Menos de uma semana depois de ser eleito para um quinto mandato, o presidente da Fifa, o suíço Joseph Blatter, de 79 anos, anunciou nesta terça-feira que vai deixar o cargo quando forem convocadas eleições extraordinárias antecipadas para substituí-lo.
O pedido de renúncia ocorre em meio a investigações, pelo Departamento de Justiça americano, de um amplo esquema de propinas envolvendo altos dirigentes da entidade, no mais grave escândalo de sua história. Sete executivos da entidade foram presos, entre eles o brasileiro José Maria Marin, ex-presidente e atual vice da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
Blatter não foi citado nas denúncias do governo americano, mas vinha sendo pressionado a deixar o cargo, que ocupa há 17 anos. E seu braço direito, Jerôme Valcke, foi mencionado nas investigações, segundo reportagem do New York Times.
"Meu mandato parece não ter o apoio de todo mundo", disse Blatter em entrevista coletiva nesta terça-feira. "Pensei profundamente sobre a minha decisão. Prezo e amo a Fifa e só quero fazer o melhor. A Fifa precisa de uma reestruturação profunda."
A renúncia marca o fim de sua era como o homem "intocável" na Fifa, que se manteve por tanto tempo no poder apesar de suspeitas de más práticas envolverem há anos a entidade máxima do futebol.
Carreira
Blatter nasceu em uma família humilde na cidade alpina de Visp. Segundo relatos, ele era o "rei do playground" na escola primária, nos anos 1940, e o único menino local com talentos futebolísticos de nível profissional.
Terminada a escola, Blatter seguiu um caminho comum entre homens suíços nos anos 1960 e 1970: fez o serviço militar obrigatório, chegando ao cargo de coronel. No Exército, ele fez contatos que lhe seriam úteis mais tarde.
Blatter trabalhou, então, na indústria de relógios e cresceu no ramo de gerenciamento esportivo, atuando na Federação Suíça de Hóquei no Gelo antes de entrar na Fifa como diretor técnico, em 1975.
Quando ele foi eleito presidente da entidade pela primeira vez, em 1998, houve uma certa celebração nacional no país natal de Blatter, segundo o parlamentar suíço Roland Buechel, defensor de mais transparência no comando do futebol.
Blatter havia acabado de conquistar um quinto mandato à frente da Fifa, mas sofria pressões para renunciar
"Ficamos orgulhosos de ter um suíço no comando de uma organização internacional tão importante", disse ele à BBC.
Em Visp, a antiga escola de Blatter foi rebatizada em homenagem a ele. Seu retrato está pendurado na parede, e dias esportivos geralmente são batizados com seu nome. Ele costuma ser recebido afetuosamente quando visita a cidade.
"Ele é muito descomplicado, muito acessível", contou Hans-Peter Berchtold, editor de esporte do jornal local Walliserbote.
No entanto, Berchtold admite que, no que diz respeito às acusações de corrupção na Fifa, até mesmo os velhos conhecidos de Blatter "não são cegos".
"Todo o mundo sabe que há problemas na Fifa", ele disse. "Mas eles não acham que Sepp Blatter deva ser responsabilizado por todos eles."
Ceticismo
Berchtold argumenta que há muitos aspectos positivos na gestão de Blatter, como a promoção do futebol em países em desenvolvimento, o fato de uma primeira Copa do Mundo ter sido realizada na África e, mais recentemente, o compromisso com um processo de reforma na Fifa.
Mas é exatamente disso que alguns dos críticos de Blatter discordam. "Ele teve 17 anos para melhorar a governança na Fifa", disse Eric Martin, chefe do setor suíço da ONG anticorrupção Transparência Internacional.
Em 2011, um painel independente reunido pela Fifa propôs um pacote de reformas. A decisão da entidade, de ignorar as recomendações para mandatos fixos, limites de idade e divulgação total da renda obtida foi criticada pela ONG.
"Na Suíça, mudamos regularmente de presidente", agregou Martin. "Tenho certeza que a Fifa conseguiria fazer o mesmo depois de 17 anos (de mandato para Blatter)."
E, enquanto alguns velhos amigos o descrevem como sensato e aberto, outros que trabalharam com Blatter afirmam que ele não gosta de enfrentar oposição - e citam a rápida saída de cena de colegas que ousaram questioná-lo.
Blatter rejeitou bruscamente uma sugestão para participar de um debate televisionado ao lado dos demais candidatos à presidência da Fifa.
Questionado certa vez a respeito das críticas a seu comando da entidade - sendo as mais estridentes delas vindas de Alemanha e Inglaterra -, Blatter respondeu que ele poderia "perdoar, mas não esquecer".
'Don Blatterone'
Na Suíça, muitos se perguntavam como Blatter conseguiu manter o controle da Fifa por tanto tempo, em meio a tantas acusações de corrupção, e ainda assim parecer intocável.
Um jornal suíço o chamou, em tom jocoso, de "Poderoso Chefão, o Don Blatterone" - mas nenhuma investigação conseguiu encontrar provas de seu eventual envolvimento em subornos.
"Ele foi um sobrevivente", disse Buechel. "Nada colava nele, sempre há alguém entre ele e (casos de) suborno."
"Posso lhe dizer com segurança que ele não é 'subornável'", defendeu Hans-Peter Berchtold. "Dinheiro não é o que o motiva."
Buechel e Martin acreditam que a determinação de Blatter em manter seu cargo tornou-se prejudicial à entidade, ao não dar espaço para o surgimento de sucessores.
O que emerge, então, é um homem com uma carreira mais longeva do que seus três casamentos e que tanto críticos como simpatizantes apontam como alguém que não conseguia imaginar sua vida longe da Fifa. No entanto, sem o mesmo apoio de antes, ele parece ter sido forçado a mudar de ideia.