Hotéis, campos de golfe, cassinos, complexos imobiliários, empreendimentos espalhados pelo mundo e uma marca valiosa. Não é fácil dimensionar com precisão a extensão total do império de Donald Trump - ele mesmo mantém o mistério ao não divulgar suas declarações de renda.
Mas não há dúvidas de que, como presidente dos Estados Unidos, ele poderá tomar decisões que beneficiem algumas de suas empresas ou negócios.
O assunto tem tido destaque na imprensa americana. "Durante ou até mesmo depois do seu mandato, quase todas as decisões de política externa feitas por ele vão gerar sérios conflitos de interesse e questões éticas", diz uma recente reportagem da revista Newsweek.
Assessores do presidente eleito têm dito que Trump se concentrará na Presidência e que passará o comando de seus negócios a seus filhos. O próprio Trump disse que "não se envolveria de jeito nenhum".
Em entrevista à CNN na quinta-feira, Michael Cohen - que serve como advogado de Trump e deve ocupar um lugar na Casa Branca - reafirmou os planos do futuro presidente de delegar o poder de seu império aos três filhos mais velhos, Donald Junior, Ivanka e Eric.
"Eles são inteligentes e realmente qualificados," afirmou Cohen.
Segundo ele, Trump não concorreu à presidência em 2012 justamente porque não achava, na época, que os filhos estivessem maduros o suficiente para assumir os negócios do pai. Desta vez, a situação mudou.
"Ele ficará realmente tranquilo com eles guiando seus negócios e com as pessoas que vão estar em torno deles," disse.
Segundo analistas, mesmo se colocar seu império aos cuidados dos filhos, a medida dificilmente atenderia ao critério de independência que compõe os quesitos éticos em situações de conflito de interesses.
Mesmo que Trump renuncie totalmente aos seus negócios, seria difícil simplesmente esquecê-los. O futuro presidente estará vulnerável à alegações de que suas decisões foram tomadas para favorecer seus interesses empresariais.
Sem empecilhos
Não há uma regulamentação clara sobre como o presidente dos Estados Unidos deve gerir seus próprios negócios enquanto comanda a maior potência do mundo, e o caso de Trump não foi o primeiro a gerar esse tipo de preocupação.
Lyndon B. Johnson, que assumiu a Presidência em 1963 após o assassinato de John F. Kennedy e ficou no cargo até 1969, tomou por conta própria a iniciativa de deixar os seus negócios aos cuidados de um blind trust por todo o período em que ocupou o cargo.
O blind trust é uma procuração que dá ao portador - ou trustee - poderes totais para administrar suas propriedades e seus investimentos. A ferramenta serve para tentar evitar conflitos de interesse, já que a gerência dos negócios é totalmente delegada a um indivíduo ou grupo independente.
O dono de fato dos negócios renuncia a qualquer poder de gestão durante o período do contrato. Nesses acordos, a pessoa também se compromete a não ser informada sobre a situação dos negócios e sobre o que pode afetá-los estrategicamente.
Lyndon Johnson era dono de um canal de TV no Texas e queria evitar qualquer problema de conflito de interesses sem ter que se desfazer do negócio.
Uma lei foi aprovada em 1978, formalizando as regras para pessoas que ocupam cargos públicos, mas, no caso de presidentes, a adesão é completamente voluntária.
Ainda assim, Ronald Reagan, Bill Clinton e George Bush, pai e filho recorreram aos "blind trusts".
Em entrevista ao Huffington Post, Richard Painter, professor de direito na Universidade de Minnesota e que serviu como assessor de ética da Casa Branca durante o governo George W. Bush, ressaltou que as leis de ética regendo conflito de interesses nos Estados Unidos se aplicam a cargos públicos em diversos setores do governo, incluindo o secretário do Tesouro, mas tendem a não impor restrições à cargos de pessoas eleitas, ainda mais o presidente.
Em sua avaliação, seria muito difícil haver uma mudança constitucional nesse sentido.
Painter sugere que a situação de Trump não seria muito diferente da do bilionário Sílvio Berlusconi, que era dono de um vasto império e controlava boa parte da mídia na Itália, mas ainda assim governou o país por quase uma década.
Negócios no exterior
Uma das áreas em que decisões de Trump podem beneficiar significativamente negócios de suas empresas é na relação com outros países.
O império de Trump tem tentáculos em países como Índia, China, Emirados Árabes, Arábia Saudita, Turquia e Coreia do Sul, onde os Estados Unidos têm interesses diretos em questões de segurança, comércio e energia.
Um bom exemplo dos potenciais conflitos de interesse que podem surgir está na Turquia, onde Trump firmou, em 2008, uma parceria com a Dogan Holdings, um conglomerado turco que construiria um complexo imobiliário em Istambul.
Segundo a revista Newsweek, a família Dogan é desafeto do presidente Recep Tayyip Erdogan, que governa um aliado-chave dos EUA no combate ao Estado Islâmico na Síria. Ou seja, há interesses nacionais e pessoais jogando em campos opostos nesse caso.
Outro exemplo é o da Coréia do Sul. Trump disse durante a campanha eleitoral que o país asiático deveria parar de depender da defesa militar dos Estados Unidos.
Trump tem uma parceria com uma empresa coreana, a Daewoo Engineering and Construction, que se beneficiaria diretamente se a Coreia do Sul tivesse de aumentar seus gastos militares.
Outra potencial relação problemática é a de Trump com o Deutsche Bank. O banco alemão atualmente negocia um acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos sobre alegações relacionadas à hipotecas tóxicas durante a crise imobiliária.
O mesmo banco, segundo o jornal americano Washington Post, é o principal provedor de empréstimos aos negócios de Trump.
Negócios em casa
Não menos polêmicas seriam as possíveis decisões domésticas tomadas pelo presidente com implicações para o império Trump.
O Huffington Post lembra que o presidente terá o poder de nomear os chefes e diretores de agências reguladoras. Os negócios de Trump empregam muitos americanos em hotéis e cassinos.
De acordo com o site, a administração de Trump teria influência sobre as políticas regulamentando sindicatos e relações trabalhistas que poderiam ter conflito com os interesses de seus empregados.
Trump também seria o responsável por nomear o chefe da Federal Trade Comission, que regulamenta as relações de competição entre empresas e questões de consumidores.
A agência recentemente recebeu reclamações de ex-estudantes da Trump University, que será julgada por supostas violações das leis estaduais de educação no Estado de Nova York.
Influência sobre leilões e concessões
Como empresário, Trump também participou de leilões públicos e saiu vitorioso.
Em um deles, conseguiu concessão para alugar o Old Post Office Pavilion, um prédio federal localizado em Washington, e transformá-lo em um hotel, o Trump International Hotel.
Segundo o Washington Post, a partir de 20 de janeiro, quando assumir a Presidência, Trump passará a ser "efetivamente o locador e o locatário da propriedade".
Para Trevor Potter, ex-chefe da Comissão Eleitoral Federal dos Estados Unidos, o hotel - que não fica longe da Casa Branca - esse seria "o maior potencial para conflito de interesse" que Trump poderá enfrentar.
"Nós vamos ter uma situação onde o presidente aponta o chefe da GSA (Administração Geral de Serviços, agência que gerencia os prédios e concessões federais). Então uma potencial negociação sobre os termos do contrato do ativo mais vistoso do presidente em Washington e qualquer mudança que nele possa ocorrer ficaria aos cuidados da pessoa por ele indicada," afirmou Potter em entrevista à rede NBC.