais importante que estamos analisando", observa Jeremy Binnie, editor de Oriente Médio da revista Jane's Defense Weekly.
A militar israelense aposentada Miri Eisin, do Instituto Internacional de Contraterrorismo da Universidade Reichman, em Israel, afirma que as forças israelenses "mataram comandantes", encontraram "esconderijos de armas" e estão "explodindo sistematicamente o sistema terrorista subterrâneo" — referindo-se à rede de túneis do Hamas.
Mas Binnie diz que o sistema de túneis é "muito maior do que se estimava anteriormente" — e que os israelenses têm "um longo caminho pela frente" para destruí-lo, o que é dificultado pelo risco de reféns estarem sendo mantidos lá.
Ele também destaca que, no norte de Gaza, Israel está dando a impressão de que sua operação parece ser "um processo em aberto de pressão contínua, em vez de necessariamente uma eliminação completa".
Apesar das acusações de violação do direito internacional e do Tribunal Internacional de Justiça estar analisando denúncias de genocídio — que Israel classifica como "profundamente distorcidas" —, Netanyahu insiste que Israel precisa seguir em frente e enfrentar os batalhões restantes do Hamas.
É possível eliminar uma ideologia?
O Hamas é visto como um grupo terrorista por grande parte do Ocidente, onde muitos países afirmam que seus líderes ainda pregam a destruição de Israel, mas como um movimento de resistência em partes do mundo árabe.
Ele governa a Faixa de Gaza desde 2007, depois de ter vencido as eleições em 2006 e expulsar violentamente o grupo palestino Fatah, seu principal rival político.
A Faixa de Gaza vive sob bloqueio imposto por Israel e, em menor escala, pelo Egito desde então — algo que ambos os países dizem ser feito por segurança.
Grupos palestinos dispararam milhares de foguetes a partir de Gaza contra Israel durante as últimas duas décadas — muitas vezes em resposta à violência e ao conflito envolvendo forças israelenses na Cisjordânia ou em Jerusalém Oriental.
"Não é apenas um movimento militar, nem apenas um movimento político — é uma ideologia", afirma o pesquisador Hugh Lovatt, especialista em Oriente Médio no Conselho Europeu de Relações Exteriores.
"Essa ideologia não será erradicada por meio da força", diz ele.
O apelo do grupo à resistência armada contra Israel "ecoa especialmente agora", segundo ele, "no contexto atual, em que os palestinos sentem que já não existe um horizonte político para cumprir seu direito à autodeterminação".
Amjad Abu El Ezz, professor de relações internacionais na Universidade Árabe Americana na Cisjordânia, afirma que muitos palestinos apoiam o Hamas porque "não veem futuro".
Netanyahu se opôs à criação de um Estado Palestino durante a maior parte da sua trajetória.
Ele cita preocupações de segurança e a incapacidade do Hamas de reconhecer o Estado de Israel, mas muitos integrantes do seu partido, o Likud, e aliados radicais de direita do seu governo veem a Cisjordânia e a Faixa de Gaza como pertencentes a Israel.
No ano passado, o governo de Israel aprovou a construção de um número recorde de casas em assentamentos israelenses na Cisjordânia, de acordo com o grupo ativista israelense Peace Now.
Também no ano passado, pelo menos 507 palestinos foram mortos na Cisjordânia por forças ou colonos israelenses, incluindo ao menos 81 crianças — fazendo de 2023 o ano mais mortífero para os palestinos desde que o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) da ONU começou a registrar as vítimas em 2005.
A ONU também registrou 36 mortes de israelenses em ataques realizados por palestinos da Cisjordânia.
Além disso, existe uma profunda frustração com a Autoridade Palestina (AP), que é controlada pelo Fatah e governa partes da Cisjordânia. Muitos palestinos consideram a AP corrupta e fraca diante da ocupação israelense.
Antes de 7 de outubro, os palestinos que viviam em Gaza sob o bloqueio se sentiam "numa grande prisão", afirma Abu El Ezz, acrescentando que aqueles que se encontravam na Cisjordânia se sentiam indignados com os ataques de colonos judeus, a anexação de territórios e a falta de empregos.
Ele destaca que a sociedade palestina tem uma proporção elevada de jovens e, na falta de um processo de paz, os outros partidos "não têm nada que possam promover para a juventude palestina".
"Enquanto houver ocupação, enquanto houver atrocidades, enquanto houver mortes, é claro que muita gente vai seguir o que o Hamas está dizendo — porque eles estão em busca de esperança", avalia.
O que está acontecendo com o apoio ao Hamas?
