Ela adora comida indiana e, nos vídeos que seus pais compartilham nas redes, parecia estar feliz com eles.
Mas a menina Mary*, de 2 anos e meio, está agora em um centro para crianças com necessidades especiais perto da cidade de Berlim, segundo conta sua mãe.
A criança está no meio de uma disputa diplomática entre a Índia e a Alemanha depois que as autoridades alemãs a retiraram de sua família indiana por uma acusação de abuso sexual de setembro de 2021, quando ela tinha apenas sete meses de idade.
Em junho deste ano, a Justiça de Berlim retirou os direitos parentais de Diana* e de seu marido Amit*. A custódia da bebê foi concedida ao departamento alemão de bem-estar infantil, o Jugendamt.
O tribunal também rejeitou o pedido dos pais para que a menina fosse repatriada para a Índia. Os pais dizem que nunca houve abuso, chamaram o julgamento de "farsa" e entraram com um recurso.
Diana está atualmente em Nova Déli, tentando obter apoio em sua disputa para levar a menina para a Índia. Em entrevista à BBC, ela chora quando conta como tem sido sua vida desde que foi separada da filha.
Ferida aberta
A família mudou-se para Berlim em 2018 depois que Amit recebeu uma oferta de emprego. A pequena Mary nasceu em fevereiro de 2021.
De acordo com a ação judicial, a disputa entre a família e o governo alemão gira em torno de uma lesão genital que a menina sofreu quando tinha sete meses de idade.
Um dos médicos que atendeu a menina disse que "nunca tinha visto uma lesão genital tão grave em uma criança" e que precisaria de uma cirurgia para consertá-la.
Os serviços de proteção à criança então tomaram a guarda da bebê, dizendo que suspeitavam de abuso sexual - algo que a família nega.
O hospital que tratou a menina posteriormente disse que "não havia evidências" que sugerissem que houve abuso sexual, e a polícia encerrou o caso sem apresentar queixa.
Os pais dizem acreditar que a lesão foi acidental. Dois médicos dos EUA e da Índia revisaram os registros médicos da criança e concordaram com essa avaliação.
"A lesão foi provavelmente causada por um acidente. Teria sido impensável que os pais a tivessem ferido repetidamente e depois a levado às pressas para os médicos", disseram eles em um documento apresentado ao tribunal.
Os médicos também afirmaram que acreditam que os "ferimentos podem ter piorado devido aos exames exaustivos" aos quais a criança foi submetida.
Mas as autoridades de proteção à infância disseram não acreditar que Mary estaria segura em casa, e a Justiça concordou com essa posição.
Sem contato
Em meio a essa disputa, Mary está em um abrigo há dois anos, e seus pais tiveram pouco contato com ela.
Assistentes sociais designados para lidar com a família descreverem que, no contato com eles, os pais se mostram "amorosos e atenciosos", e as interações deles com a menina são "consistentemente positivas, com alegria e curiosidade."
Um psicólogo nomeado pela Justiça também recomendou que um dos pais morasse com Mary em um centro de pais e filhos, sob a supervisão de um cuidador.
Mas na semana passada, segundo Diana, o Jugendamt informou aos pais que "todas as visitas à filha seriam canceladas porque não há ninguém para levá-la ou trazê-la". A mãe diz que o casal não tem permissão para fazer chamadas de vídeo com a menina.
"Não sabemos quem está cuidando dela desde que ela foi transferida do orfanato para o centro de crianças com necessidades especiais. O segredo em torno do caso do nosso bebê é completamente bizarro".
À espera de resposta
O caso de Mary recebeu muita atenção na Índia e na Alemanha, provocando protestos em várias cidades indianas e nas cidades alemãs de Frankfurt e Darmstadt, organizados por imigrantes indianos e seus descendentes.
Em Nova Déli, Diana se reuniu com funcionários do Ministério das Relações Exteriores da Índia e fez pressão em dezenas de parlamentares, que enviaram uma carta ao embaixador alemão, Phillip Ackerman, solicitando a repatriação da menina à Índia.
