O risco de um conflito expandido no Oriente Médio cresceu exponencialmente depois que um dos líderes do grupo palestino Hamas, Ismail Haniyeh, foi morto em um ataque em solo iraniano, atribuído a Israel, na madrugada de quarta-feira (31/7).
O assassinato ocorreu apenas algumas horas depois de uma ofensiva israelense matar um importante comandante do grupo Hezbollah, em Beirute, no Líbano, em retaliação pelo lançamento de um foguete que vitimou 12 pessoas nas Colinas de Golã, território ocupado por Israel.
A confirmação israelense nesta quinta-feira (1º/8) da morte do chefe militar do Hamas, Mohammed Deif, em um ataque aéreo na Faixa de Gaza em julho, alimentou ainda mais a tensão.
O Irã e o Hamas prometeram vingança. O Hezbollah, que é aliado do grupo palestino, também prometeu retaliação.
Entenda, a seguir, como essa tensão foi construída e quais podem ser as consequências.
Os ataques
Na noite de terça-feira (30) surgiram as primeiras notícias de um bombardeio em Beirute, capital do Líbano.
O Hezbollah confirmou que Fuad Shukr, um comandante militar sênior do grupo, foi morto. O governo libanês disse ainda que pelo menos outras cinco pessoas morreram, incluindo duas crianças.
O governo israelense afirmou que esse ataque foi uma retaliação pelo lançamento de um foguete que matou 12 pessoas nas Colinas de Golã, território ocupado por Israel, no pior ataque contra Israel ou áreas ocupadas por Israel desde a ação do Hamas em 7 de outubro, que deixou 1.200 mortos e fez mais de 250 reféns.
Israel atribuiu o ataque às Colinas de Golã ao Hezbollah, mas o diretor de comunicação do grupo negou qualquer relação com o incidente.
O Hezbollah apoia o grupo palestino Hamas e, desde o início da guerra em Gaza, abriu uma segunda frente de batalha contra Israel na fronteira do país com o Líbano.
O Hezbollah é "um partido político e uma milícia muito poderosa e fortemente armada com representação no Parlamento libanês. Também é um movimento social muito forte aqui no Líbano, apoiado armado e treinado pelo Irã", explica Hugo Bachega, correspondente da BBC no Líbano.
O grupo tem certa independência em relação ao Irã, um poderoso ator na região, e um de seus principais objetivos é a destruição de Israel.
Apenas algumas horas depois do ataque em Beirute, uma das principais lideranças do Hamas, Ismail Haniyeh, considerado o chefe político do grupo, foi morto.
O ataque aconteceu no Irã, para onde ele tinha viajado para acompanhar a posse do novo presidente iraniano.
O Hamas culpou Israel, que não confirmou oficialmente sua participação no ato.
Em um pronunciamento televisivo nesta quarta-feira (31/7), o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu não citou a morte de Haniyeh, mas afirmou que Israel deu "golpes esmagadores" no Hamas.
"Há ameaças vindas de todas as direções. Estamos preparados para qualquer cenário e permaneceremos unidos e determinados contra qualquer ameaça", afirmou Netanyahu.
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Os ataques a lideranças do Hamas se inserem na ofensiva israelense após os ataques de 7 de outubro.
Israel tem respondido com uma operação militar massiva na Faixa de Gaza, território palestino controlado pelo Hamas. A ofensiva matou até agora quase 40 mil pessoas, segundo o Ministério da Saúde administrado pelo Hamas.
Nesta quinta-feira, um cortejo fúnebre foi organizado nas ruas de Teerã com milhares de pessoas. O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, liderou as orações.
Também nesta quinta, Israel admitiu responsabilidade por uma nova morte, que até agora não havia sido confirmada.
Segundo o Exército, o chefe militar do Hamas, Mohammed Deif, foi morto em um ataque aéreo em Gaza em 13 de julho.
Israel alega que Deif foi uma das figuras responsáveis pelo planejamento dos ataques de 7 de outubro.
O Hamas ainda não confirmou a morte. Na época, o Ministério de Saúde, comandado pelo Hamas em Gaza, afirmou que um ataque aéreo matou mais de 90 pessoas, mas negou que Deif estivesse entre os mortos.
