Restam apenas 40 prisioneiros, todos muçulmanos e a maioria com mais de 15 anos ali, no calor sufocante dos trópicos.
Perto de uma baía no leste de Cuba, os Estados Unidos mantêm o último reduto das prisões secretas que criou em todo o mundo em sua "guerra ao terror": o centro de detenção de Guantánamo.
O local chegou a abrigar mais de 700 presos, mas agora há apenas um pequeno grupo de detentos.
No entanto, com o passar dos anos, o país gasta cada vez mais dinheiro com eles.
Em 2013, quando havia 166 prisioneiros, o custo anual de operação do sistema penitenciário e judicial de Guantánamo foi de US$ 454 milhões (R$ 1,9 bilhão, na cotação atual), segundo o Departamento de Defesa dos Estados Unidos, o que implicava um gasto anual de cerca de US$ 2,7 milhões (R$ 11,2 milhões) para cada prisioneiro.
Cinco anos depois, quando restavam apenas um quarto dos 166, os gastos anuais somaram US$ 540 milhões (R$ 2,2 bilhões), o que representou um aumento de cerca de US$ 13,5 milhões (R$ 56,3 milhões) por ano, segundo estimativas do jornal The New York Times.
De acordo com dados do Departamento de Defesa fornecidos à emissora de rádio americana NPR, Washington gastou mais de US$ 6 bilhões (R$ 25 bilhões) desde que a prisão foi inaugurada, em 2002, o que resulta num gasto médio de US$ 350 milhões (R$ 1,4 bilhão) por ano.
Esta é, de acordo com as veículos de mídia e organizações de direitos humanos dos EUA, a prisão mais cara do mundo.
"Acho que é loucura (o que os EUA pagam pela prisão). Operá-la custa uma fortuna e acho que é loucura", disse o presidente Donald Trump no início deste mês, quando foi questionado sobre as despesas de Guantánamo.
Trump, que assinou uma ordem em 2018 para manter a prisão aberta indefinidamente, rejeitou na última sexta-feira a ideia de que seu governo continue enviando prisioneiros para o leste de Cuba.
"Os Estados Unidos não terão milhares e milhares de pessoas presas na Baía de Guantánamo, em cativeiro na Baía de Guantánamo, pelos próximos 50 anos, enquanto gastamos bilhões e bilhões de dólares."
No entanto, nada foi dito sobre os prisioneiros que permanecem lá. Para especialistas, é pouco provável que o centro de detenção seja fechado num futuro próximo.
"Existem muitos elementos que nos fazem pensar que, infelizmente, as condições para que a cadeia pare de funcionar não estão dadas", diz Wells Dixon, advogado do Center for Constitutional Rights, uma organização de defesa legal na qual se dedica a defender prisioneiros mantidos em Guantánamo.
As origens da prisão
Os ataques de setembro de 2001 levaram os Estados Unidos à campanha mais longa e cara de sua história: a chamada "guerra ao terror".
As operações internacionais, apoiadas por países aliados e pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), levaram o país não apenas a abrir frentes de batalha em várias nações do Oriente Médio, mas também à busca inveterada dos principais líderes e membros do que os EUA consideravam "organizações terroristas".
Desde o início dos anos 2000, os nomes de supostos membros da Al Qaeda, do Taliban e de outros grupos extremistas começaram a aparecer na lista dos mais procurados do mundo.
A partir de janeiro de 2002, os primeiros prisioneiros começaram a chegar a Guantánamo e pouco a pouco a prisão improvisada em uma base militar no leste de Cuba estava cheia de alguns dos homens mais procurados do mundo.
Em julho de 2003, já havia mais de 603 detidos, segundo dados do Departamento de Defesa.
Como explica Patricia Stottlemyer, advogada da Human Rights First, uma organização internacional de direitos humanos, Washington os considerou "combatentes inimigos ilegais".
"Isso implica que eles não são considerados prisioneiros de guerra e, por isso, os EUA entendem que não precisam aplicar convenções internacionais a esses casos. Portanto, pode mantê-los indefinidamente sem julgamento e sem direito a representação legal", disse Stottlemyer a BBC Mundo, serviço da BBC em espanhol.
Em 2014, o Comitê de Inteligência do Senado revelou que a prisão de Guantánamo fazia parte de um "programa de detenção secreta indefinida", no qual métodos de tortura eram usados.
E embora desde 2008 o então presidente Barack Obama tenha ordenado o fechamento de tais centros de detenção no mundo todo, a prisão continua aberta como o último vestígio no continente americano da "guerra ao terrorismo".
A prisão mais cara
Segundo Stottlemyer, vários fatores indicam que Guantánamo seja "a prisão mais cara" do planeta.
Entre eles, diz, está sua localização.
"Como não está no território continental dos Estados Unidos, o governo precisa deslocar a maior parte de seu pessoal por via aérea ou marítima, assim como muitos dos elementos vitais para a manutenção da prisão", diz.
Hoje, cerca de 1.800 soldados trabalham na prisão de Guantánamo, o equivalente a 45 guardas para cada prisioneiro.
