Padres ortodoxos criticam guerra e mostram cisão entre russos

Oficialmente, Patriarcado de Moscou não condenou conflito

2 mar 2022 - 18h10
(atualizado às 18h22)

Sete dias após o início dos ataques da Rússia contra a Ucrânia, um grupo de 233 padres e diáconos ortodoxos russos publicou um comunicado em que condenam o conflito e chamam o combate de "guerra fraticida".

Cirilo e Putin se aproximaram muito nos últimos anos
Cirilo e Putin se aproximaram muito nos últimos anos
Foto: EPA / Ansa - Brasil

O número de assinaturas tende a aumentar, já que o documento foi enviado para todos os sacerdotes do país.

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"Choramos o calvário que nossos irmãos e irmãs na Ucrânia estão sendo submetidos imerecidamente", diz o documento divulgado pelo portal católico de notícias "Vatican News". O texto ainda fala do "juízo universal" e ressalta que toda a vida "é um dom único e inestimável" de Deus.

"Nenhuma autoridade terrena, nenhum médico, nenhum guarda protegerá as pessoas desse julgamento. Preocupados com a salvação de cada pessoa que se considera um filho da Igreja Ortodoxa Russa, não queremos que chegue esse juízo levando o pesado fardo das maldições maternas. Lembramos que o sangue de Cristo, dado pelo Salvador para a vida no mundo, será recebido no sacramento da Comunhão por aqueles que dão ordens a homicídios, não pela vida, mas para o tormento eterno", diz o documento.

Os representantes pedem um "imediato cessar-fogo e a reconciliação" e ressaltam que o período de Quaresma seja "um convite ao diálogo". "Nenhum apelo não violento para a paz e para o fim da guerra deve ser rejeitado com a força e considerado como uma violação da lei porque esse é o comando divino: beatos sejam os operadores da paz", acrescentam os religiosos.

Os padres e diáconos se distanciam assim das lideranças da Igreja Ortodoxa Russa, guiada pelo Patriarca Cirilo, e que nos últimos anos se aproximou de maneira intensa com o governo do presidente Vladimir Putin. Nenhum alto representante religioso está entre aqueles que assinaram o apelo e, até o momento, o Patriarca não condenou abertamente os ataques russos.

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A carta acirra ainda mais a cisão que vem ocorrendo dentro do mundo ortodoxo e que se intensificou em outubro de 2018 quando os russos romperam formalmente com o Patriarcado Ecumênico de Constantinopla pela decisão de conceder autocefalia a duas igrejas ortodoxas, justamente, da Ucrânia.

Crise

O cisma entre os ortodoxos começou após o patriarca Bartolomeu, considerado um "guia supremo" de todos os praticantes da religião, enviar dois exarcos para Kiev, capital da Ucrânia, para iniciar os trabalhos da chamada autocefalia - quando uma determinação cristã não precisa se reportar a um superior - nas igrejas Ortodoxa Ucraniana e Ucraniana Ortodoxa Autocéfala. Fato que foi formalizado em setembro de 2018.

Em outubro do mesmo ano, após um sínodo realizado em Minsk, capital de Belarus, o metropolita Hilarión, responsável pelas relações exteriores da Igreja Russa, afirmou que não era mais possível continuar com a ligação "eucarística" que existia com Constantinopla e com o patriarca Bartolomeu, considerado o "primeiro entre os iguais" .

O caso encerrou um pedido dos ucranianos iniciado desde sua independência da União Soviética, em 1991. Desde aquele ano, a Ucrânia já havia ensaiado por diversas vezes a criação de uma igreja ortodoxa local que não tivesse vínculos de hierarquia com Moscou.

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O pedido aceito por Constantinopla havia sido enviado em 2014, em meio aos conflitos entre os separatistas pró-Rússia de Donetsk e Lugansk e após a anexação unilateral da Crimeia. O documento formal foi enviado pelo então presidente, Petro Poroshenko, com aval do Parlamento, antecessor do atual mandatário, Volodymyr Zelensky, ambos com postura pró-Ocidente.

O Patriarcado Ecumênico aceitou a opinião ucraniana de que a união entre Moscou e Kiev, adotada em 1686, tinha apenas caráter temporário e que o país sempre foi considerado um "território ecumênico".

Cristãos na Ucrânia

Tal qual a população do país, as religiões cristãs na Ucrânia também são bastante divididas. Além dos ortodoxos que seguem o Patriarcado de Moscou ou de Kiev, há duas organizações católicas - a de rito latino e a greco-católica. Também há forte presença da Igreja Protestante e dos Testemunhas de Jeová.

O presidente da Pontifícia Academia para a Vida do Vaticano, monsenhor Vincenzo Paglia, ressaltou que em toda essa crise também "pagamos pelas divisões internas entre as confissões cristãs".

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No meio de tudo isso, antes da explosão da guerra, estava sendo organizado um segundo encontro entre o papa Francisco e Cirilo I depois do encontro realizado em 2016 em Cuba. A reunião em Havana foi a primeira em mais de mil anos entre os chefes das igrejas Católica e Ortodoxa.

O embaixador russo na Santa Sé, Aleksandr Avdeev, havia dito, há cerca de duas semanas, que a reunião deveria ocorrer entre "junho e julho" deste ano, mas agora, o cenário voltou a ser de incerteza.

Até porque Francisco já condenou publicamente a guerra por mais de uma vez, algo que não foi visto do lado de Cirilo. .

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