Veja fotos inéditas da vida sob opressão do Estado Islâmico

10 jun 2015 - 08h31
Foto: BBC News Brasil

Imagens exclusivas obtidas pelas BBC em Mosul, a segunda cidade mais importante do Iraque, mostram como o grupo extremista autodenominado Estado Islâmico controla a vida cotidiana daqueles que vivem nos territórios conquistados pelos militantes. 

A queda de Mosul marcou o início do veloz avanço dos militantes pelo norte do país, o que forçou milhares de pessoas a deixar suas casas em busca de refúgio do conflito.

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Filmados secretamente, os vídeos obtidos pelo jornalista Ghadi Sary, da BBC, exibem uma mesquita xiita sendo explodida, escolas abandonadas e mulheres sendo forçadas a cobrir seus corpos.

Moradores relatam como é viver constantemente sob perseguição e com medo de serem punidos por desrespeitar a rígida interpretação a lei islâmica pelo EI.

'Homens foram açoitados porque suas mulheres estavam sem luvas'

Feitos ao longo de vários meses, os vídeos dão mostras de como é o dia a dia sob o controle dos militantes, com destaque às exigências para que as mulheres não exibam seu corpo em público.

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Foto: BBC News Brasil

O código de vestimentas para elas é bastante rígido: cobrir-se de preto dos pés à cabeça. Em um dos vídeos, uma mulher é repreendida por ter deixado as mãos à mostra.

"Um dia, estava tão entediada que pedi a meu marido para me levar para passear, mesmo que tivesse que usar um khimar (um tipo de véu que encobre a cabeça, pescoço e ombros, mas deixa o rosto visível) completo", conta Hanna, mulher que mora na cidade.

"Não tinha saído de casa desde que o 'EI' tomou a cidade. Conforme me preparava, meu marido me disse que eu seria forçada a colocar um niqab (véu sobre a face). Fiquei chocada e pensei em ficar em casa, mas acabei cedendo."

Foto: BBC News Brasil

"Fomos para um bom restaurante próximo ao rio que costumávamos frequentar quando éramos noivos. Assim que sentamos, meu marido me disse que eu poderia finalmente mostrar meu rosto, já que não havia militantes à vista e o restaurante era um local familiar. Fiquei feliz e ergui o véu com um grande sorriso no rosto. Instantaneamente, o dono do restaurante se aproximou, implorando que meu marido me pedisse para escondê-lo de novo, porque os integrantes do 'EI' faziam inspeções de surpresa e ele poderia ser açoitado se eles me vissem daquele jeito", relata.

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"Já tínhamos ouvido histórias de homens que foram açoitados, porque suas mulheres estavam sem luvas. Os pais de outra mulher foram proibidos de dirigir. Aqueles que fizeram objeções foram espancados e humilhados. Acatamos o pedido do dono do restaurante. Mas comecei a pensar a que ponto a situação chegou."

'EI confiscou minha casa e marcou-a com um N (referente a cristãos)'

A filmagem secreta foi levada de casa em casa e para fora da cidade. Ela mostra como minorias étnicas e religiosas em Mosul tiveram seus bens confiscados pelo "Estado Islâmico". Muitas áreas residenciais antes habitadas por essas minorias hoje estão vazias.

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Mariam, uma ginecologista cristã, foi uma das pessoas forçadas a deixar suas casas.

"Sou uma leitora voraz e tenho uma grande coleção de livros, que continuava a crescer conforme amigos e familiares me doavam seus livros ao deixar o Iraque por saberem que não iria embora e cuidaria deles. Fui ameaçada e assediada (por extremistas sunitas) antes da captura de Mosul, mas continuei a fazer partos de mulheres de todas as religiões e grupos étnicos. Nunca discriminei meus pacientes, porque acredito que todos merecem os mesmos cuidados", diz ela.

"No entanto, tive que fugir de Mosul quando a cidade foi tomada. Escapei com meu corpo ileso, mas minha alma permaneceu na cidade, em casa, com meus livros. Depois de me mudar para Irbill (região curda do Iraque), recebi notícias chocantes: o 'EI' havia confiscado minha casa e a marcado com a letra N (para nasrani, palavra usada pelos militantes para se referir a cristãos). Liguei imediatamente para amigos em Mosul e implorei para salvarem meus livros. Mas era tarde demais. Eles disseram que minha biblioteca havia sido jogada na rua. Um dos meus vizinhos conseguiu resgatar alguns livros preciosos, que agora estão escondidos."

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'Em caso de adultério, o homem é jogado de um prédio'

Vídeos mostram mesquitas e templos sendo destruídos. Moradores relatam punições brutais para todos que violam a interpretação dos jihadistas da lei islâmica, que é imposta em todo o "califado" que os militantes disseram ter criado semanas após a tomada de Mosul.

Entre eles está Zaid: "Desde que o 'EI' tomou a cidade, o grupo vem aplicando as 'Leis do Califado', como eles as chamam. A punição mínima é o açoitamento, que é aplicada a casos como fumar um cigarro. Roubos são punidos com a amputação da mão".

Foto: BBC News Brasil

"Em caso de adultério, se for homem, é jogado do alto de um prédio. Se for mulher, é apedrejada até a morte. Estas punições são realizadas em público para intimidar as pessoas, que são obrigadas a testemunhá-las", diz Zaid.

