Pouco se sabe até agora do protagonista por trás da maior crise política do governo de Donald Trump.
A identidade do delator cuja queixa deu início ao pedido de impeachment contra o presidente americano ainda permanece oculta, mas relatos em diversos veículos de imprensa dos EUA apontam que se trata de um oficial da CIA, a agência de inteligência dos EUA, que foi destacado para trabalhar temporariamente na Casa Branca.
Em documento tornado público na quinta-feira (27/9) pelo Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes, esse delator afirma que, nos dias seguintes após o famigerado telefonema de 25 de julho entre Trump e Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, "eu soube de múltiplas autoridades americanas que integrantes de alto escalão da Casa Branca haviam intervindo para um 'lock down' (ocultamento) de todos os registros do telefonema, especialmente da transcrição palavra por palavra que havia sido produzida, como de costume, pelo Situation Room (sala de conferências e gerenciamento de inteligência) da Casa Branca".
"Esse conjunto de ações me mostrou que autoridades da Casa Branca entenderam a gravidade do que havia ocorrido na ligação", prossegue a queixa do delator.
A acusação que recai sobre Trump é de que ele tenha usado o telefonema para Zelensky para pressioná-lo a investigar Joe Biden, principal pré-candidato democrata à eleição de 2020 — dessa forma, extrapolando os limites de seu cargo para "solicitar a interferência de um país estrangeiro nas eleições de 2020" e obter ganhos eleitorais.
Trump nega ter pressionado o presidente ucraniano e afirma ser vítima de uma "caça às bruxas".
O delator, por sua vez, segundo o documento tornado público na quinta-feira, afirma que a transcrição do telefonema não foi arquivada no sistema de informática usual da Casa Branca para ligações cotidianas — em vez disso, foi arquivado em um sistema separado, destinado a informações sigilosas.
O que se sabe sobre o delator?
Os jornais New York Times e Washington Post e a agência Reuters identificam o delator como um oficial da CIA do sexo masculino.
Em resposta, o advogado do delator emitiu comunicado dizendo que não vai confirmar a identidade de seu cliente e que qualquer decisão em identificá-lo seria "imprudente, já que pode colocar a vida do indivíduo em risco".
Repórteres do NYT contam, segundo o podcast The Daily (feito pela equipe do jornal), que o documento produzido pelo delator parecia ter sido feito por alguém com bastante conhecimento interno do processo de arquivamento de informações sigilosas, "alguém que parecia saber o que estava fazendo, que tinha investigado muito, feito referências cruzadas e montado um quebra-cabeça" de informações, nas palavras da editora do jornal, Julie Davis.
O Times também reportou que o delator relatou inicialmente o telefonema de Trump ao advogado da CIA, o qual encaminhou as acusações à Casa Branca e ao Departamento de Justiça. Isso, diz o jornal, deixou o delator preocupado, levando-o a fazer uma queixa formal de delação.
Ao mesmo tempo, o jornal Los Angeles Times publicou um áudio de Trump em que ele descreve as fontes do delator como "quase espiões".
Em evento fechado para diplomatas americanos em Nova York, Trump afirmou "quero saber quem é que deu informações ao delator. Porque são quase espiões."
"Essa pessoa (delator) não presenciou a ligação — daí ouviu algo e decidiu (delatar)", afirmou Trump. O presidente acrescentou uma aparente referência à execução de espiões no passado: "Sabem o que costumávamos fazer antigamente, quando éramos espertos, certo? Espiões e traição, costumávamos lidar com eles de forma um pouco diferente da que fazemos hoje."
A fala motivou mais críticas por parte da oposição, que tratou a declaração como uma "intimidação de testemunhas".
Adam Schiff, deputado do Partido Democrata que preside o Comitê de Inteligência da Câmara, já pediu que o delator testemunhe perante a Casa. Outros deputados pedem que isso ocorra com urgência, alegando preocupação com a possibilidade de "alguma retaliação" por parte da equipe de Trump.
O que diz o documento do delator
"No curso das minhas funções oficiais, recebi informação de múltiplas fontes oficiais do governo de que o presidente dos Estados Unidos está usando o poder de seu cargo para solicitar interferência de um país estrangeiro nas eleições americanas de 2020", diz o delator no primeiro parágrafo do documento tornado público pela Câmara.
"Essa interferência inclui, entre outras coisas, pressionar um país estrangeiro a investigar um dos principais rivais políticos domésticos do presidente. O advogado pessoal do presidente, Rudolph Giuliani, é uma figura central nesse esforço. O secretário de Justiça William Barr parece estar envolvido também."
O delator ressalta que "não foi testemunha direta dos eventos descritos", mas diz que achou "críveis os relatos por parte dos meus colegas, porque, em quase todos os casos, diversas autoridades relataram (informações) consistentes entre si".
Trump reagiu pelo Twitter ainda na quinta-feira. "Um delator com informação de segunda mão? Mais uma notícia falsa! (Foi) um telefonema muito bom, sem pressão (contra o presidente ucraniano). Mais uma caça às bruxas", escreveu.
Um dia antes, a Casa Branca havia divulgado um
relacionado ao telefonema: um memorando com um relato do que foi dito pelo presidente americano a seu par ucraniano.
Nele, Trump diz a Zelensky que "o que você conseguir fazer a respeito do procurador-geral, seria ótimo", em referência a um ex-procurador-geral ucraniano que investigava a empresa de gás no país onde trabalhava Hunter Biden, filho de Joe Biden.
Trump alega que não pressionou Zelensky a agir, nem condicionou isso a nenhuma ajuda militar americana. Ele admitiu ter pessoalmente bloqueado quase US$ 400 milhões em auxílio militar a Kiev alguns dias antes de sua conversa com Zelensky, mas negou que isso fosse para pressioná-lo — e sim para forçar a "Europa e outros países a também contribuírem" com o governo ucraniano.
Segundo a queixa do delator, porém, o telefonema alarmou diversos oficiais da Casa Branca que escutaram — como é de rotina — a ligação.
"As autoridades da Casa Branca que me relataram essa informação estavam profundamente transtornadas pelo conteúdo da ligação", diz o documento. "Eles me disseram que já estava 'em curso uma discussão' com advogados da Casa Branca sobre como tratar o telefonema por causa da possibilidade, no relato desses oficiais, de eles terem testemunhado o presidente abusar de seu poder para ganho pessoal."
O diretor interino de Inteligência Nacional, Joseph Maguire, inicialmente se recusara a divulgar a queixa do delator, mas decidiu torná-la pública por acreditar que o delator "agiu de boa fé e fez a coisa certa" em sua denúncia, segundo disse em testemunho no Congresso.