Luis Arce, virtual eleito na Bolívia, sobre Evo Morales: 'É bem-vindo, mas isso não quer dizer que estará no governo'

Em entrevista à BBC, o candidato apontado como vencedor da eleição presidencial boliviana sinalizou para a formação de um governo sem o ex-presidente, de quem foi ministro.

20 out 2020 - 16h32
Luis Arce afirmou que volta de Morales a Bolívia não significa que o ex-presidente fará parte do novo governo
Luis Arce afirmou que volta de Morales a Bolívia não significa que o ex-presidente fará parte do novo governo
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Virtual presidente eleito da Bolívia, Luis Arce afirma que a possível volta de Evo Morales - ex-presidente em cujo governo foi ministro - ao país não significa que ele fará parte do novo governo.

As projeções dos resultados das pesquisas eleitorais na Bolívia dão a Arce a vitória na disputa pela Presidência do país. Ao final da votação de domingo (18/10), a boca de urna do instituto de pesquisas Cies Mori e do consórcio Tu Voto apontavam que Arce terá estimados 52% dos votos.

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Tanto a presidente interina, Jeanine Áñez, como o principal adversário, Carlos Mesa, reconheceram a vitória de Arce, embora tenham pedido que se espere o resultado eleitoral oficial.

Até esta terça (20/10), haviam sido apurados 60% das urnas, e Arce tinha 50% dos votos, contra 32% de Mesa. Embora ele pareça ter votos para ganhar em primeiro turno, ele deve assumir um país profundamente dividido.

As divisões remetem a 2016, quando o então presidente Evo Morales realizou um plebiscito para perguntar aos bolivianos se queriam mudar a Constituição para permitir sua reeleição para um quarto mandato. Na época, ganhou o "não".

O partido de Morales, o MAS (Movimento ao Socialismo), levou a questão à Justiça e, em novembro de 2017, o tribunal constitucional do país anulou o referendo e -eliminou os limites à reeleição presidencial.

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Morales concorreu à reeleição em 2019, quando se previu um segundo turno entre Morales e Carlos Mesa. Mas a contagem foi interrompida depois de 24 horas, e, quando foi retomada, os resultados deram Morales como vencedor em primeiro turno.

A suspeita de irregularidades desencadeou fortes protestos na Bolívia, pressionando Morales - que renunciou em 10 de novembro de 2019 e deixou o país. Até a publicação desta reportagem, ele se encontrava na Argentina, e disse que só voltará a seu país quando Arce for confirmado presidente.

Quem assumiu o comando do país foi Áñez, então vice-presidente do Senado.

O programa Newshour, da BBC, conversou com Luis Arce a respeito da polarização política boliviana e de qual será a eventual participação de Morales em seu governo. A seguir, a transcrição da entrevista:

BBC - Como o senhor planeja unir um país tão dividido?

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Luis Arce - Do meu ponto de vista, o que está dividido são os interesses das pessoas. Quando um país está dividido diante de políticas, partidos ou o que seja, tudo isso são interesses de classes.

Mas, por causa da pandemia, todos começaram a sentir que a economia não está indo bem, que o modelo neoliberal que implementaram em novembro de 2019 não está indo bem.

As pessoas tinham mais benefícios no nosso modelo. Então os interesses estão voltando mais do lado social, do que do lado da direita, que quer se manter no modelo neoliberal, mas os benefícios são mais para os empresários e os ricos.

BBC - O senhor explicou que há uma profunda diferença econômica, filosófica, entre o senhor e seus oponentes. Entendo. Mas também tem que aceitar que há uma profunda falta de confiança por parte daqueles que não apoiaram o senhor, o MAS e Evo Morales. Eles acham que o fato de ele (Morales) ter dito que vai voltar mostra que houve abuso de poder e corrupção. Como vai convencê-los de que vai ser diferente desta vez?

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Arce - Veja, a corrupção foi criada neste governo de um partido de direita. Então a corrupção não é a chave das diferenças entre as duas ideias sobre o Estado boliviano. Nossa diferença diz respeito ao que fazemos com o Estado...

Luis Arce é apontado como vencedor do pleito de domingo e pode vencer em primeiro turno
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

BBC - Só para deixar claro, senhor Arce, desculpe a interrupção. Mas houve muitos casos de corrupção durante os anos de Morales no poder. Seria difícil assegurar que não houve corrupção.

Arce - Não, não. Não estou dizendo que não houve corrupção. Inclusive mandamos à prisão um militante do MAS que havia roubado.

Mas neste governo também encontramos corrupção, mas continuam aí, e ninguém fez isso (de mandar à prisão), então há uma diferença.

BBC - Mas ainda assim há muita gente na Bolívia que dirá que o abuso de poder mais evidente foi em 2016, quando Morales realizou o plebiscito sobre abolir os limites da reeleição presidencial, as pessoas disseram claramente que não e ele decidiu levar isso à Justiça, que anulou o pleito. Depois, como o senhor sabe, em 2019, as eleições das quais ele participou foram polêmicas e alvo de acusações de fraude. Então minha pergunta é: como o senhor vai convencer as pessoas que duvidam que o senhor agirá de modo livre e justo?

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Arce - Bom, há duas coisas. Não posso evitar falar do que você falou, mas não há fatos, você sabe.

O MAS é um partido majoritário e os votos de ontem (domingo) demonstraram isso de maneira clara. Somo maioria, mais de 50%.

Claro que no ano passado não houve nenhuma fraude. Foi um golpe de Estado dos partidos de direita, que não conseguem nos derrotar nas eleições. A única forma em que conseguiram alcançar o poder é por um golpe de Estado.

Em segundo lugar, o que vamos fazer é tratar de falar com as pessoas e construir pontes entre o que querem fazer e o que precisamos fazer, para superar todas essas crises que os partidos de direita criaram no país.

Carlos Mesa já reconheceu a vitória do adversário, mas pediu que a contagem de votos seja concluída
Foto: Reuters / BBC News Brasil

BBC - Quando é esperado que Morales volte à Bolívia?

Arce - Não sei, tem que perguntar para ele.

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BBC - O senhor deve ter falado com ele?

Arce - Sim, mas eu não sou ele, sabe?

BBC - O que ele disse ao senhor?

Arce - Bom, ele disse isso (que voltaria). Mas hoje é (segunda-feira) é o dia depois da eleição e ele não está aqui na Bolívia.

BBC - Claro. Mas a razão pela qual faço essa pergunta é que muita gente se questiona se, em algum sentido - sem querer ser desrespeitoso -, o senhor vai ser o senhor mesmo ou uma marionete de Evo Morales.

Arce - Tampouco vou ser desrespeitoso, mas já disse muitas vezes: não sou Evo Morales. Não sou Evo Morales.

BBC - Obviamente, ele é uma figura muito poderosa. Tem um grande grupo de seguidores e disse: "sinto que minha tarefa agora é me dedicar à experiência das lutas de formar novos líderes". Parece interessado em exercer o poder de alguma forma.

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Arce - Dissemos que precisávamos ter renovação no MAS, para (atrair) as pessoas mais jovens. Se Evo Morales quiser nos ajudar, será muito bem-vindo. Mas isso não significa que Morales estará no governo. Será meu governo.

Se ele quiser voltar à Bolívia e nos ajudar, não há nenhum problema. Ele que vai decidir. Eu não vou decidir por ele.

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