A Corte de Apelação de Roma condenou nesta quinta-feira (14) dois policiais militares a 12 anos de prisão pelo homicídio do geômetra Stefano Cucchi, que morreu em 22 de outubro de 2009, enquanto estava sob custódia do Estado.
A sentença é uma vitória para a família da vítima, que durante 10 anos moveu uma batalha na Justiça para comprovar a culpa da Arma dos Carabineiros no crime, em um caso que virou até filme do Netflix ("Na Própria Pele", lançado em 2018).
Os condenados são os policiais Alessio Di Bernardo e Raffaele D'Alessandro, que foram delatados pelo colega Francesco Tedesco, absolvido da acusação de homicídio, mas sentenciado a dois anos e seis meses de prisão por falso testemunho.
"Stefano foi assassinado, isso já sabíamos e repetimos por 10 anos. Agora talvez ele consiga descansar em paz", disse a irmã de Cucchi, Ilaria, que sempre esteve na linha de frente da batalha para esclarecer o crime. "Um pouco de alívio depois de 10 anos de dor e processos mentirosos", reforçou a mãe da vítima, Rita Calore.
Já o marechal Roberto Mandolini, ex-comandante da delegacia para onde Cucchi fora levado, pegou três anos e oito meses por falso testemunho.
O caso
Em 15 de outubro de 2009, o geômetra foi flagrado em Roma com 20 gramas de haxixe e detido por uma patrulha de carabineiros.
Quando já estava na penitenciária de Regina Coeli, a maior da capital italiana, Cucchi acabou internado na ala para detentos do hospital Sandro Pertini, onde morreu. A autópsia revelou que o italiano de 31 anos e 1,76 metro de altura pesava 37 quilos quando faleceu, indicando um estado de desnutrição. Seu corpo também apresentava diversos hematomas, inclusive no rosto.
Em um primeiro processo, seis médicos e três enfermeiros foram acusados de abandono de incapaz, e três membros da Polícia Penitenciária, de lesões agravadas e abuso de autoridade. A denúncia apontava que os carcereiros haviam usado força excessiva contra a vítima e que os agentes de saúde tinham-na deixado morrer de fome. Todos acabaram absolvidos por falta de provas.
Contudo, em dezembro de 2015, a Procuradoria de Roma iniciou uma nova investigação contra carabineiros suspeitos de terem agredido Cucchi após sua prisão e realizado uma "estratégia científica" para "atrapalhar a correta reconstrução dos fatos".
Além disso, a absolvição dos médicos e enfermeiros foi anulada pela Suprema Corte, que ordenou a reabertura do caso.
Reviravolta
O ponto de virada no inquérito ocorreu em 11 de outubro de 2018, quando o carabineiro Francesco Tedesco mudou seu depoimento e acusou dois colegas, Alessio Di Bernardo e Raffaele D'Alessandro, de terem espancado Cucchi na delegacia com chutes, socos e empurrões.
"Foi uma ação combinada. Cucchi começou a perder o equilíbrio por causa de um chute de D'Alessandro, depois um violento empurrão de Di Bernardo o fez sofrer uma violenta queda. O sucessivo chute na cabeça também foi violento, lembro do barulho", revelou Tedesco. Segundo seu relato, foi ele quem interrompeu a agressão.
Após a sentença desta quinta, o comandante-geral da Arma dos Carabineiros, Giovanni Nistri, disse que os policiais violaram "valores fundamentais da instituição" e expressou sua "dor" à família da vítima. "Uma dor que hoje é mais intensa", acrescentou.
Já o ex-ministro do Interior Matteo Salvini se recusou a pedir desculpas por ter dito que Ilaria Cucchi deveria se "envergonhar" por ter postado uma foto de Tedesco no Facebook em 2016. Na ocasião, o líder de extrema direita, que ainda não estava no poder, chegou a afirmar que sentia "nojo" pela mensagem publicada por Ilaria na rede social.
"Eu matei alguém? Convidei a irmã ao Ministério do Interior... Na Itália, quem erra paga, mas não posso pedir desculpas pelos eventuais erros dos outros. Deveria pedir desculpas também pelo buraco na camada de ozônio?", ironizou.
No julgamento desta quinta, a Corte de Apelação de Roma também determinou a prescrição dos crimes atribuídos a quatro médicos do hospital Sandro Pertini e a absolvição de uma doutora. Todos respondiam por homicídio culposo, quando não há a intenção de matar.