Para a Aeroflot, a maior empresa aérea da Rússia, foi uma tentativa de mudança de imagem que deu errado.
Quando a companhia aérea decidiu vincular o bônus salarial de suas comissárias de bordo ao tamanho de seus vestidos, Evgenia Magurina ficou indignada.
"Eu fiquei em estado de choque. Não fazia sentido. Como eles poderiam cortar os rendimentos por causa disso?", diz a comissária de bordo em seu apartamento em Moscou, perto do aeroporto. "Eles disseram que o 'sucesso' de uma aeromoça depende do tamanho dela, e isso realmente me ofendeu", conta ela, ressaltando que na época tinha sete anos de experiência na companhia aérea.
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A Aeroflot nega veementemente estar cometendo discriminação. Mas esse tipo de abordagem parece particularmente estranha na Rússia, 100 anos depois de uma revolução que se orgulhava de promover a igualdade.
No ano passado, as equipes de cabine da companhia aérea foram medidas e fotografadas. Evgenia Magurina diz que lhe disseram que tinha "grandes bochechas e um grande busto" e que deveria usar um sutiã esportivo.
Então, em outubro, ela notou que seu bônus tinha sido cortado. Na época, ela também foi removida de voos mais lucrativos e de longa distância.
Quando confrontou seus patrões, foi informada de que não estava dentro dos limites máximos de manequim que a Aeroflot tinha estabelecido para a equipe de cabine: tamanho 48 russo - equivalente ao 14 britânico, 12 americano e 42 brasileiro, espanhol, italiano e francês.
Evgenia Magurina conta que centenas de outras comissárias de bordo sofreram o mesmo tratamento, entrando para o que as próprias comissárias batizaram de clube STS, sigla em russo para as palavras "velho, gordo e feio".
Elas fazem piada e dizem que, em vez de longas viagens a Nova York, foram relegadas a voos noturnos de ida e volta à cidade russa de Nizhny Novgorod, "para que ninguém nos veja".
Diante de um corte de cerca de 30% de seus rendimentos, Evgenia Magurina decidiu processar a companhia.
"Eles colocaram a aparência em primeiro lugar. Mas as aeromoças são socorristas acima de tudo", insiste. "Imagine se eles usassem os mesmos requisitos para juízes ou médicos? Seria um absurdo."
As mulheres russas obtiveram o direito ao voto em 1917. O aborto foi legalizado logo depois. E, em um gesto altamente simbólico, a União Soviética enviou ao espaço a primeira cosmonauta feminina, Valentina Tereshkova.
Mas agora, décadas depois, as aeromoças não são as únicas mulheres que enfrentam discriminação no país.
Na cidade de Samara, Svetlana Medvedeva foi impedida de exercer um trabalho que conseguiu para capitanear um barco.
Em 2012, ela foi contratada como piloto e mecânica, mas a oferta foi retirada após uma intervenção do departamento de RH da empresa. Ela foi informada que não podiam contratá-la porque era mulher.
Na verdade, 456 profissões estão barradas para as mulheres na Rússia, rotuladas como perigosas ou supostamente prejudiciais à sua saúde reprodutiva. Isso inclui dirigir um trem, ser bombeiro ou trabalhar como carpinteiro.
"Eu entenderia caso realmente estivessem preocupados com mulheres grávidas, mas nem sequer consideram se a mulher está grávida ou planeja isso", diz Svetlana Medvedeva. Desde que foi proibida de trabalhar, ela tem travado uma batalha judicial.
"A Rússia é um país patriarcal. Qualquer movimento sobre os direitos das mulheres será para trás", argumenta ela. "Esta lista de profissões fala por si mesma."
Introduzida em 1974, a lista foi confirmada em 2000 e só permite exceções se um empregador puder provar que eles tornaram as condições seguras - especificamente para as mulheres. Na prática, poucos querem ter esse aborrecimento ou bancar o custo disso.
"Eu não conheço uma única [pesquisa] que apoie essa ideia de proteger as mulheres proibindo as profissões. Eu não acho que essa seja a razão", diz a historiadora Irina Roldugina, da Escola Superior de Economia.
Ela ressalta que a lista surgiu exatamente quando uma nova geração de mulheres pós-soviéticas estavam se tornando independentes.
"As mulheres começaram a se ver como cidadãs com plenos direitos, e isso foi visto como um problema", argumenta Irina Roldugina.
Em fevereiro de 2016, o órgão antidiscriminatório da Organização das Nações Unidas (ONU) decidiu que Svetlana Medvedeva tinha sido impedida de trabalhar injustamente, com base apenas em seu gênero.
O Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (Cedaw, sigla em inglês) diz que a Rússia tem uma "obrigação moral" de revisar essa lista de empregos.
'A justiça prevalece'
A Suprema Corte da Rússia ordenou que o caso de Svetlana Medvedeva fosse reaberto e nesta semana um juiz em Samara deve dar um veredicto.
Enquanto isso, em Moscou, Evgenia Magurina já teve seu dia no tribunal.
Os advogados da Aeroflot tentaram defender o corte em seu bônus, argumentando que cada quilo a mais no avião gera um custo extra à companhia aérea. Eles também alegaram que sua política era baseada em corredores estreitos de aeronaves e que pensou na saúde de sua tripulação, e não apenas em sua aparência.
Mas o juiz declarou a política da companhia ilegal, levando Evgenia Magurina a abraçar seus amigos e advogados aos prantos.
"Espero que isso signifique que as mulheres se tornarão mais corajosas para lutar por seus direitos", disse ela, lembrando de uma colega que ficou doente de tanto passar fome - na tentativa de chegar ao limite de tamanho exigido pela companhia aérea.
"Eles achavam que todos iriam suportar isso. Mas nos ofendeu", disse ela. "Agora, a justiça prevaleceu".