Como é possível que um país recuse um acordo que colocaria fim a um conflito armado que se arrasta a mais de meio século e já custou as vidas de mais de 200 mil pessoas?
Esse é o sentimento que tiveram muitos observadores do referendo colombiano sobre o acordo de paz com a guerrilha, realizado no domingo.
O acordo requereu quatro anos de difíceis negociações entre o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e o líder das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), Rodrigo Lodoño, também conhecido como Timoleón Jimenez ou Timochenko.
Mas esbarrou na opinião pública, depois que a opção por não ratificá-lo foi escolhida por 50,2% dos votos válidos. A diferença entre o "não" e o "sim" foi de menos de 60 mil votos.
A campanha pelo "Sim" tinha o apoio de Santos e de uma série de políticos dentro e fora da Colômbia, incluindo o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Os partidários do "Não" eram liderados pelo ex-presidente colombiano Álvaro Uribe.
Abstenção nas alturas
Mas o acordo de paz parecia contar com mais entusiasmo internacional do que entre os próprios colombianos. A taxa de abstenção na consulta foi a mais alta em décadas: 63%.
Eleitores ouvidos pela BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, indicaram que as feridas abertas pelo conflito com as Farc continuam latentes. Durante todo o processo de paz falou-se muito de perdão, mas perdoar 50 anos de agressões e violência não é fácil, afirmaram.
A contadora Mercedes Castañeda, que mora em Bogotá, é uma das que acreditam que "não" significou "a vitória da Justiça".
"A verdade triunfou, porque havia manipulação nos acordos. Nós não queremos que as Farc tenham um espaço político que não merecem", disse Castañeda.
Para Castañeda, a guerrilha forjou seu caminho "com sequestros, assassinatos e narcotráfico". " A Colômbia não se esqueceu".
Já para a professora universítária e jornalista Ana Cristina Restrepo, a oposição ao acordo é fruto do medo - "o grande eleitor na Colômbia".
"Não fomos capazes de dar esse passo. Voltamos ao mesmo ponto de 1982, quando se começou a negociar com as Farc", disse ela.
Pontos de divisão
No plebiscito de domingo, os colombianos tiveram de responder à seguinte pergunta: "Você apoia o acordo final para o fim do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura?"
Não era uma simples decisão sobre um cessar-fogo.
O pacto elaborado em Havana se materializou em um documento de 297 páginas contendo vários pontos que dividiram a opinião pública e os políticos colombianos.
Uma das partes mais questionadas do acordo foi a garantia dada ao partido político no qual as Farc se transformariam: eles receberiam cinco cadeiras no Senado e cinco na Câmara nos dois ciclos legislativos seguintes.
Outras objeções foram feitas à proposta de que os culpados de crimes de guerra ou contra a humanidade - tanto das Farc como das forças do Estado - não fossem presos.
Mas o resultado do referendo não significa que os colombianos querem que a guerra continue.
"O não no referendo não é um não à paz, não se pode considerar assim. É preciso fazer uma somatória que permita que o fim do conflito tenha um maior respaldo", disse à BBC Mundo Victor G. Ricardo, que fez parte das negociações do governo com as Farc durante o governo de Andrés Pastrana (1998-2002).
Surpresa? Nem tanto
O burburinho sobre o "fim da guerra", criado após o presidente Santos assinar o acordo de paz em Cartagena na semana passada, fez muitos analistas acreditarem que o "sim" venceria facilmente no domingo. As pequisas de opinião pintavam cenário semelhante.
A jornalista Ana Cristina Restrepo disse que não se surpreeende com a vitória do não".
Segundo ela, um dos maiores críticos do acordo firmado por Santos, o ex-presidente Álvaro Uribe, soube exercer sua influência em determinadas regiões do país, como o departamento (estado) de Antioquia.
Além disso, enquanto o conflito se desenrola principalmente nas zonas rurais, a maioria dos eleitores está nas cidades.
Apesar de grande parte dos colombianos afirmar querer a paz, eles ainda não estão de acordo sobre como conseguí-la.
Antes da votação, o presidente Santos havia dito que não havia "plano B" para o fim do conflito. Porém, disse que o cessar-fogo com as Farc permanece. Segundo o presidente, enviados do governo vão negociar com as Farc possíveis próximos passos e continuará buscando a paz durante seu mandato.
O líder rebelde, Timochenko, disse que as Farc continuam dispostas a encerrar o conflito.