Panama Papers: O que o escândalo pode mudar no sistema financeiro mundial

6 abr 2016 - 16h40
(atualizado às 16h46)

O vazamento de mais de 11 milhões de documentos da firma panamenha Mossack Fonseca retirou o manto de anonimato de atividades legais e ilegais de pessoas e empresas, que mantinham patrimônio e transações ocultas em empresas registradas em paraísos fiscais.

Só em 2005, a firma panamenha Mossack e Fonseca ajudou a criar 1914 empresas de fachada
Só em 2005, a firma panamenha Mossack e Fonseca ajudou a criar 1914 empresas de fachada
Foto: Getty Images

Como a exposição de contas de chefes de Estado, grandes empresas, celebridades e organizações vai refletir no modo de o mercado financeiro se organizar? Estarão as empresas offshore com os dias contados?

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A BBC Brasil conversou com especialistas que acreditam que os chamados Panama Papers deverão ajudar a controlar o fluxo de dinheiro obscuro e acelerar a implementação de novos instrumentos legais e tecnologias - que, da mesma forma, poderão ser utilizados tanto para o bem quanto para o mal.

É importante lembrar que contas offshore não são por si só ilegais, desde que devidamente declaradas ao Fisco: podem ser uma forma de investir-se em bens e ativos no exterior. Muitas vezes, porém, transações em paraísos fiscais são usadas para evadir impostos, lavar dinheiro ou ocultar o real dono da fortuna depositada.

"O caso (dos Panama Papers) vai ajudar a controlar o fluxo de dinheiro ilícito", opina Mark Pieth, professor de criminologia da Universidade da Basileia e diretor do Basel Institute of Governance.

Pieth esteve no Panamá assessorando jornalistas que investigaram o caso. Ao todo, mais de 107 veículos de comunicação do mundo se mobilizaram para revisar os dados. Entre os profissionais auxiliados por Pieth estava o núcleo investigativo que estabeleceu a conexão entre o líder russo Vladimir Putin e o seu amigo músico Sergei Roldugin, suspeito de servir como laranja para o político - algo que o governo russo nega.

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"Por muito tempo aceitamos a existências desses centros offshore. Todos criticavam, mas quando chegava a hora de fazer algo a respeito todo mundo tinha o seu próprio pequeno paraíso. Veja a França com Mônaco, a Suíça com Liechtenstein, a Grã-Bretanha como as Ilhas do Canal; a Holanda com Aruba e os Estados Unidos com Delaware", constatou Pieth.

"Ao ver quem tem essas contas, você entende por que os políticos não estiveram seriamente interessados em combater (os paraísos fiscais). O caso do premiê britânico, por exemplo, cuja a família tem contas lá, é muito interessante", disse em referência a Ian Cameron, pai de David Cameron. O fundo de investimentos de Ian estava registrado em um paraíso fiscal, o que permitia que não pagasse impostos no Reino Unido.

Legislação

Segundo Pieth, os Panama Papers ajudarão a acelerar ferramentas legais para combater ilegalidades nesse meio, especialmente no âmbito da OCDE (organização que reúne países mais desenvolvidos), onde medidas coordenadas já vem sendo discutidas.

A organização compilou um pacote de recomendações para lidar com o problema de BEPS (Base Erosion Profit Shifting), que em tradução livre significa a erosão da base tributária e o deslocamento de lucro.

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BEPS ocorrem quando empresas adotam estratégias fiscais agressivas, que se aproveitam de brechas nas leis para evitar o pagamento de impostos. O lucro é maquiado ou desviado para localidades onde a atividade econômica não aconteceu, com o único objetivo de sonegar.

"As pessoas estão cansadas de ver as empresas indo para esses paraísos por causa da evasão fiscal", diz Pieth.

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Um exemplo descoberto no vazamento dos Panama Papers ocorreu em Uganda. Uma petroleira evadiu US$ 400 milhões em impostos. O dinheiro, que poderia ter servido aos cidadãos, foi remetido repetidas vezes a diversos paraísos fiscais embaralhando a rota de evasão. Após anos de litígio, o montante não pôde ser resgatado pelo país africano.

Os mecanismos usados pela Mossack Fonseca, entretanto, não atendiam somente clientes corporativos.

Em 2005, lei da União Europeia passou a exigir que bancos retivessem impostos diretamente nas contas de clientes residentes no continente. Por causa da nova legislação, os bancos passaram a recomendar aos correntistas que abrissem empresas em paraísos fiscais como forma de evitar impostos.

Somente naquele ano, a Mossack Fonseca ajudou a criar 1.814 empresas de fachada. Foi um salto expressivo em comparação às 543 abertas em 2004, ano anterior.

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Entre todas as mais de 210 mil empresas de fachada criadas desde os anos 70, praticamente um terço delas foi fundado entre os anos de 2005 e 2008, justamente após a mudança da lei europeia.

Após lei europeia, bancos passaram a recomendar que correntistas abrissem empresas em paraísos fiscais
Foto: Getty Images
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Crimes

Diretor do Instituto de Pesquisa em Finanças da Universidade de Genebra, o professor Harald Hau afirma que empresas offshore em paraísos fiscais trazem problemas mesmo quando envolvem operações que transcorrem dentro da lei.

"Empresas de fachada obstruem a justiça em países emergentes. A real questão não é tanto se a estrutura é legal ou não. Isso é uma cortina de fumaça. A questão é que atividades fraudulentas não podem ser levadas à justiça porque evidências importantes - ou seja, o rastro do dinheiro - estão ocultas", explica.

Hau acredita que acabar com as empresas de fachada em paraísos fiscais não será possível, mas o escândalo do Panamá contribuirá para o enfraquecimento desse modelo e novas tecnologias que permitam rastrear a origem do dinheiro serão uma realidade no futuro.

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"Blockchains (sistema que ajuda a atestar a validade contábil de uma transação) registram a propriedade a qualquer momento. Se os ativos mais importantes do mundo já estivessem sujeitos a essa transparência, este seria um mundo muito melhor", acredita.

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Para especialistas, episódio Panama Papers vai ajudar a controlar fluxo de dinheiro obscuro
Foto: Thinkstock

A tecnologia blockchain está presente no código criptografado das moedas virtuais. Cada nova transação realizada por uma unidade monetária está atrelada à transação anterior, como uma anotação de entrada e saída. Isso ocorre sucessivamente de modo que todo o histórico de movimentação possa ser remontado.

Apesar da capacidade de rastreamento digital, ainda assim o sistema estaria vulnerável a fraudes no mundo real: "empresas de fachada ainda poderiam ser donas de títulos nessas moedas", exemplifica Hau.

A eficiência das moedas digitais é de toda forma controversa, pois não há lastro (reserva de valor) nem a garantia dada por uma instituição emissora (banco central).

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Além disso, atividades ilegais que ocorrem na internet são muitas vezes negociadas por meio dessas moedas virtuais, em sites que agem como atravessadores.

"O ponto é que a tecnologia blockchain poderá levar em última instância à transparência de todos os ativos globais dependendo da forma como venha a ser implementada", aposta Hau. "Mas no momento ainda estamos muito longe disso."

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