"Conheço muitas pessoas que foram presas pelo 'EI'. Algumas são meus parentes. Algumas foram mortas, porque trabalhavam nas forças de segurança. Outras foram libertadas. Elas contam histórias inimagináveis de atrocidades cometidas por militantes nas prisões. Muitas das que são libertadas preferem o silêncio. Não falam, porque morrem de medo de serem presas novamente."

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Fouad foi uma das pessoas presas pelo "Estado Islâmico": "Eles vieram até minha família em busca de meu irmão. Quando não o encontraram, decidiram me levar para a prisão em seu lugar. Eles me torturaram. O cara que fez isso só parava quando ficava cansado. Ele estava o tempo todo muito nervoso e não dava ouvidos ao que os prisioneiros diziam. Ele me açoitou com um cabo de energia e me torturou psicologicamente".

Foto: BBC News Brasil

"Quando meu irmão se entregou, eles descobriram que as acusações contra ele eram falsas, mas me mantiveram preso até considerarem que eu estava bem o suficiente para ir embora. Eles me bateram tão forte com aquele cabo que as marcas nas minhas costas ainda são visíveis."

'Até passatempos simples, como piqueniques, estão proibidos'

A vida dos moradores da cidade em nada lembra o passado. Os vídeos mostram que falta combustível, há muita poluição, a construção civil foi suspensa e muitas escolas fecharam.

Foto: BBC News Brasil

Hisham diz que as mudanças são impressionantes: "Todos os militares e trabalhadores não têm mais renda, porque não há mais empregos. Os ricos vêm usando suas economias. Quem ainda ganha um salário tenta sobreviver. Mas os pobres foram deixados à mercê de Deus".

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"Perdi meu emprego e fui forçado a abandonar os estudos", prossegue ele. "Assim como todos, tenho meus direitos básicos negados. De acordo com o EI, tudo é haram (proibido), então, fico em casa o tempo todo. Até mesmo passatempos simples, como piqueniques, estão proibidos, sob o pretexto de que são um desperdício de tempo e dinheiro."

"O EI fica com um quarto do salário de qualquer um, como contribuição para a reconstrução da cidade. As pessoas não podem dizer não, porque seriam severamente punidas. O grupo controla tudo. O aluguel é pago a ele, e os hospitais são para uso exclusivo de seus membros. O grupo substituiu até mesmo os imãs das mesquistas com pessoas pró-'EI'. Muitos de nós paramos de ir à mesquita, porque quem comparece deve jurar lealdade, e odiamos isso."

Foto: BBC News Brasil

"Enquanto isso, meu irmão foi punido com 20 chibatadas, porque ele não quis fechar sua loja durante o momento da oração - como se a religião pudesse ser imposta à força!"

'Vi meu irmão desenhando a bandeira do EI'

As filmagens mostram como os militantes têm usado formas cada vez mais sofisticadas para controlar os habitantes da cidade, como a implantação de "centros de mídia" para disseminar suas mensagens.

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Mahmoud sentiu os efeitos dessa propaganda em sua casa: "Meu irmão de 12 anos permaneceu na escola mesmo após ela passar a ser controlada pelo EI. Pensamos que, sem nenhuma outra alternativa, ele poderia ao menos continuar a ter algum tipo de educação e que isso seria melhor do que nada. Mas um dia cheguei em casa e encontrei meu irmão desenhando a bandeira do grupo e cantarolando uma das canções mais famosas. Fiquei doido e comecei a gritar com ele."

Foto: BBC News Brasil

"Peguei o desenho e o rasguei em mil pedaços na frente dele. Ele se assustou e correu para nossa mãe chorando. Alertei que, se ele desenhasse a bandeira ou cantasse alguma música dessas pessoas, eu o colocaria de castigo, o proibiria de ver seus amigos e pararia de falar com ele. Tiramos ele imediatamente da escola, porque preferimos que ele não tenha qualquer educação a ser educado pelo 'Estado Islâmico'. Cheguei à conclusão de que o objetivo dessa organização é plantas sementes de violência, ódio e sectarismo na mente das crianças."

'Eles plantaram bombas e encheram a cidade com atiradores'

Nas imagens, os militantes são vistos transportando armamento pesado (em parte obtido depois que as forças iraquianas fugiram) e retaliando ataques com artilharia antiaérea.

Zaid explica que são precauções: "Eles sabem que o Exército tentará retomar Mosul. Eles destruíram a cidade cavando túneis, construindo barricadas, plantando minas e bombas e enchendo a cidade com atiradores. Apesar disso, se o governo conseguir retomar Nineveh e Mosul, ficarei muito feliz. Espero que as pessoas que se mudaram ou se refugiaram possam retornar, para que trabalhemos juntos para construir um Iraque unido e seguro. O EI é inimigo da humanidade."

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"Fico preocupado com a forma como o Exército retomará a cidade, no entanto. Acho que as violações cometidas em Tikrit pela Mobilização Popular (grupo pró-governo formado em sua maioria por milícias xiitas) acontecerão também aqui. O governo deveria armar a população local para que ela possa proteger a cidade por conta própria. Com a ajuda de Deus, derrotaremos o 'EI'."

Destruição, doutrinação e vigilância: a vida sob o regime do EI
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Fonte: BBC Brasil
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