'Joe genocida': protestos em universidades dos EUA mostram como guerra em Gaza virou ameaça à campanha de Biden

Manifestações em campi universitários refletem descontentamento do público jovem com apoio americano a Israel e podem virar problema para a reeleição do atual presidente.

5 mai 2024 - 13h21
Manifestante em protesto nos EUA contra guerra em Gaza; apoio americano a Israel pode ter custos eleitorais a Joe Biden
Manifestante em protesto nos EUA contra guerra em Gaza; apoio americano a Israel pode ter custos eleitorais a Joe Biden
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Joe genocida, quantas crianças você matou em Gaza?"

Essa frase, dita por um manifestante americano pró-palestinos, interrompeu brevemente um discurso do presidente dos EUA, Joe Biden, durante um ato de campanha no Estado da Virgínia.

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Foi uma questão de segundos, já que imediatamente um grupo de simpatizantes que acompanhava Biden iniciou um coro de "mais quatro anos", defendendo a reeleição do presidente e tornando inaudível a fala do manifestante.

Isso aconteceu em 23 de janeiro, quando Biden ainda não havia conseguido todos os delegados necessários nas eleições primárias para se tornar oficialmente o candidato do Partido Democrata nas eleições de novembro nos EUA.

Mas a guerra em Gaza entre Israel e Hamas já se mostrava um tema difícil para a campanha eleitoral de Biden - e esse obstáculo cresceu consideravelmente nas últimas semanas, em meio à onda de protestos antiguerra que se desenrolam em dezenas de universidades americanas e à prisão de mais de 2 mil manifestantes.

O termo "Joe genocida" ("genocide Joe" no original) começou a circular nas redes sociais nas semanas seguintes ao 7 de outubro de 2023, dia em que o grupo palestino Hamas fez um ataque armado contra o território israelense que resultou na morte de 1,2 mil pessoas e na tomada de 250 reféns - e quando a atual guerra foi detonada.

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Em 28 de outubro, o lema já era entoado em protestos pró-palestinos na cidade de Detroit, em uma reação da população árabe-muçulmana dos EUA (bem como da ala mais à esquerda do Partido Democrata) ao apoio americano a Israel.

O que não estava claro naquele momento era que a guerra em Gaza se estenderia por tantos meses, e com tantas vítimas: os ataques israelenses já fizeram 34 mil vítimas mortais em Gaza, segundo o Ministério da Saúde local (que é controlado pelo Hamas). Isso tem gerado uma onda de descontentamento entre jovens americanos e culminado em manifestações em campi universitários em todo o país.

Jovens universitários e outras minorias - latinos, asiáticos, afroamericanos, comunidade LGBT - tendem, em sua maioria, a votar no Partido Democrata, e seu voto pode fazer a diferença em uma eleição que deverá ser duramente disputada com o republicano Donald Trump.

Frentes de apoio

Protestos em universidades americanas têm crescido e pressionado Biden
Foto: Getty images / BBC News Brasil

Depois do ataque do Hamas, Biden manifestou seu apoio ao governo isralense de Benjamin Netanyahu, viajou pessoalmente a Israel e enviou porta-aviões ao Mediterrâneo em sinal de advertência ao Irã e a grupos como libanês Hezbollah, para que não escalassem o conflito.

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Esse apoio se manteve, ao menos publicamente, a despeito das críticas da ONU, de ONGs e de alguns governos a Israel - por conta do alto número de vítimas e da destruição na Faixa de Gaza, e também por causa do acesso limitado de ajuda humanitária a esse território.

Enquanto grupos pró-palestinos pediam um cessar-fogo definitivo, o governo Biden respaldava uma trégua temporária, como a que ocorreu ao fim de novembro de 2023 e que permitiu a entrada de ajuda a Gaza e uma troca de 112 reféns israelenses por 240 palestinos detidos em Israel.

Ao mesmo tempo, as repetidas reivindicações do governo Biden para que Israel facilitasse a entrada de mais ajuda humanitária em Gaza não pareciam encontrar, na prática, uma resposta favorável por parte do governo Netanyahu - a ponto de os EUA iniciarem uma operação para lançar mantimentos pelo ar sobre a Faixa de Gaza.

A Casa Branca manifestou algumas vezes o descontentamento pelo alto número de vítimas em Gaza.

No início de abril, soube-se publicamente pela primeira vez que Biden havia dito a Netanyahu que "a situação humanitária era inaceitável" e que a política americana seria determinada por medidas "específicas, concretas e mensuráveis" de Israel diante do "dano a civis, sofrimento humanitário e segurança de trabalhadores humanitários".

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Mesmo assim, a Casa Branca manteve o envio de armamento para Israel e usou seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU para vetar resoluções contra Israel - medidas que geraram fortes críticas entre grupos pró-palestinos.

"Eles (EUA) têm dado o apoio material, o apoio político e a cobertura diplomática na ONU que sustentam a guerra", opinou ao New York Times Jeremy Konyndyk, que trabalhou nos governos Biden e Obama e hoje preside a ONG Refugees International.

Impacto eleitoral

Guerra em Gaza virou motivo de descontentamento entre grupos que ajudaram na eleição de Biden em 2020
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A possibilidade de que a política americana perante a guerra em Gaza afete a campanha pela reeleição de Biden está levantada praticamente desde o início do conflito.

Em novembro de 2023, a congressista democrata Rashida Tlaib, do Estado de Michigan, divulgou um vídeo em que acusa abertamente a Biden de apoiar "o genocídio de palestinos".