Um deputado instou o governo a tomar as medidas necessárias para trazê-la de volta. Outro político pediu ao primeiro-ministro Narendra Modi para discutir o assunto com o chanceler alemão Olaf Scholz durante sua próxima visita a Nova Déli, para a cúpula do G20.
Diana também apela à intervenção do primeiro-ministro.
"Agora a minha única esperança é o Modi. Se ele intervir, minha filha pode voltar", diz.
A disputa entre os dois países por Mary lembra um caso semelhante de 2011, no qual duas crianças indianas foram separadas de seus pais na Noruega. Um ano depois, elas voltaram para a Índia.
Suranya Aiyar, uma advogada e ativista aposentada que ajudou a família na Noruega e agora está ajudando os pais de Mary, diz que esses casos não são incomuns.
"É um grande problema. As pessoas supõem que (a decisão da Justiça) seja uma solução brilhante e que nenhuma discussão adicional seja necessária", afirma Aiyar.
O papel do Jugendamt em disputas familiares internacionais também foi criticado pelo Parlamento Europeu, que fez um relatório acusando a instituição de discriminação, de ser injusta com os filhos de imigrantes e de ferir tanto os direitos dos pais como dos filhos.
Em um relatório publicado em maio, o parlamento disse que seu comitê de petições ainda recebe reclamações do Jugendamt.
"O papel e a atuação das secretarias de bem-estar de menores são vistos, muitas vezes, como excessivos. Os pais estrangeiros sentem-se em desvantagem quando comparados aos pais alemães."
A volta
Uma boa solução para casos como esses, diz Aiyar, seria o Estado designar assistentes sociais para ajudar as famílias a cuidar das crianças.
No caso de Mary, diz a advogada, a única solução é que o governo intervenha.
"A menina não fez nada de errado. Deixe-a voltar para a Índia. Ela é uma cidadã indiana e tem todo o direito de estar lá".
O governo indiano deu ao caso o status de "alta prioridade". O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia, Arindam Bagchi, disse neste mês que a pasta convocou o embaixador alemão para que as preocupações da Índia fossem expressadas.
"No mínimo, acreditamos que os direitos culturais e seus direitos como cidadã da Índia estão sendo infringidos", disse Bagchi em entrevista coletiva. "Pedimos o retorno antecipado da criança à Índia e continuaremos a pressionar a Alemanha neste assunto."
Um porta-voz da embaixada alemã em Nova Déli se recusou a comentar. Mas fontes do governo na Alemanha dizem que o caso está na Justiça e fora de sua alçada, mas que estão trabalhando com a Índia para resolver o caso.
As autoridades indianas dizem ter identificado uma família em Gujarat - o Estado onde a família mora - que poderia cuidar da menina.
Kiran Aggarwal, pediatra aposentada do governo e ex-membro do comitê de bem-estar infantil do governo de Déli, diz que a menina deveria ficar com os pais.
"A Índia tem leis muito fortes de proteção à criança e, se ela for repatriada por um tribunal alemão, poderá receber cuidados na Índia", diz a médica.
Diana, por sua vez, diz que teme estar perdendo a filha dia após dia, com o passar do tempo.
"Ela não conseguiu aprender sua língua materna, gujarati. Ela só fala alemão, como vou conseguir me comunicar com ela?"
A família também está tendo problemas para pagar os 9 milhões de rúpias (cerca de R$ 500 mil) que foram obrigados a desembolsar com custos judiciais e cuidados com a menina.
"Através do crowdfunding (vaquinhas online), conseguimos algum financiamento e pagamos 5 milhões de rúpias. Somos uma família de classe média. Eles nos quebraram moral e emocionalmente e agora também estão tentando nos quebrar financeiramente".
*Os nomes foram alterados para proteger a identidade da criança.