Parecido a um pregador de roupas que é colocado em um dos dedos da mão, o oxímetro tem a função de medir o nível de oxigênio no sangue — que costuma cair em pacientes que desenvolvem casos mais graves da covid-19, doença causada pelo coronavírus.
Por isso, como já aconteceu com as máscaras de proteção para profissionais de saúde e com a cloroquina, tem havido agora uma "corrida" pelo aparelho médico, embora médicos não vejam motivos para que pessoas sem problemas pulmonares ou que não estejam em grupos de risco adquiram o aparelho.
Um oxímetro custa entre R$ 100 e R$ 200 em lojas online. A Accumed-Glicomed, uma fornecedora de equipamentos para monitoramento de saúde, diz que teve crescimento de 100% nas vendas de oxímetros em março e abril em relação ao mesmo período no ano passado.
Outra fornecedora, a Dellamed, informa que a demanda triplicou no mês de abril em relação aos meses anteriores.
Uma loja online que não quis ser identificada na reportagem porque "está com capacidade de atendimento no limite" diz que vendia, por dia, 5 ou 6 unidades do produto. No dia 23 de abril, venderam quase 80 unidades e, no dia 26, já não tinham estoque do produto. Agora, informam que houve aumento "expressivo" no custo do produto com os fornecedores, em função da demanda, da alta do dólar e da capacidade de fornecimento do produto pela China (de onde os fornecedores importam o produto).
"Tenho visto a corrida pelo aparelho nas últimas semanas", diz o médico pneumologista José Eduardo Afonso, do Hospital Albert Einstein. "Uma grande quantidade de pacientes que não têm problemas crônicos agora estão com oxímetro em casa medindo a saturação de oxigênio mesmo sem saber se estão com covid-19", diz.
Dados do Google no Brasil também mostram que houve grande aumento da busca pela palavra "oxímetro" na última semana, com a procura atingindo um pico no dia 25 de abril.
Mas médicos entrevistados pela BBC News Brasil pedem cautela. Segundo os cinco especialistas entrevistados, o oxímetro pode ser útil só em uma parte dos casos, e deve ser comprado e utilizado apenas após recomendação médica.
Além disso, há pessoas com problemas pulmonares que de fato precisam de oxímetros em casa, e a falta do aparelho pode causar problemas para elas.
'Pneumonia silenciosa'
O resultado no visor do oxímetro vem com uma porcentagem que varia entre 0% e 100%. O nível normal de saturação de oxigênio no sangue, de acordo com médicos, é entre 95% e 100%. Abaixo de 93% já acende um sinal de alerta.
O uso de oxímetros para pacientes com covid-19 foi defendido pelo médico americano Richard Levitan em um artigo publicado no jornal The New York Times, em que descreveu uma "hipóxia silenciosa" em pacientes que chegavam ao hospital. Ou seja, pacientes não sentiam problemas para respirar, apesar de terem pneumonia e oxigenação no sangue abaixo do normal. Por causa disso, chegavam muito tarde ao hospital. Outros médicos brasileiros entrevistados pela BBC News Brasil identificaram o mesmo.
Para Levitan, o uso de oxímetros por pacientes com covid-19 poderia resolver esse problema, ajudando a evitar que muitos cheguem a hospitais em estado crítico e precisem ser entubados. Ele diz que pessoas com sintomas compatíveis com os da covid-19 deveriam usar o aparelho por duas semanas, período no qual a doença se desenvolve, com acompanhamento médico.
Os médicos brasileiros ouvidos pela BBC News Brasil dizem que a orientação é "controversa". Para o pneumologista Mauro Gomes, professor da Faculdade de Ciências Médicas Santa Casa de São Paulo e médico do Hospital Samaritano, "a recomendação pode acabar causando uma corrida como a que aconteceu com a cloroquina, provocando falta no mercado e para as pessoas que realmente precisam".
"Temos que lembrar que 80% das pessoas que têm covid-19 não vão desenvolver uma forma grave da doença com necessidade de internação. Portanto será desnecessário para elas", diz José Eduardo Afonso, do Einstein. "Comprar o aparelho sem ter covid-19 e sem ter doença crônica não tem absolutamente nenhum sentido."
A Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia divulgou nota na terça-feira (28) dizendo não recomendar "o uso irrestrito de oxímetro domiciliar para monitorização da saturação de oxigênio durante a pandemia de covid-19".
"Como não há estudos científicos sobre a referida monitorização em pacientes com suspeita ou diagnóstico confirmado de covid-19, sugerimos que a decisão sobre usar, ou não usar, monitoração por oximetria domiciliar fique a cargo do médico que assiste o doente. Não existe indicação do uso de oxímetro domiciliar em indivíduos sem doenças pulmonares crônicas, ou como método de diagnóstico precoce da covid-19", diz a nota.
Só um dos parâmetros
De cara, os médicos destacam que o oxímetro não diagnostica a covid-19. A queda da saturação, quando acontece, só se dá por volta do sexto ou sétimo dia, e é provável que outros sintomas, como a febre e a dor no corpo, apareçam antes. Em seguida, destacam que, assim como há casos de pacientes com pulmão comprometido que não sentem dificuldade para respirar, mas estão com saturação baixa de oxigênio, também tem havido o contrário: pacientes com saturação de oxigênio normal, mas com lesões nos pulmões.