Apesar do preço alto que os palestinos em Gaza estão pagando após os eventos de 7 de outubro, uma pesquisa realizada no fim de 2023 sugere que o apoio ao Hamas aumentou entre os palestinos.
Na Cisjordânia, o apoio ao Hamas subiu de 12% em setembro para 42% em dezembro, de acordo com o levantamento feito com 750 palestinos na Cisjordânia e 481, em Gaza.
Khalil Shikaki, do Centro Palestino de Pesquisas e Políticas, com sede na Cisjordânia, responsável pela pesquisa, diz que o apoio ao Hamas normalmente se intensifica durante os períodos de combate, mas esse aumento foi "drástico".
Ele observa que quando o levantamento foi realizado, durante a trégua entre o Hamas e Israel em novembro, mulheres e crianças palestinas estavam sendo libertadas de prisões israelenses.
Ele diz que isso levou alguns a verem o uso da violência pelo Hamas como "altamente eficaz" para alcançar os objetivos palestinos.
Os ataques de colonos e a frustração com a resposta da Autoridade Palestina à guerra também impulsionaram o apoio ao Hamas, acrescenta Shikaki.
Mas o cenário foi diferente em Gaza, que registrou um pequeno aumento no apoio ao Hamas, de 38% para 42% — dentro da margem de erro da pesquisa.
Menos gente em Gaza achou que o Hamas estava certo em realizar os ataques de 7 de outubro, com 57% de apoio, em comparação com 82% na Cisjordânia.
"É evidente que aqueles que estavam sofrendo as consequências das decisões do Hamas em relação a esta guerra eram muito mais críticos do Hamas", observa Shikaki.
Os jornalistas da BBC que estavam trabalhando em Gaza até ao início de fevereiro notaram sinais de um crescente descontentamento e frustração com o Hamas nos últimos meses.
Alguns moradores de Gaza com quem eles conversaram citaram a morte de entes queridos, a destruição de casas pelas forças israelenses e a fome como motivo de raiva contra o grupo.
Eles também relataram que muitas vezes a população de Gaza tem receio de criticar publicamente o Hamas.
Uma nova geração de combatentes?
Abu El Ezz acredita que muitos jovens em Gaza estão agora "repletos de ódio contra Israel e contra a ocupação".
"Acho que as próximas gerações vão se juntar a estes grupos militares para se vingar, porque perderam famílias, perderam seus filhos, suas mães… irmãos", diz ele.
Mas a coronel Eisin afirma que os receios sobre a geração de mais apoio ao Hamas não devem desvirtuar os objetivos militares.
Lembrando os "extremos, horríveis e atrozes" ataques de 7 de outubro, ela acrescenta: "Eles já são muito radicalizados".
"Nossa resposta nesse sentido é, antes de tudo, tentar eliminar as capacidades."
"Isso não vai tornar a ideologia pior do que já é", avalia.
Mas Shikaki observa: "Uma grande guerra não leva necessariamente os jovens a pegarem em armas, se for seguida de paz".
O que acontece no 'dia seguinte'?
Netanyahu elaborou um plano para o período pós-guerra, no qual Israel controlaria indefinidamente a segurança numa Gaza "desmilitarizada", e palestinos sem ligação com grupos hostis a Israel governariam o território.
A coronel Eisin diz que o Hamas "sempre vai mostrar alguma coisa", mas acredita que Israel será capaz de eliminar "a maior parte deles — a ameaça deles".
"Se alguém realmente quer marginalizar e enfraquecer o Hamas, então a única maneira de isso acontecer é por meio da criação de uma via política viável", diz Lovatt.
Mas as perspectivas de uma via que leve a dois Estados como solução permanecem nebulosas.
Netanyahu disse recentemente no X que "não comprometeria o controle total da segurança israelense sobre toda a área a oeste da Jordânia — e isso é contrário a um Estado palestino".
É uma clara contradição com o principal aliado de Israel, os EUA, que afirmam que uma solução duradoura para o conflito entre palestinos e israelenses, "só pode passar por uma abordagem regional que inclua um caminho para um Estado palestino".
O governo Biden enfatizou que Israel não deveria manter uma ocupação indefinida de Gaza. Sem uma alternativa ao status quo, existe um risco real de escaladas da violência no futuro.
"Simplesmente não consigo ver uma vitória para os israelenses", diz Binnie.
"Eles podem degradar substancialmente o Hamas, mas a principal questão é: como evitar o ressurgimento do Hamas na sequência?"
*Reportagem adicional de Heather Sharp.