O final sombrio e violento da crise dos reféns em Paris na semana passada foi acompanhado em vários cantos do mundo. A comunidade israelense de judeus de língua francesa seguiu o drama com particular tristeza - mas sem surpresa.
Este clima ficou evidente quando o canal Channel 10 de Israel entrevistou um dos sobreviventes do cerco ao supermercado kosher que tinha se escondido numa câmara fria no porão enquanto o atirador matava suas vítimas na loja.
Yohan Dumas descreveu como o assustado pequeno grupo tinha lutado para manter-se aquecido - mas interrompeu a entrevista para anunciar que havia decidido se mudar para Israel na semana seguinte.
Para explicar sua decisão, disse: "Não estamos aqui esperando para morrer."
Tendência significativa
Não são muitos os judeus franceses que tomaram a decisão de emigrar em tais circunstâncias dolorosas - mas o número dos que decidiram mudar de país tem aumentado nos últimos anos.
É uma tendência que toca num dos argumentos fundamentais por trás da criação de Israel - a ideia de que uma história de perseguição e falta de nacionalidade deu ao povo judeu o direito a um lugar seguro.
Foi uma ideia cujo apoio renovou-se após o Holocausto - a votação da ONU que levou à criação do Estado judeu foi realizada apenas dois anos e meio após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Em hebraico, o fenômeno é conhecido como "aliyah" e descreve o processo em que judeus nascidos em qualquer lugar do mundo exercem o direito à cidadania israelense - é um valor fundamental do sionismo e um direito garantido por lei em Israel.
Cerca de 7 mil judeus chegaram a Israel da França em 2014. Isso é quase o dobro daqueles que migraram no ano anterior e significa que, pela primeira vez na história, mais judeus chegaram a Israel da França do que de qualquer outro país.
Pode ser apenas uma pequena proporção entre os mais de 500 mil judeus que vivem na França, mas é uma tendência significativa.
'Sentimentos ruins'
Claramente, há diversos fatores por trás de cada uma dessas decisões individuais. Mas, em Israel, o aumento do número de imigrantes franceses será visto por muitos como uma medição aproximada do nível de antissemitismo na sociedade francesa.
O empresário aposentado Albert Levy nasceu no Marrocos há pouco mais de 60 anos em uma família judaica de língua francesa. No momento de entrar no ensino superior, foi um movimento natural se mudar para Paris e ele fez isso sem temer por sua segurança.
Há alguns anos, ele, sua esposa Yveline e três filhos vieram para Israel. A época dos judeus na Europa acabou, diz ele.
"Olha, nós [a geração dele] fizemos o que fizemos mas temos este forte sentimento de que, para os nossos filhos, a situação vai ficar pior e pior e pior. Todo mundo tem um instinto sobre isso".
"Ou você se sente confortável ou você se sente mal, você acorda pensando 'O que vai acontecer hoje?' Hoje posso dizer que todo judeu na França tem esses sentimentos ruins".
É justo salientar que Levy culpa a mídia, pelo menos em parte, pela atmosfera atual e argumenta que a imprensa tende a demonizar Israel, na esteira de fatos que vão desde a primeira guerra do Golfo à primeira e segunda Intifadas (os levantes nos territórios palestinos contra a ocupação israelense).
Isso, talvez, seja um debate para outro momento, e é importante ressaltar que a França, naturalmente, insiste que sua população judaica pode permanecer ali com segurança.
Ambiente em mudança
Israel está no meio de uma campanha eleitoral e vários líderes partidários - incluindo o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu - foram à França após os ataques.
A mensagem de Netanyahu para judeus franceses foi simples - Israel está pronto para recebê-los de braços abertos, caso decidam se mudar.
O órgão encarregado de supervisionar a migração e absorção dos judeus que exercem o direito de viver em Israel é a Agência Judaica, cujo porta-voz é Yigal Palmor.
Para transmitir o sentimento de surpresa - talvez choque - no ambiente em mudança na Europa, ele cita seu chefe, o presidente da agência, Nathan Sharansky, que já foi um dissidente na União Soviética, onde chegou a ser preso por querer se mudar para Israel.
"Ele [Sharansky] diz que nunca teria acreditado que chegaria um momento em que judeus se sentiriam seguros em andar pelas ruas com a cabeça coberta com um quipá em Moscou e não em Paris".
"Todos nós compartilhamos essa surpresa. Como é possível que judeus não se sintam mais seguros em Paris, Londres ou Roma, na maneira que eles estavam acostumados ou como deveriam estar após a Segunda Guerra Mundial? Isso é um mistério que continua a nos deixar perplexos".
O número de judeus pedindo informações sobre a mudança da França para Israel atingiu 50 mil no ano passado. Enquanto funerais ocorrem em Jerusalém para quatro das vítimas do tiroteio em Paris, é difícil ver qualquer coisa no horizonte que inverta esta tendência.