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"Senhor presidente, o povo americano não está ao seu lado nesse tema. E isso será lembrado em 2024", afirmou Tlaib, que é primeira palestino-americana a ser eleita ao Congresso americano.

Mal-estar semelhante foi expressado publicamente durante as primárias democratas, quando surgiu o movimento antiguerra que defendia a eleição de representantes à Convenção Democrata que não tivessem se comprometido a votar na candidatura de Biden.

Esse movimento de eleitores "descomprometidos" surgiu no Michigan, onde conquistou mais de 100 mil votos (13%) nas primárias e se espalhou para Estados como Minnesota, Havaí e Washington.

Até meados de março, cerca de 10% dos eleitores das primárias haviam votado na opção "descomprometido" em vez de em Biden. Ao mesmo tempo, em Estados onde a campanha não aconteceu, 12% dos votos foram a candidatos distintos, em vez de a Biden.

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O movimento "descomprometido" diz contar com cerca de meio milhão de votos de eleitores - algo que não é desprezível, considerando que Biden venceu as eleições de 2020 graças em parte à mobilização em Estados duramente disputados (como Arizona, Geórgia, Nevada, Pensilvânia, Wisconsin e o próprio Michigan) com uma pequena margem perante Trump. E nessa pequena margem o voto de grupos específicos, como o de jovens, teve importância.

Pesquisas de opinião recentes indicam que Biden está perdendo terreno nesse grupo eleitoral.

Levantamento encomendado pelo jornal USA Today em meados de abril apontava que Biden conta com o apoio de 45% dos americanos com menos de 30 anos.

Embora isso ainda configure uma vantagem em relação a Trump (que tem 37% nesse grupo demográfico), na verdade é um grande recuo de Biden, que no mesmo mês de 2020 contava com 60% de apoio dos jovens, contra 30% de Trump.

Segundo a pesquisa, uma das razões por trás da queda na intenção de votos é justamente a guerra em Gaza, já que muitos jovens americanos considerariam injustificadas as ações de Israel.

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Outra pesquisa divulgada no final de abril pela CNN indicava que o tema no qual Biden tinha sua pior avalição (28%, contra 71% de desaprovação) era o manejo da guerra entre Israel e Hamas. A desaprovação era particularmente alta (81%) entre os eleitores menores de 35 anos.

Mas será que esse descontentamento é suficiente para custar a reeleição de Biden?

"O que o movimento estudantil faz é criar um medo de que Biden está perdendo um de seus grupos eleitorais mais importantes: o de jovens, o que pode ter implicações eleitorais", diz à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC) Robert Cohen, historiador da Universidade de Nova York.

Nos últimos dias, os protestos estudantis relacionados a Gaza alcançaram 140 universidades americanas, em 45 Estados, segundo estimativas da BBC.

Mais de 2 mil pessoas acabaram detidas.

As cifras indicam um aumento na quantidade e intensidade dos protestos, o que abre um dilema para Biden, afirma Anthony Zurcher, correspondente da BBC em Washington.

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"Ele fica entre um grupo à esquerda que demanda paz, e entre os americanos preocupados que os distúrbios estejam atrapalhando a educação universitária e virando uma ameaça à ordem civil", explica Zurcher.

Até o momento, Biden afirmou a respeito que defende "o direito ao protesto, mas não o direito de causar caos".

Nesse cenário, o historiador Cohen destaca a importância, para Biden, de que haja algum tipo de cessar-fogo em Gaza - que alivie a pressão interna contra si.

Cohen lembra que, neste ano, a Convenção do Partido Democrata - quando a candidatura à reeleição de Biden será oficializada - ocorrerá em agosto na cidade de Chicago.

Na mesma cidade, em 1968, no auge da Guerra do Vietnã, a convenção democrata registrou uma onda enorme de protestos que resultaram em repressão e caos.

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"Os protestos antiguerra de 1968, combinados com a força policial repressiva do prefeito de Chicago Richard Daley, provocaram uma violência televisionada, entre manifestantes e a polícia", relembra Cohen.

Joe Biden afirmou que defende "o direito ao protesto, mas não o direito de causar caos"
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Isso realmente prejudicou o candidato democrata Hubert Humphrey, porque fez parecer que os democratas eram o partido do caos e que o país estava fora de controle. Isso ajudou na eleição de Richard Nixon", prossegue o historiador, que faz uma ressalva:

"O potencial está dado, embora esse movimento (atual) em sua maioria não seja violento. Então pode ser que esses temores sejam exagerados."

Ainda que não seja possível prever o que acontecerá com os protestos estudantis até agosto, vários grupos pró-palestinos têm convocado uma mobilização contra a convenção democrata.

Hatem Abudayyeh, líder da rede comunitária palestino-americana, tem dito que a marcha contra a convenção democrata será a "maior mobilização pró-Palestina da história" de Chicago.

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"Em agosto, esperamos dezenas de milhares de palestinos, árabes, negros, latinos, asiáticos e outros manifestantes de todas as partes dos EUA para dizer em alto e bom som que 'genocida Joe' e Killer Kamala (em referência à vice-presidente Kamala Harris) interrompam a ajuda a Israel, deixem de armar Israel", disse ele, em um vídeo publicado pelo Wall Street Journal.

Nas palavras de Anthony Zurcher, "os protestos nos campi universitários podem ser o começo de uma temporada danosa de manifestações se a sua equipe diplomática não conseguir negociar rapidamente um cessar-fogo em Gaza".

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