Os líderes mortos
Ismail Haniyeh era o chefe político do Hamas, considerada a posição mais alta na estrutura do grupo.
Ele estava exilado no Catar, onde o Hamas tem uma espécie de embaixada que serviu de palco para negociações com Israel em crises anteriores.
Haniyeh estava na lista de "terroristas procurados" do Departamento de Estado dos EUA.
Ele tinha uma retórica bastante agressiva, mas era considerado por especialistas como mais moderado do que outras lideranças do Hamas.
Já Mohamed Deif liderava as Brigadas Al-Qassam, que são o braço militar do Hamas, e estava entre os homens mais procurados por Israel havia décadas.
Acredita-se que Deif tenha participado do planejamento dos ataques do Hamas em 7 de outubro. E que ele tenha desempenhado um papel fundamental na construção da rede de túneis sob Gaza.
Também se especula que Deif tenha passado a maior parte do tempo nesses túneis, se escondendo do exército israelense e coordenando os ataques do Hamas.
Ele era uma figura sombria conhecida pelos palestinos como "O Cérebro" e pelos israelenses como "O Gato com Nove Vidas", por ter sobrevivido a sete tentativas de assassinato desde 2001.
Na mais grave delas, em 2002, ele perdeu um dos olhos. Israel diz que ele também perdeu um pé e uma mão e ficou com dificuldade para falar.
Por fim, Fuad Shukr, do Hezbollah, tinha pouco mais de 60 anos e era um importante conselheiro militar do líder do grupo, HassaIn Nasrallah.
Ele também é apontado como um dos responsáveis por obter a maior parte das armas mais avançadas do grupo.
As ameaças
Depois da morte de seu chefe político no Irã, um representante do Hamas disse que o ataque atribuído a Israel foi um "ato covarde" e que "não ficará sem resposta".
O braço armado do Hamas, conhecido como Brigadas Al-Qassam, afirmou que a morte de Haniyeh levará a batalha com Israel a novas dimensões e terá grandes repercussões.
O Irã também reagiu de forma fervorosa. O presidente Masoud Pezeshkian afirmou que Israel se arrependerá da morte "covarde" de Haniyeh.
Já o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, afirmou que vingar a morte do líder do Hamas é um "dever de Teerã" e que Israel, ao não assumir a responsabilidade pelo ataque, criou condições para uma "punição severa".
O jornal The New York Times reportou que o líder supremo teria ainda ordenado uma resposta direta contra Israel.
Por sua vez, o primeiro-ministro do Líbano, Najib Mikati, chamou o ataque em seu território contra Fuad Shukr de "ato criminoso".
Há chances de um alastramento da guerra?
O correspondente da BBC Hugo Bachega acredita que uma resposta do Hezbollah parece inevitável a essa altura.
"Acredito que é inevitável que o Hezbollah responda a esse ataque. O temor é que isso possa levar a uma escalada nas hostilidades - e já há pessoas falando sobre a possibilidade de um conflito regional mais amplo", diz.
Frank Gardner, correspondente de segurança da BBC, alerta que este é um momento "extremamente perigoso" para o Oriente Médio.
Ele lembra que, na última vez que o Irã prometeu vingança, disparou centenas de mísseis e drones contra Israel, que reagiu com um ataque de mísseis próximo às instalações nucleares iranianas.
"Foi necessário um frenético esforço diplomático para dissuadir Israel de retaliar com mais intensidade", diz Gardner.
Kasra Naji, correspondente especial da BBC Persa, expressa preocupação com a reação do Irã, que pode envolver ataques de grande escala contra Israel ou uma intensificação dos ataques das milícias regionais, como o Hezbollah.
"É difícil prever se isso levará a uma guerra total na região, mas é claro que ninguém deseja esse desfecho no momento", observa Naji.
Mas Gardner também lembra que nem todos os ataques semelhantes a esse levaram a uma escalada no passado.
Ele cita o assassinato do general iraniano Qasem Soleimani ordenado pelo ex-presidente dos EUA Donald Trump em 2020, que provocou fortes apelos por vingança, mas resultou em uma reação relativamente contida.
