Por que a população do Uruguai não cresce há 30 anos

15 abr 2017 - 15h37
(atualizado às 20h25)

O Uruguai tem uma população que não cresce muito além dos três milhões de habitantes há três décadas. Qual será o motivo dessa estagnação?

Em 2011, o então presidente José Mujica chegou a dizer que o país estava em vias de extinção. O censo do país foi divulgado dez meses após a declaração e mostrou que o prognóstico tinha falhado, mas não por muito.

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O Instituto Nacional de Estatística (INE), do Uruguai, mostrou que o país tinha 3.286.314 habitantes, ou seja, 45.311 pessoas a mais que em 2004, data do censo anterior.

O Uruguai é considerado uma exceção dentro da América Latina e Caribe em crescimento populacional; e quando se trata de futebol, o país se supera com sua população pouco numerosa - fora duas conquistas em Copas, dois ouros em Olímpiadas e 15 títulos de Copa América
O Uruguai é considerado uma exceção dentro da América Latina e Caribe em crescimento populacional; e quando se trata de futebol, o país se supera com sua população pouco numerosa - fora duas conquistas em Copas, dois ouros em Olímpiadas e 15 títulos de Copa América
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O índice, recebido com otimismo político, pode provocar estranheza no contexto da América Latina e Caribe, região que chegou a registrar o maior crescimento populacional do mundo.

O Uruguai superou os três milhões de habitantes apenas em 1985, segundo o Observatório Demográfico da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal). Nesse ano, os países da região com população parecida eram Nicarágua (3,7 milhões) e Costa Rica (2,7 milhões).

Atualmente, a Nicarágua tem 6,2 milhões de habitantes, e a Costa Rica deve chegar aos 5 milhões. Enquanto isto, o Uruguai, mesmo com uma área capaz de abrigar as duas nações centro-americanas, não chegou aos 3,5 milhões.

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Mais vacas que pessoas

Parte da explicação para esse lento crescimento está nas origens do país, explicou à BBC Mundo a demógrafa Wanda Cabella, coordenadora do Programa de População da Universidade da República, em Montevidéu.

O Instituto Nacional de Estatística projeta 3,7 milhões de habitantes para 2050.
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A criação da República Oriental do Uruguai, com a mediação britânica a princípios do século XIX, tentava evitar que os gigantes Argentina e Brasil controlassem o estratégico porto de Montevidéu. Por isso, quando se definiram os limites de seu território, ninguém pareceu se importar que o lugar tivesse mais vacas que pessoas.

Alías, segundo o historiador uruguaio José Pedro Barrán, a pecuária (atividade produtiva que caracteriza o país) contribui para a pequena população. Isso porque precisa-se de pouca mão de obra para controlar os pastos.

Outro fator é que população indígena, que já era reduzida, foi aniquilada no século XIX.

No território uruguaio, vivem 12 milhões de vacas, ou seja, há 3,5 bovinos para cada habitante.
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

'Um povo de velhos'

Três fatores demográficos também levam o país a crescer num ritmo de 0,019% ao ano, como mostrou o censo de 2011.

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O primeiro é a baixa natalidade: enquanto Bolívia, Haiti e Guatemala somam em média três filhos por cada mulher, o Uruguai tem apenas dois.

Em 2016 no Uruguai, nasceram 47.049 bebês, 1.877 a menos que em 2015.
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Dados do Cepal entre 2010 e 2015 indicam que a taxa de feculdidade está abaixo do nível de reposição (ou seja, menor que 2,1 filhos por mulher, taxa em que a população não se repõe - mesma situação do Brasil).

Por isso que, há duas semanas, a Subsecretaria de Saúde Pública do país fez questão de ressaltar que "os uruguaios não serão extintos" após divulgar números mostrando que em 2016 nasceram 47.049 bebês, ao todo 1.877 a menos que em 2015.

O segundo fator é a alta expectativa de vida, de 77 anos, segundo a Organização Mundial de Saúde - uma das maiores da América Latina.

Mujica, com sua famosa eloquência, resumiu: "Somos um povo de velhos".

E há ainda um terceiro elemento. "Desde década de 1960, um fator de baixo crescimento populacional é a emigração", explicou à BBC Mundo Juan José Calvo, representante adjunto do Fundo de População da ONU.

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Dados de 2016 mostram que 550 mil uruguaios vivem no exterior, em grande parte jovens em idade reprodutiva.

Em 1950, de cada mil latino-americanos, 13 eram uruguaios. Em 2011, a relação caiu para 5,6, segundo especialista.
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Quem paga?

Embora uma população estagnada seja um reflexo do desenvolvimento do país - consequência da alta expectativa de vida e do controle da natalidade - isso traz desafios para o governo.

À medida que há menos pessoas em idade ativa e mais idosos, o financiamento dos sistemas previdenciário, de saúde e de integração intergeracional se torna um tema preocupante, dizem os especialistas.

Apesar das estatísticas, Pablo Álvarez, coordenador geral da Organização de Planejamento e Orçamento do governo, garante que esse não é um problema emergencial para o Uruguai.

"As últimas análises mostram que não há risco financeiro num médio prazo", assegurou Álvarez, citando dados da Comissão Setorial de População, criada em 2010.

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Por isso o governo não planeja aumentar a idade de aposentadoria por enquanto, uma das primeiras (e mais impopulares) medidas contra essa realidade demográfica.

A expectativa de vida ao nascer no Uruguai é de 77 anos, uma das mais altas da América Latina e Caribe, segundo a OMS.
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Propostas de crescimento

Para reverter o processo, nos últimos anos políticos têm apresentado propostas que vão desde reduzir impostos de famílias de classe média com três ou mais filhos até a criar planos para estimular a chegada de trabalhadores rurais latino-americanos.

No entanto, tanto Cabella como Calvo concordam que o país não deve buscar o aumento demográfico como meta nacional. Além de ter um êxito restrito e da necessidade de altos investimentos, o programa de incentivo à natalidade pode levantar questões éticas, como por exemplo: se o Estado pode influenciar dessa forma na escolha da população de ter ou não filhos.

Para Cabella, programas nacionais como o Plano Ceibal, que entregou um computador para cada criança de escola pública, é viável graças ao tamanho do país.
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Já Pablo Álvarez, que representa o governo, lembra que há medidas de incentivo ao aumento populacional por meio de melhora na qualidade de vida dos pais. Entre elas, está a extensão de licença maternidade e parternidade e a expansão de creches gratuitas. Com isso, ele diz, o Estado quer reduzir o peso de ter filhos para mulheres trabalhadoras.

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Álvarez acrescenta que a legislação do país mantém uma política de portas abertas a imigrantes, garantindo direitos à saúde, trabalho, seguridade social, habitação e educação em pé de igualdade com os de uruguaios.

Com isso espera-se que o Uruguai receba 18 mil estrangeiros da América Latina em Caribe em 2018, embora o país não promova diretamente a imigração.

Em 2010, foi criada a Comissão Setorial de População, coordenada por Pablo Álvarez (direita) e com participação de Juan José Calvo.
Foto: Presidencia de la República de Uruguay / BBC News Brasil

Será que, afinal, o país chegará a quatro milhões de habitantes?

A projeção do INE, o órgão do governo uruguaio, é de 3,7 milhões de habitantes para 2050. Já o Cepal estima que a população deixaria de crescer nessa década. Ou seja, o período seria o auge populacional do Uruguai.

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