Os evangelhos retratam Maria Madalena como uma das companhias mais próximas de Jesus. Seu encontro emotivo com Jesus ressuscitado e seu suposto passado pecaminoso fascinaram os cristãos por séculos.
O mais recente dos vários filmes sobre ela será lançado em breve. A heroína, interpretada pela atriz americana Rooney Mara (A Rede Social, Trash - A Esperança vem do Lixo e Carol), é vista como uma jovem que se une a "um novo movimento social radical" e "deve enfrentar a realidade do destino de Jesus e seu próprio lugar dentro dele".
Enquanto isso, a Igreja Católica reforçou o status da santa. No ano passado, seu dia (22 de julho) foi promovido a uma festa, igual à da maioria dos discípulos do sexo masculino.
Explicando a decisão, o arcebispo britânico Arthur Roche ressaltou que ela é conhecida como "apóstola dos apóstolos, ao anunciar aos apóstolos o que eles, por sua vez, anunciariam a todo o mundo"."
Roche faz alusão a João 20:17, no qual Jesus envia Maria Madalena aos discípulos para anunciar que ele ascenderia aos céus - "apóstolos" em grego significa "aquele que é enviado".
O gabinete de imprensa do Vaticano anunciou que 22 de Julho seria "uma festa, como a dos outros apóstolos". Uma oração especial para uso na missa daquele dia diz que Jesus a honrou com a tarefa de um apóstolo (apostolatus officio).
Isso coincidiu com o que alguns acreditam serem sinais de mudança na atitude de Roma sobre a possibilidade de mulheres sacerdotisas.
O anúncio sobre Maria Madalena e a criação de uma comissão para discutir a ordenação das mulheres como diáconas ─ não sacerdotisas, mas capazes de comandar casamentos, batizados e funerais ─ é uma indicação para algumas mudanças.
Tina Beattie, professora de Estudos Católicos da Universidade de Roehampton, no Reino Unido, sente que há transformações a caminho: "Aceito que tem que ser lento, tem que ser feito com sensibilidade... Mas minha percepção é de que algo está acontecendo".
O que foi dito sobre o dia da festa foi encorajador, opina Pippa Bonner, do grupo Ordenação de Mulheres Católicas.
"Assim que vimos, compartilhamos essa notícia - acho que é um passo muito, muito positivo", afirma.
Em 1994, o Papa João Paulo 2º declarou "que a Igreja não tem autoridade alguma para conferir a ordenação sacerdotal às mulheres e que esse julgamento deve ser definitivamente mantido por todos os fiéis da Igreja".
Segundo ele, Jesus havia "chamado apenas os homens como seus apóstolos", e a prática constante da Igreja, sublinhou, "imitou Cristo ao escolher apenas os homens".
Em novembro do ano passado, ao retornar de uma visita à Suécia, onde encontrou com a arcebispa luterana do país, Antje Jackelen, o papa Francisco foi questionado se Igreja Católica continuaria a impedir mulheres de se tornarem sacerdotisas.
"São Papa João Paulo 2º teve a última palavra clara sobre isso e ela permanece", disse ele na ocasião.
Perguntado novamente se a proibição era permanente, ele respondeu: "Se lermos atentamente a declaração de São João Paulo II, ela está indo nessa direção".
Beattie comenta: "Sempre que é solicitado a dar uma explicação, ele se refere a João Paulo 2º...Não estou ciente de que diga isso sob sua própria autoridade papal".
Rechaço
A ideia de que as declarações sobre Maria Madalena e seu "apostolado" contradizem as decisões de João Paulo 2º é rechaçada por muitos comentaristas católicos.
"Muitos católicos de tradição anglicana vão comemorar que o dia de Maria Madalena seja transformado em uma festa. Ao mesmo tempo, pensam ser fantasiosa que a ideia de que isso tem alguma relevância para a questão da ordenação das mulheres", argumenta o padre Simon Chinery, porta-voz do Ordinariato criado pelo Papa Bento 16 como um lar, dentro da Igreja Católica, para os anglicanos que se opõem às mulheres bispos.
Austen Ivereigh, cofundadora do grupo Vozes Católicas, diz que "declarar seu dia de festa (de Santa Maria Madalena) reflete uma crescente consciência de que o papel das mulheres na Igreja primitiva era importante e precisa ser recuperado".
"Mas abrir a liderança da Igreja aos dons únicos das mulheres não equivale a abrir o sacerdócio às mulheres - pelo menos esse argumento não está sendo construído de maneira significativa na Igreja neste momento", acrescenta ela.
Uma mudança na doutrina, portanto, viria como uma novidade para os católicos. E pode acontecer de repente. Esse foi o caso da própria Maria Madalena. No final do século 6 d.C., o papa Gregório 1º declarou que ela era a mulher que em Lucas 7:37 "viveu uma vida pecaminosa" e depois lavou os pés de Jesus e os secou com seus cabelos.
Isso alimentou a tradição de que Maria Madalena não era apenas uma pecadora (o que o cristianismo diz que todos nós somos), mas uma particularmente interessante, inspirando dezenas de retratos artísticos.
Já o calendário romano revisado de 1969 declarou que 22 de julho era o dia de Maria Madalena, mas que ela não era a mulher presente em Lucas 7:37. E isso depois de quase 1,4 mil anos.
Afinal, ela é ou não é "a portadora do papel de desenvolvimento das mulheres na Igreja Católica e até mesmo da ordenação das mulheres", como diz o reverendo anglicano Giles Fraser?
A Igreja dificilmente pode mostrar que é movida por evangelhos não-oficiais e tardios ─ alguns dos quais falam que Jesus repetidamente beijou Maria Madalena, pela recente reunião de histórias alegando que Madalena era, na verdade, casada com Jesus, ou pelo filme de Rooney Mara.
Além disso, as declarações do papa Gregório 1º sobre sua vida pecaminosa podem ser desacreditadas. Mas tudo isso contribui para seu prestígio.
Santa Maria Madalena
- Ela aparece nos quatro evangelhos como uma das companhias mais próximas de Jesus durante seu ministério na Galiléia e em Jerusalém, no primeiro século depois de Cristo.-
- Ela tem faculdades batizadas em sua homenagem em Oxford e Cambridge (Inglaterra), uma distinção que compartilha com Jesus.
- O evangelho de Lucas diz que sete demônios "saíram dela". Marcos diz que Jesus os expulsou.
- "Madalena" parece vir de uma palavra aramaica para torre - pode se referir ao nome de um lugar.
- A lenda diz que ela foi para a Gália (França) em um barco sem leme e morreu lá depois de uma vida passada em devoção e arrependimento. Durante séculos foi contestado se seu corpo estava nas cidades francesas de Saint-Maximin-la-Sainte-Baume, na Provença, ou de Vezelay, na Borgonha.