Pandemia deve ampliar em 48% mortes por fome

Relatório da Oxfam com dados da ONU indica que até 37 mil pessoas vão morrer diariamente no mundo por falta de comida neste ano

8 jul 2020 - 22h31
Mulher prepara comida em seu barraco, em favela localizada em Teresina, no Piauí. Foto: Roberto Castro / ESTADÃO.
Mulher prepara comida em seu barraco, em favela localizada em Teresina, no Piauí. Foto: Roberto Castro / ESTADÃO.
Foto: Roberto Castro / Estadão Conteúdo

Até o fim de 2020, o número de mortes relacionadas à fome no mundo chegará a 37 mil por dia. A previsão consta no relatório da ONG Oxfam, divulgado ontem, com base em dados da ONU. Em 2019, as mortes diárias em razão da crise alimentar chegaram a 25 mil, mas os efeitos da pandemia devem ampliar em 12 mil o total neste ano - alta de 48%.

O estudo identifica que os casos mais graves se concentram em nove países e uma região onde vivem 65% da população global em situação de crise alimentar. A maior parte está em áreas de conflito, na África e no Oriente Médio, mas países como Brasil, Índia e África do Sul também terão de lidar com aumento da fome. "Veremos um aumento das pessoas passando fome no Brasil e precisamos tomar as medidas necessárias. Agora e depois da pandemia", afirmou Maitê Guato, gerente de programas da Oxfam Brasil.

Publicidade

De acordo com ela, programas como o auxílio emergencial enfrentam dificuldades para atingir todos os necessitados e milhares de cidadãos não têm celular, acesso à internet ou e-mail para se cadastrar e receber o recurso. "Os impactos sociais e econômicos vão perdurar por um tempo mais longo que a pandemia. Se suspendermos esses auxílios, tanto o emergencial quanto o apoio para manutenção de emprego e renda, empurraremos milhões de pessoas para a extrema pobreza e a fome", disse.

Para o Brasil, que deixou o Mapa da Fome em 2014, a Oxfam faz um alerta. José Graziano, ex-diretor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), sustenta que a fome no Brasil é um problema de acesso. "Produzimos e exportamos em grande quantidade. A questão é como fazer o alimento chegar às pessoas", afirma.

Na visão dele, o País vem desmontando as políticas públicas de redução da insegurança alimentar, citando a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) como exemplo.

Graziano, ministro petista entre 2003 e 2004, diz ainda que há a necessidade de cooperação entre os setores privado, público e a sociedade civil para chegar a resultados melhores. "Não são os governos que acabam com a fome, são as sociedades. O governo sozinho pode fazer pouco sem o setor privado, que é fundamental no equacionamento de um sistema alimentar mais justo", afirma.

Publicidade

Em seu relatório, a Oxfam cita seis ações necessárias para reduzir a insegurança alimentar no mundo, que em 2019 afetou a vida de 821 milhões de pessoas - quatro vezes a população do Brasil. Com a pandemia, mais 122 milhões podem entrar na estatística, chegando a mais de 900 milhões de indivíduos em situação de extrema vulnerabilidade.

Uma das medidas propostas é financiar o envio de ajuda humanitária da ONU, considerada fundamental para garantir a vida e a subsistência de milhões em países pobres. Em um contexto de recrudescimento do nacionalismo, a Oxfam considera as ações multilaterais coordenadas.

Um segundo ponto é o fortalecimento de sistemas alimentares, deixando-os mais sustentáveis e menos suscetíveis a interrupções, como fechamento de fronteiras. "Vivemos em um mundo que produz mais alimentos do que seria necessário e ainda assim temos índices altíssimos de fome", afirmou o economista Walter Belik, professor da Unicamp, especializado em segurança alimentar e um dos criadores do Programa Fome Zero no Brasil.

Neste ano, o FMI prevê queda de 4,9% na economia global, o que acabaria com 300 milhões de empregos em tempo integral e dificultaria o acesso à renda para outros 2 bilhões de trabalhadores informais em todo o mundo. "A pessoa perde trabalho, renda e não tem como ter acessar a comida", diz Belik.

Publicidade

Segundo o economista, os países deveriam elevar a produção local de alimentos e deixar de depender tanto de exportações. "Seria muito mais viável e saudável produzir localmente, ter circuitos curtos e depender menos de fluxos internacionais. Uma paralisação como essa fez cargueiros ficarem parados em portos e criou crises de abastecimento sérias em muitos países", afirma Belik, que defende também a criação de estoques estratégicos para que países evitem o desabastecimento.

Em junho, a ONU estimou que a pandemia jogaria mais 49 milhões de pessoas na pobreza extrema. "O número de pessoas expostas a uma grave insegurança alimentar vai crescer rapidamente. A queda de um ponto porcentual no PIB global significa mais 700 mil crianças desnutridas", disse António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas.

Os países em desenvolvimento são particularmente afetados pelo confinamento em razão da dependência que têm da economia informal. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 1,6 bilhão dos 2 bilhões de trabalhadores informais serão afetados pelas restrição de movimento, a maioria em países da América Latina, Ásia e África.

Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP
Inscreva-se