Enquanto os militares têm uma capela e um cinema, os prisioneiros podem ter acesso - dependendo do seu comportamento - a comida halal (alimento permitido pelo Islã, de acordo com as regras do Alcorão), televisão por satélite, equipamentos esportivos ou Playstation.
E, como as audiências preliminares para os casos são realizadas lá, o governo também deve arcar com o custo das transferências semanais de juízes, advogados, jornalistas, equipes de apoio e equipamentos para audições orais.
Mas com a passagem do tempo e a permanência dos prisioneiros em Guantánamo, a distância do continente está se tornando um problema humanitário.
"Os anos passam, os prisioneiros ficam mais velhos e, como ali os cuidados médicos são inadequados, muitas vezes o governo precisa transportar pelo ar, da região continental dos EUA, equipamentos médicos muito caros e especialistas, o que logicamente tem um custo", diz.
De acordo com Stottlemyer, o limbo legal em que esses prisioneiros se encontram nem sequer permite que eles sejam transferidos para o território dos Estados Unidos, mesmo em caso de uma emergência.
"Isso resulta em situações extravagantes, como em médicos que voam de Miami para Guantánamo no meio de um furacão para atender prisioneiros", diz.
O advogado Dixon, por outro lado, ressalta que a localização da prisão - perto de uma baía, com intenso clima tropical - fez com que sua manutenção e operação também implique despesas adicionais.
Portanto, na opinião dele, a manutenção dessas instalações se tornou um bom negócio para empresas contratadas que operam ali.
"Quando você olha o que o governo gasta, é fácil imaginar o interesse que um contrato no centro de detenção pode gerar", diz.
Além de manter a infraestrutura, são essas empresas que fornecem a Guantánamo o pessoal que ajuda na operação da prisão.
Segundo os dados mais recentes do Departamento de Defesa, cerca de 300 contratados trabalham na prisão, incluindo linguistas, tradutores, analistas de inteligência, consultores ou especialistas em tecnologia.
Sem contar com os funcionários das agências de inteligência dos EUA (cuja presença em Guantánamo é informação sigilosa), estima-se que existam mais de 2.100 pessoas trabalhando para 40 presos, entre militares e empregados civis.
A manutenção das instalações existentes e das que foram construídas ou reformadas nos últimos anos (como um sala para fazer os julgamentos) também adicionaram dígitos às despesas da prisão, pagas com o dinheiro dos contribuintes.
Para se ter uma ideia, a prisão de segurança máxima no Colorado onde ficam presos como "El Chapo", um dos mais maiores narcotraficantes mexicanos, custa cerca de US$ 78 mil (R$ 325 mil) por interno por ano, segundo estimativas do The New York Times.
Mas como explicar, então, que os EUA gastem tanto para manter uma prisão em uma baía distante no sul de Cuba, onde só há 40 prisioneiros?
Cortina de fumaça
Segundo a advogada do Human Rights First, uma das razões por trás da manutenção da prisão em Guantánamo é política: quando o governo de Barack Obama propôs fechá-la, em 2008, o Congresso se opôs a trazer supostos "terroristas" para o território americano.
"Na verdade, mantendo-os fora do território dos Estados Unidos, o que se alcança é que as leis e direitos que possam ter no território continental não se aplicam a eles", diz.
Mas a razão por trás disso, segundo especialistas consultados pela BBC, não é apenas ser capaz de aplicar sanções mais severas ou sujeitá-los a um sistema criminal mais rigoroso.
"Na realidade, esses prisioneiros em Guantánamo estão sob um novo sistema de justiça, que não se destina a fornecer direitos fundamentais aos acusados, mas a esconder o fato de que esses acusados foram torturados", afirma Dixon.
Em outubro de 2006, o então presidente George W. Bush aprovou um novo mecanismo para julgar os condenados pela "guerra ao terrorismo" por meio de um sistema de tribunais militares que, segundo críticos, não respeita os direitos fundamentais dos detidos.
Do número total de presos que passaram por Guantánamo, apenas oito foram condenados (embora três das sentenças tenham sido completamente anuladas), enquanto a maioria deles ainda não foi levada a julgamento, incluindo os cinco supostos "co-conspiradores" do atentado de 11 de setembro de 2001.
"Enquanto isso, no mesmo período, os tribunais federais dos Estados Unidos provaram ser muito mais eficazes para garantir justiça rápida nos casos de combate ao terrorismo. Desde 11 de setembro, mais de 650 pessoas foram condenadas por crimes relacionados a terrorismo", diz Stottlemyer.
Segundo Dixon, mantendo os prisioneiros em Guantánamo, Washington se livra de ter que abrir uma caixa de Pandora: a dos "abusos" que essas pessoas sofreram nos centros de detenção ocultos da CIA.
"É por isso que é funcional que o status quo dos EUA mantenha essa prisão. Isso atende aos interesses do governo e, em particular, da CIA, apontada por ser responsável pela tortura dessas pessoas", diz o advogado.
"Enquanto elas estiverem detidas em Guantánamo, as informações sobre sua tortura não serão divulgadas. Esse é o principal interesse do governo e pelo que vale a pena manter a prisão: evitar a divulgação de casos de tortura, evitar que o mundo saiba exatamente o que aconteceu com esses homens, onde aconteceu e quem é responsável ", afirma.