Gardner também cita o ataque aéreo ordenado pelo então presidente americano Ronald Reagan contra a Líbia em 1986, que gerou temores de uma grande crise, mas acabou não resultando em um recrudescimento significativo.
Vários governos já se pronunciaram sobre a questão.
A Turquia resumiu a resposta da maior parte dos países na região: em um comunicado, o Ministério de Relações Exteriores do país disse que "foi revelado mais uma vez que o governo de Netanyahu não tem intenção de alcançar a paz".
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, alertou contra uma "escalada perigosa" de hostilidades na região.
Segundo o jornal Financial Times, diplomatas da União Europeia e dos Estados Unidos estão buscando interlocutores em todo o Oriente Médio para tentar evitar uma guerra generalizada.
Há relatos de que o governo de Joe Biden fez consultas urgentes com Israel e outros parceiros com influência sobre o Irã.
Oficialmente, interlocutores da Casa Branca afirmaram à BBC que não há sinais de uma escalada iminente.
Nader Hashemi, professor da Universidade Georgetown, avaliou que Irã e o Hezbollah não estavam interessados em ampliar o conflito em Gaza, mas depois das mortes mais recentes podem se ver incentivados a agir.
"Agora o Irã tem todos os incentivos para tentar escalar este conflito", diz.
Jeremy Bowen, editor Internacional da BBC, concorda que nenhum dos lados quer uma guerra de fato, mas diz que ambos parecem cada vez mais dispostos a arriscar.
"Israel fez uma grande aposta com esses dois assassinatos", avalia.
O jornalista afirma ainda que uma guerra mais ampla dependeria muito do tipo de resposta que o Irã e o Hezbollah poderiam escolher.
"Se, por exemplo, o líder do Hezbollah decidir que a maneira de responder a um ataque ao seu quartel-general em Beirute é tentar atingir Tel Aviv, então isso definitivamente também seria visto como um movimento de escalada."
De certa forma, Bowen acredita que uma guerra mais ampla já está acontecendo.
"Já há uma guerra mais ampla. A guerra se espalhou por todo o Oriente Médio. Os houthis estão envolvidos do Iêmen, no Mar Vermelho, e houve de fato uma guerra de fronteira entre Israel e o Hezbollah", diz.
"Mas o medo agora é de uma guerra total, algo que seria muito mais catastrófico."
Impacto nos esforços de paz
Há ainda um consenso de que a tensão recente pode complicar ainda mais as negociações de paz entre Israel e o Hamas.
"Este último ataque em Teerã pode dificultar a obtenção de um trégua, já que o Hamas agora estará mais focado em encontrar um sucessor para Haniyeh, em um processo que pode ser complicado e prolongado", diz Rushdi Abualouf, correspondente da BBC em Gaza.
Ele lembra que, em dezembro, o Hamas suspendeu brevemente as negociações de cessar-fogo com Israel após o assassinato do vice de Haniyeh na capital libanesa, Beirute.
Paul Adams, correspondente diplomático da BBC, acrescenta que é "extremamente difícil" prever se haverá algum progresso nas negociações após a morte de Haniyeh.
"Ismail Haniyeh pode não ter sido responsável pelos eventos diários em Gaza — esse é o domínio do comandante militar Yahya Sinwar — mas, como líder do Hamas no exílio, ele era um interlocutor crítico nas negociações intermediadas pelo Catar, pelos EUA e pelo Egito", assinala.
Declarações de países árabes reforçam essas preocupações. O Catar, que tem mediado as negociações de cessar-fogo, indicou que a morte de Haniyeh pode prejudicar essas conversas.
"O assassinato político e o contínuo ataque a civis em Gaza enquanto as conversas continuam nos levam a perguntar: como pode a mediação ter sucesso quando uma das partes assassina o negociador do outro lado?", afirmou o primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdul Rahman Al Thani.
"A paz precisa de parceiros sérios e de uma postura global contra o desrespeito pela vida humana."
O Egito afirmou que o ataque demonstra falta de vontade política de Israel para a paz, e o Iraque chamou o ataque de uma "grave violação" que pode desestabilizar a região.