"Há pacientes que estão num quadro mais grave, mas com reserva pulmonar boa", observa o pneumologista Igor Polonio. "Existe uma variabilidade muito grande entre as pessoas, elas são diferentes no adoecer. Às vezes, a pessoa está saturando normalmente, em repouso, mas está com o pulmão comprometido."
Ele conta que atendeu um paciente com saturação de 98%, mas com frequência respiratória elevada, respirando um pouquinho mais rápido. "Era um paciente forte, de 50 e poucos anos. Ele se queixava de falta de ar discreta, mas a tomografia estava cheia de lesões nos pulmões", diz. Nesse caso, só um oxímetro não teria servido — e poderia ter dado uma falsa sensação de segurança ao paciente se ele o tivesse utilizado sozinho em casa.
Ou seja, o oxímetro não pode ser o único critério adotado para avaliar casos de covid-19. Todos os médicos ouvidos pelas BBC News Brasil, aliás, sublinham que a oximetria é apenas um dos parâmetros para decidir pela internação de um paciente.
"O oxímetro dá um dado a mais. É um dado, não dá pra se fiar só nele. É como na UTI. Você tem vários monitores... O monitor da frequência cardíaca, por exemplo. É preciso considerar um conjunto de fatores", diz o pneumologista André Nathan, do Hospital Sírio Libanês. "É um parâmetro objetivo, e todo mundo gosta de algo objetivo. Mas é só mais um dado, não faz diagnóstico de nada."
Para Polonio, é preciso "fazer uma avaliação global do paciente e ver o conjunto da obra". "A saturação pontualmente não vai dizer se o paciente deve ser internado."
"É um conjunto de dados que vai nos dizer se o paciente está bem ou não. A pessoa pode estar grave em casa e não ter oxigenação baixa ainda. A doença pode ter avançado muito nos pulmões, mas sem baixar a oxigenação", observa Gomes, do Samaritano.
Doença pulmonar
Mas os especialistas concordam que o aparelho pode ser útil em algumas situações, como para quem já tem doenças crônicas. E sempre com acompanhamento médico.
"Talvez valesse mais a pena a gente pensar em monitorizar os pacientes nos grupos de risco, que têm maior chance de evoluir para doenças mais graves, como quem é idoso ou quem já tem doença pulmonar", diz Nathan.
Se um paciente nessas condições vai para o hospital e o médico achar que não é o caso de interná-lo, por exemplo, o oxímetro em casa pode ser um bom dado a mais para monitorá-lo e decidir pela internação se for necessário. Mas, para isso, é preciso acompanhamento médico.
Para Gomes, o oxímetro no caso de covid-19 poderia ser recomendado para pessoas com doenças pulmonares crônicas, para quem tem fibrose pulmonar e até para quem tem asma.
Afonso, do Einstein, tem recomendado a compra do oxímetro para alguns pacientes, e diz que é preciso avaliar caso a caso. "É útil em algumas situações. O paciente deve conversar com o médico para saber se é útil ou não ter o aparelho uma vez que foi decidido não internar. E o valor aferido sempre deve ser discutido com um profissional de saúde."
A pneumologista Regina Tibana também observa que, por causa do custo dos oxímetros "nem todos os pacientes vão ter acesso" ao aparelho. Três quartos da população do Brasil dependem unicamente do SUS, o sistema de saúde público do país, e um aparelho de R$ 100 a R$ 200 poderia representar parte significativa da renda de uma família.
Uso do oxímetro e aplicativos de celular
O oxímetro é não invasivo e é um aparelho simples de usar. Mas pessoas leigas ainda podem enfrentar dificuldades de leitura e medição.
O aparelho funciona como uma lanterna que joga luz sobre uma folha de papel e que em seguida mede quanto dessa luz chega ao outro lado. A folha de papel, no caso, é o dedo do paciente. Quando as hemoglobinas, proteínas que transportam o oxigênio no sangue, estão com mais oxigênio, elas absorvem mais luz infravermelha; quando estão menos oxigenadas, absorvem mais luz vermelha. A intensidade das luzes que chegam ao receptor do outro lado é traduzida em valores digitais.
No entanto, alguns aspectos podem interferir nos resultados. Usar esmalte, por causa da cor, é uma delas. A outra é estar com a mão muito gelada. A oximetria também pode sofrer variações normais, como estar mais baixa depois que a pessoa acorda.
Por fim, é importante destacar que pacientes que já têm doenças crônicas podem ter um nível de saturação abaixo do normal, e precisam saber disso antes de uma medição.
"A leitura errada pode alterar o valor e gerar ansiedade no paciente", diz Tibana.
Além disso, destaca José Eduardo Afonso, do Einstein, "existe uma variabilidade na qualidade dos aparelhos". "Há pacientes medindo saturação baixa em casa e na hora que medem no hospital, a saturação está normal. Isso pode gerar um estresse desnecessário nos pacientes", afirma. "O pessoal fica medindo o dia inteiro sem ter a menor necessidade. Tenho pacientes com covid-19 em casa que estão medindo muito além do que precisam, se é que precisam."
Há aplicativos de celular que dizem conseguir aferir a oximetria do usuário, mas sua eficácia não é comprovada nem recomendada pelos médicos. Há pesquisas que mostraram que alguns aplicativos erravam em suas medições.