O governo provisório do Sudão anunciou, nesta terça-feira (11/02), que aceita entregar seu ex-presidente Omar al-Bashir ao Tribunal Penal Internacional (TPI), corte em Haia (Holanda) pela qual o ex-líder é considerado procurado.
Bashir foi deposto em abril do ano passado e condenado por corrupção em dezembro. Ele é também alvo de dois mandados de prisão do TPI há mais de uma década, por ter sido indiciado, junto a outras três pessoas, por crimes contra a humanidade (homicídio, tortura, extermínio, estupro), crimes de guerra (ataque intencional a populações civis) e genocídio na região sudanesa de Darfur.
O TPI necessita que ele esteja fisicamente presente na Corte para julgá-lo por esses crimes, e Bashir é considerado foragido.
Segundo autoridades sudanesas, foi feito um acordo, nesta terça, entre o governo e grupos rebeldes em Darfur prevendo que todos os procurados pelo TPI sejam entregues à Justiça.
Em resposta, os advogados de Bashir afirmaram à agência Reuters que o ex-presidente se recusa a reconhecer a autoridade do TPI, chamando-o de "tribunal político".
O porta-voz do governo sudanês, Mohammed Hassan Eltaish, afirmou que "a Justiça (no país) não poderá ser alcançada se não curarmos nossas feridas".
"Concordamos que todos os que tenham mandados de prisão contra si terão de aparecer perante o TPI", acrescentou.
As acusações contra Bashir
Bashir cumpre pena de dois anos por corrupção em um reformatório no Sudão — pela lei do país, pessoas com mais de 70 anos não podem ser detidas no sistema prisional (Bashir tem 76 anos).
Mas as acusações que pesam contra ele no TPI são muito mais graves: Bashir é acusado de crimes de guerra e contra a humanidade cometidos durante o conflito iniciado em 2003 em Darfur — região no oeste do Sudão na qual, segundo a ONU, cerca de 300 mil pessoas morreram e 2,5 milhões foram forçadas a fugir de seus lares desde a década passada.
Sua carreira inteira foi definida pela guerra: ele tomou o poder no Sudão em um golpe, em 1989, quando o país vivia uma guerra civil entre norte e sul, e governou até o ano passado com mão de ferro.
Em 2003, rebeldes armados de Darfur passaram a enfrentar o governo, alegando que a região era negligenciada.
Apesar de seu governo ter assinado um acordo para pôr fim à guerra em 2005, outro conflito eclodiu quase simultaneamente.
Os rebeldes foram combatidos por tropas do governo e milícias árabes aliadas, conhecidas como Janjaweed, atualmente acusadas de terem promovido uma limpeza étnica.
Houve, desde então, diversos processos de paz em Darfur, mas os conflitos esporádicos prosseguem até hoje. Diversos grupos armados se mantêm ativos.
Após a morte de 300 mil pessoas no conflito, Bashir foi formalmente acusado de genocídio e indiciado em 2009 e 2010.
Mas ele nega as cifras apresentadas pela ONU e diz que nunca apoiou os Janjaweed na matança.
Apesar de um mandado internacional de prisão emitido pelo TPI, Bashir venceu as eleições de 2010 e 2015 — esta última foi marcada pelo boicote dos principais partidos de oposição.
E, mesmo com o mandado de prisão o impedindo de viajar, Bashir chegou a fazer visitas diplomáticas a lugares como Egito, Arábia Saudita e África do Sul.
Um dos objetivos de Bashir sempre foi manter o Sudão unificado, mas em um referendo — que foi parte das negociações de paz do país — em 2011, quase 99% dos sudaneses do sul votaram pela separação em relação ao norte.
O Estado independente do Sudão do Sul nasceu seis meses depois, dividindo o que era, até então, o maior país da África.
Vida política
Bashir sempre parece confortável em pronunciamentos públicos, aos quais costumava comparecer em uniforme militar.
Mas ele raramente concede entrevistas. Segundo jornalistas que cobrem o Sudão, isso provavelmente se deve ao fato de ele ser pouco articulado, embora seja considerado politicamente hábil.
Nascido em 1944 em uma família de agricultores, Bashir entrou no Exército ainda jovem e subiu hierarquicamente. Ele combateu ao lado de tropas egípcias em 1973, na guerra contra Israel.
A longevidade de Bashir no poder, acrescenta o analista, provavelmente se deveu ao fato de que seus adversários tenham tido dificuldade em obter unidade entre si.
Pouco se sabe da vida privada de Bashir, mesmo antes de ele ser retirado do poder. Ele não tem filhos, apesar de ter se casado pela segunda vez aos 50 anos.
A economia do Sudão cresceu durante seu governo: muitos enriqueceram graças à exploração do petróleo, e setores como o de telecomunicações avançaram fortemente.
Mas o Sudão do Sul ficou com três quartos da reserva petrolífera do país, e o norte precisou cortar gastos.
Apesar de as tensões norte-sul terem permanecido constantes após a independência, Bashir enfrentou poucos protestos durante a época de levantes da Primavera Árabe.
"Os que esperam que a Primavera Árabe chegue (ao Sudão) ficarão esperando um bom tempo", disse Bashir à imprensa local em novembro de 2013.